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Ray Cunha e Fernando Canto. Ao fundo, o Marco Zero |
RAY CUNHA
BRASÍLIA, 22 DE JUNHO
DE 2024 – Fundada em 21 de junho de 1953, a Academia Amapaense de Letras
(AAL) é a maior porta-voz da cultura do estado do Amapá, que teve suas terras
avistadas pela primeira vez por um europeu antes da chegada de Pedro Álvares
Cabral a Porto Seguro, Bahia, em 22 de abril de 1500. Em 26 de janeiro daquele
ano, o navegador e explorador espanhol Vicente Yáñez Pinzón chegou ao Cabo de
Santo Agostinho, no litoral de Pernambuco. De lá, prosseguiu para o norte,
cruzou a foz do Rio Amazonas até o Rio Oiapoque, percorrendo, assim, todo o
litoral do Amapá, que, juntamente com o estado do Pará, do qual foi
desmembrado, em 13 de setembro de 1943, integra a Amazônia Ocidental, ou
Atlântica.
Os espanhóis já conheciam o Novo Mundo antes de Cabral,
tanto que Cristóvão Colombo chegou à América em 12 de outubro de 1492. O Tratado
de Tordesilhas, firmado entre Portugal e Espanha, em 1494, pôs a costa
atlântica ao norte da foz do Rio Amazonas sob jurisdição espanhola. O Amapá
começou a ser explorado em 1580. Dessa data até 1640, Portugal era governado
pela Espanha.
Além dos espanhóis e portugueses, o Amapá, chamado então de Cabo
do Norte, era explorado também por franceses, ingleses e neerlandeses, que extraíam
da região madeira, frutos, urucu, óleos vegetais e pescados. Também plantavam
cana-de-açúcar e tabaco e criava-se gado. Em 15 de maio de 1895, os franceses
invadiram o Amapá, mas, depois de correr sangue, acabaram retrocedendo e a
questão foi resolvida diplomaticamente.
No meu romance JAMBU, um trecho menciona como se forjou a
etnia amapaense, a partir do maior ícone do estado, a Fortaleza de São José de
Macapá, a capital, situada na esquina do maior rio do planeta, o Amazonas, com
a Linha Imaginária do Equador, que secciona a cidade e a separa entre os dois
hemisférios:
“Assim, a Fortaleza, maior ícone dos
macapaenses, é a tradução perfeita de Macapá. Construída por escravos, negros e
índios, sob o obsessivo domínio português, foi o cadinho no qual se forjou a
etnia macapaense. Os portugueses cruzaram com os africanos e geraram mulatos, e
fornicaram com os índios, formando uma população de mamelucos; os africanos
fundaram o distrito de Curiaú e o bairro do Laguinho, misturaram-se com os
índios e legaram cafuzos; e mulatos, cafuzos e mamelucos misturaram-se, fechando
o círculo, numa diversidade étnica viva nas ruas de Macapá, nas nuanças de
peles que vão do alabastro ao ébano, passando pelo bronze e jambo maduro,
unidos pelo sotaque caboco: a fusão do português falado em Lisboa, doces
palavras tupis, línguas africanas, patoá das Guianas, tudo triturado em
corruptela”.
E foi nesta cidade, que recebe os alísios e ecos do Caribe,
que pioneiros fundaram a Academia Amapaense de Letras, em 1953, na data do
aniversário de Machado de Assis, 21 de junho. O evento aconteceu na sala de
estudos da Biblioteca Clemente Mariani, do Grêmio Literário e Cívico Rui
Barbosa, que congregava alunos do Ginásio Amapaense, quando o ginásio funcionava
no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. A posse da diretoria ocorreu no Cine
Teatro Territorial, anexo ao Grupo Escolar Barão do Rio Branco, em 5 de julho.
E só. Não se ouviu mais falar na AAL, até 1988, quando foi realmente ativada.
Hoje, presidida pelo escritor e compositor Fernando Canto,
profundo conhecedor da identidade amapaense, a academia tem nas suas costas a
responsabilidade de zelar pela cultura do estado, promovendo a publicação de
livros fundamentais para o conhecimento da cultura amapaense, conferências nas
universidades e debates, para que o Amapá seja melhor compreendido. Mas, para
isso, é necessária independência financeira. Como assim, se a academia não tem
sequer sede própria?
Políticos amapaenses já prometeram terrenos em área central
de Macapá e até prédios já prontinhos para os acadêmicos fazerem suas reuniões,
palestras, conferências, debates e alugar dependências do prédio próprio, para
não dependerem do poder público, mas são só promessas. Até agora, não doaram à
academia nem uma choupana no Curiaú. Nas eleições deste ano, para prefeito e
vereadores, as promessas vão engrossar, e o caldo vai ficar mais grosso, ainda,
em 2026.
Recapitulemos o caso da Academia Brasileira de Letras (ABL),
fundada na cidade do Rio de Janeiro, em 20 de julho de 1897, por Machado de
Assis, seu primeiro presidente, Lúcio de Mendonça, Inglês de Sousa, Olavo
Bilac, Afonso Celso, Graça Aranha, Medeiros e Albuquerque, Joaquim Nabuco,
Teixeira de Melo, Visconde de Taunay e Ruy Barbosa, composta, atualmente, por
quarenta membros efetivos e perpétuos, razão pela qual são chamados de imortais, e vinte
sócios estrangeiros, com o objetivo de zelar pela língua portuguesa e a
literatura brasileira.
