domingo, 21 de dezembro de 2025

Tacacá

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 21 DE DEZEMBRO DE 2025 – A minha geração viveu em ditaduras. A diferença entre a maioria da minha geração é que estão adorando a ditadura atual, a da toga, pois cresceu à sombra dos seus heróis, Fidel Castro, arquiteto da ditadura cubana, e Che Guevara, outro pilantra covarde como psicopata nazista. Da minha geração, poucos construíram uma obra sólida, como o gênio do pincel e da espátula Olivar Cunha e o escritor e compositor Fernando Canto, ambos de Macapá/AP.

Nasci em 7 de agosto de 1954. Dezessete dias depois, Getúlio Vargas se matou. Getúlio foi um ditador nazista carniceiro, de 1930 até 1945, e de 1951 até o seu suicídio, em 1954. Seu segundo mandado foi democrático, por isso ele não se sustentou e estava tão encarniçado que se matou.

Cinco anos após o meu nascimento aconteceu algo que repercute até hoje em toda a América Latina: a Revolução Cubana, em 1 de janeiro de 1959. Na época, o comunismo – que hoje se sabe é uma máfia, diferente das demais porque é mil vezes mais violenta, mortal, diabólica – era envolto em uma aura de romantismo.

Uma década após meu nascimento houve uma contrarrevolução comunista no Brasil, a Ditadura dos Generais, que durou 21 anos, de 1964 a 1985. Era uma ditadura meia-boca. Enquanto os militares combatiam com fogo os comunistas – assassinos, sequestradores, assaltantes de banco, terroristas, narcotraficantes –, os comunistas se organizavam e se infiltravam na sociedade, promovendo lavagem cerebral, sobretudo na mídia, nas universidades e escolas, e na classe artística.

No fim da Ditadura dos Generais, os generais anistiaram todo mundo. Os comunistas, muito organizados, chegaram, assim, ao poder e ainda se indenizaram da “perseguição” que sofreram durante a ditadura, decretando altos salários indenizatórios e por toda a porca vida a eles mesmos.

Em 1990, Fidel Castro e Lula da Silva criaram o Foro de São Paulo, uma organização que reúne ditadores, terroristas, guerrilheiros, narcotraficantes e comunistas em geral da América Latina, com o objetivo de instalar ditaduras comunistas na região, intensificar o narcotráfico e destruir os Estados Unidos.

A coisa vinha dando certo até Donald Trump assumir a presidência dos Estados Unidos, em 20 de janeiro deste ano. Trump vem combatendo o narcotráfico na América Latina com todo o poderio americano. No caso do Brasil, onde vivemos uma ditadura meia-boca, a da toga, e onde o narcotráfico manda, Trump vem fazendo o que pode, para enviar os cabeças do crime organizado brasileiro para o Centro de Confinamento do Terrorismo, em Tecoluca, San Vicente, El Salvador. Mas não é suficiente.

A ditadura da toga só cairá com pressão popular. Como, se o povo é o mesmo que envia carniça para o Congresso Nacional? Claro, há as exceções, alguns poucos que lutam pela democracia plena. O restante só pensa em dinheiro. Não têm ideia do que é pátria. Sua pátria é dinheiro. O povo foi alienado pela propaganda comunista. Está estupidificado. Anestesiado. Como a língua sob efeito do espilantol do jambu.

Comecei a trabalhar como jornalista em Manaus, em 1975, aos 21 anos de idade. Comecei como repórter policial e senti o fedor, de perto, da ditadura. A polícia manauara era, então, corrupta. Cair nas mãos dela, com ou sem culpa, significava tortura, e trabalhei, durante muito tempo, em jornais sob censura. Entre os amigos, quem não incensasse comunistas como Fidel Castro e o astro pop Che Guevara estava lascado. Também o que me ajudou a compreender a mente dos ditadores foram Gabriel García Márquez, mesmo com sua visão romântica da ditadura, e Mario Vargas Llosa, e, mais tarde, o ensaísta Jorge Bessa.

A ditadura da toga me rendeu dois romances: O CLUBE DOS ONIPOTENTES e O OLHO DO TOURO. A Ditadura dos Generais me rendeu meu primeiro romance, e o que considero mais criativo, A CASA AMARELA, e JAMBU. Jambu é uma erva largamente utilizada na Amazônia, principalmente no tacacá. Ontem, fui à Pedra, na Ceasa. Tomei tacacá na Banca da Paraense. Feito na hora.

Ia intitular meu romance JAMBU de tacacá, mas me pareceu que ia sugerir um livro de receitas. Aí, pensei em espilantol, mas comentando isso com um amigo, ele observou que espilantol parece nome de medicamente. Pensei bem e concordei. Aí me veio o título definitivo: JAMBU.

Jambu porque o romance tem como pano de fundo um festival gastronômico, paralelamente à perseguição a um traficante de crianças, em uma Amazônia onde o amazônida jamais deixou de ser colonizado, escravizado, estupidificado pela brutalidade da Hileia e do colonialismo. Anestesiado, como o efeito do espilantol nas papilas gustativas.

Tacacá é uma das iguarias culinárias mais saborosas do mundo. Jambu é imprescindível na sua composição. Mas cada coisa no seu lugar. Para o cérebro, a lucidez, bom é castanha-do-pará, rica em selênio. O povo brasileiro está, no fim das contas, igualzinho o caboco amazônida, anestesiado. Não por jambu, mas pelo dinheiro que o governo arranca dos pagadores de impostos e dá para que o povão saia da rede, ou da cama, apenas para votar nele. E depois, se não votar, dá no mesmo. Não há auditoria.

Quanto ao tacacá, que dá título a este artigo, é o seguinte: leia trecho do romance JAMBU.

TACACÁ é a iguaria mais representativa da Amazônia. Segundo o antropólogo Luís da Câmara Cascudo, deriva de um mingau indígena, mani poi, preparado com goma de tapioca temperada com tucupi, cebola, alho, cheiro-verde, jambu e camarão. Há a teoria de que teria surgido em Itacoatiara/AM, conforme relata o médico e explorador alemão Robert Christian Barthold Avé-Lallemant, autor do livro No Rio Amazonas, e que esteve na Amazônia e visitou a Vila de Serpa, atual Itacoatiara, em 1859.

Classificou o tacacá como “a bebida nacional dos Mura”, uma das etnias que enfrentaram os portugueses e espanhóis com a mesma valentia e crueldade dos ibéricos. O etnólogo Kurt Nimuendaju escreveu: “De todas as tribos da Amazônia, a dos Mura foi a que mais extenso território ocupou, espalhando-se das fronteiras do Peru até o Rio Trombetas”, que limita o Amazonas com o Pará. Os Mura habitavam as bacias do Médio Amazonas, Solimões e Madeira, desde cerca de 1.450 a. C., até o século XVIII, quando foram trucidados pelos ibéricos. Seus remanescentes, cerca de mil famílias, habitam os municípios de Autazes e Itacoatiara, no estado do Amazonas.

O padre jesuíta João Daniel registra no livro Tesouro Descoberto do Rio Amazonas, escrito entre 1757 e 1776, que os “índios do Rio Amazonas… tapuias do Amazonas… povoadores do Amazonas… usam da bebida tacacá… o tucupi é um sumo venenoso extraído da raiz da mandioca... cozido, perde o veneno, e então é servido como tempero de vários guisados e bebidas”.

A iguaria, tal como é servida, hoje, é composta de goma de mandioca, tucupi, camarão seco e salgado, jambu, sal, alho e pimenta de cheiro a gosto. É servido em cuias. Coloca-se primeiramente um pouco de tucupi e um pouco de caldo da pimenta-de-cheiro com tucupi, a gosto, acrescenta-se goma, arranjam-se ramos do jambu, colocam-se camarões e acrescenta-se mais tucupi.