No começo, os acadêmicos se reuniam onde dava, até que, em
1923, a França doou a ela um prédio na Avenida Presidente Wilson, na Esplanada
do Castelo, centro Rio de Janeiro, o Petit Trianon, o Pavilhão Francês na Exposição
do Centenário da Independência do Brasil. Pronto, agora a academia já tinha a sua
sede. Mas continuava de pires na mão. Aí, surgiu um homem que mudou essa
situação: Austregésilo de Athayde, que se tornou presidente do silogeu, em
1958, cargo que exerceu durante 34 anos, até sua morte, em 1993.
Austregésilo de Athayde pediu ao então presidente Juscelino
Kubitschek a doação do Pavilhão Inglês, anexo ao Petit Trianon, com a intenção
de demoli-lo e construir em seu lugar uma moderna torre. No último ano do seu
mandato, 1960, Kubitscheck atende ao pedido e assina o decreto de doação. Contudo,
no ano seguinte, o novo presidente da República, Jânio Quadros, revoga a doação
feita pelo presidente Bossa Nova.
A partir daí, Austregésilo de Athayde percorre um longo
caminho pelos corredores da Ditadura dos Generais (1964-1985), conversando e
trocando correspondência com militares graduados, como o coronel Jarbas
Passarinho e o general Lira Tavares. Em abril de 1967, o presidente Castelo
Branco assina o decreto de doação do Pavilhão Inglês, mas uma cláusula impedia
qualquer modificação no edifício.
Em agosto de 1969, o presidente Costa e Silva adoece e
assume o comando do país uma junta militar, liderada por Lira Tavares. Morre o
acadêmico Múcio Leão. Em 30 de dezembro daquele ano, Lira Tavares se candidata
à vaga de Múcio Leão, e vence o poeta alagoano Lêdo Ivo. Em 2 de junho de
1970, Lira Tavares toma posse ABL. Em setembro de 1970, o presidente Garrastazu
Médici derruba o impedimento de demolição do Pavilhão Inglês, em resolução
aprovada pelo Congresso Nacional, em 3 de dezembro daquele ano.
Em 1974, Austregésilo de Athayde se encontra com o
presidente Ernest Geisel, que lhe dá sinal verde para pedir um empréstimo na
Caixa Econômica Federal. O empréstimo sai em 15 de maio do ano seguinte. Em 16
de junho, falecia o acadêmico Ivan Lins. O ex-presidente Juscelino Kubitscheck
se candidata à vaga, mas os militares não queriam Juscelino na academia. Outro
candidato era o escritor baiano Bernardo Élis, que, assim como Juscelino, fora
punido pela Revolução de 1964. Mas o que os militares não queriam na academia
era Juscelino, que perdeu para Bernardo Élis.
Em 1975, começam as obras do Edifício Centro Cultural do
Brasil, o Palácio Austregésilo de Athayde, projetado pelo arquiteto carioca Maurício
Roberto Doria Baptista (1921-1996), formado pela Escola Nacional de Belas Artes
(1939-1944). Construído pela Ecisa Engenharia e inaugurado em 1979, o Palácio
Austregésilo de Athayde é uma torre de 115 metros, 30 andares, 12 elevadores
sociais, ar-condicionado central, 112 vagas de estacionamento, garagem com
manobrista, salas de auditório com capacidade de 288 pessoas e brigada de
incêndio 24 horas. A ABL ocupa somente algumas das dependências do edifício,
que é sede de empresas nacionais e multinacionais.
Pronto, a ABL nunca mais precisou andar com pires na mãe nos
gabinetes de presidente da República, governadores e prefeitos do Rio de
Janeiro, e inclusive paga mensalmente aos acadêmicos uma grana que dá para
bancar aluguel de um pequeno apartamento, comer e andar durante o mês no Rio.
É nisso que Fernando Canto tem que focar. Ainda gastará
muito solado de sapato e tomará incontáveis chás de cadeira, mas acabará
surgindo um empresário, um bilionário (há, no Amapá?), ou um Juscelino Kubitschek
amapaense, que compreenda que a Academia Amapaense de Letras é a guardiã da
cultura, da identidade amapaense.
Quanto a mim, tornei-me o primeiro sócio correspondente da
AAL, pois moro em Brasília. Os acadêmicos, por unanimidade, reconheceram meu
trabalho como escritor e me diplomaram, em cadeira patroneada pelo poeta e cronista
Isnard Brandão Lima Filho, pai da minha geração de escritores. Comecei a
frequentar a casa dele, na Rua Mário Cruz, em 1968. Ele tinha 27 anos e acabara
de publicar ROSAS PARA A MADRUGADA; eu tinha 14 anos.
No prefácio que ele escreveu para XARDA MISTURADA, de Joy
Edson (José Edson dos Santos), José Montoril e eu, diz: “Minhas mãos tocaram
pérolas e lentejoulas, testaram rubis e palparam diamantes, e meu olhar cigano
acendeu de alegria...”
Tu é que jorraste tudo isso no meu coração, poeta, pelo que
sou grato para sempre. Recebi de ti esse veio maravilhoso e ainda tive o
reforço do nosso amigo Edevaldo Leal (jornalista e cronista), que me ensinou a
lapidar os diamantes e rubis da Quinta Azul, onde “só podem entrar aqueles que
trouxeram, ao nascer, a clara marca dos pequenos deuses”.
Recebes, Isnard, minhas Rosas
Para a Madrugada:
Por que escreves? – pergunta-me o jornalista
– Para viver – respondo
Pois só com as palavras desnudo a luz
E voo até o fim do mundo
Por isso, escrevo granadas intensas como buracos negros
E garimpo o verbo como o primeiro beijo
Escrevo porque escrever traz aos meus sentidos
Cheiro de maresia
Dom Pérignon, safra de 1954
O labirinto do púbis no abismo do acme
Mulher nua como rosa vermelha desabrochando
Do livro DE TÃO AZUL SANGRA