Toma-se tacacá (não se diz beber) muito quente, na cuia, assentada em uma pequena cesta, para proteger as mãos. Utiliza-se um palito de madeira para fisgar o camarão e o jambu (Acmella oleracea), este, o tempero por excelência da Amazônia, utilizado em pratos que vão de pizza até bebida como cachaça. Faz os lábios tremerem de prazer. É rico em cálcio, fósforo, ferro, vitaminas C, B1, B2 e B3.

Mascar jambu adormece o nervo trigêmeo e alivia dores de garganta e de dente. Em forma de chá ou macerado é diurético e ajuda a dissolver cálculos da vesícula biliar. A única contraindicação é para mulheres grávidas, pois provoca contrações do útero. É originário do Brasil, Colômbia, Guianas e Venezuela, e é conhecido também como agrião-do-pará, agrião-do-norte, agrião-do-brasil e jambuaçu. Cresce na várzea, até 30 centímetros de altura, formando uma folhagem densa e bem verde. As flores são amarelas e hermafroditas. Em Macapá/AP, cresce como mato nos quintais.

O óleo essencial do jambu é rico em propriedades antioxidantes, diuréticas e anti-inflamatórias, utilizado nas indústrias farmacêutica, cosmética e de higiene pessoal. Seu princípio ativo mais importante é o espilantol, extraído das flores, folhas e caule do jambu. Este arbusto começou a ser plantado em outras regiões do Brasil, como nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, destinado à indústria cosmética. Cultiva-se jambu também em Madagascar, Índia e China.

É habitual consumir-se o tacacá no fim da tarde, em torno das bancas das tradicionais tacacazeiras, figura típica das ruas de diversas cidades da Amazônia. As vendedoras de tacacá têm ponto fixo em diferentes locais das cidades, permanecendo muitas vezes por décadas, de avós para netas, com clientela cativa. O tacacá da Esmeralda, chefe de cozinha do Hotel Caranã, era famoso, tanto que o francês Jules Adolphe Lunier, da Cunani Exportações, dizia que se hospedava no Caranã só para degustar a iguaria.

O odor de jasmim naquele trecho da Avenida Presidente Vargas, no bairro de Santa Rita, ficava mais forte defronte à casa da Esmeralda, atrás de um jardim dominado por jasmineiros e primaveras. Passava das 22 horas quando Jules Adolphe Lunier desceu do Uber e avançou até a casa. Tocou a campainha meia dúzia de vezes, em toques curtos e ritmados. O portão se abriu um segundo depois do último toque e ele entrou, seguindo por entre os jasmineiros e as primaveras até a porta da casa, já aberta.

Beijaram-se. O francês tirou do bolso da calça um pequeno embrulho e o entregou a Esmeralda, que se sentou no sofá e começou a abrir o presente. Era um estojo de veludo com um anel de brilhante. Esmeralda era solteira e morava só; tinha um filho, que estudava em Belém. Aos 39 anos de idade, lembrava uma modelo renascentista, a pele leitosa, lábios grandes, olhos verdes como duas esmeraldas, longos cabelos encaracolados, levemente ruivos, seios fartos e rijos, pernas bem torneadas e ancas generosas.

Jules Adolphe Lunier já tomara uma quantidade pantagruélica de tacacá, e agora era senhor do “tacacá mais saboroso do mundo”. Esmeralda desconfiava, intuitivamente, do mistério que cercava o amor dedicado a ela pelo francês, mas não resistira à energia dele, e da promessa de se tornar chef em Paris.

Exauridos ao cabo de duas horas de atividade febril, ambos entregaram-se à modorra, bebericando champanhe.

– Preciso ir – disse o francês, de repente. – Amanhã vou receber uma carga valiosa.

– E amanhã é o último dia do Festival Gastronômico.

Conversavam em francês.                                   

“Sinto cheiro de flores mortas” – Esmeralda pensou.

Pouco depois Jules Adolphe Lunier fechou o portão atrás de si e caminhou para o Uber que Esmeralda chamara. A madrugada, úmida pelo sereno, dormia. O cheiro dos jasmineiros era tão forte que se tornara tangível. De vez em quando o silêncio era quebrado pelo som de um automóvel desregulado, ou de uma moto, e logo voltava a reinar.

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