quinta-feira, 29 de junho de 2023

Leia, enquanto é tempo, O CLUBE DOS ONIPOTENTES, de RAY CUNHA, escritor de Macapá/AP, a Cidade do Meio do Mundo

O jornalista José Maria Trindade, da Jovem Pan, lê O CLUBE
DOS ONIPOTENTES
, romance ensaístico de RAY CUNHA

Todo mundo sabe como escritores cariocas, paulistas, mineiros etc. estão vendo o atual cenário político brasileiro! Mas como um escritor amazônida, natural de Macapá, a Cidade do Meio do Mundo, capital do estado do Amapá, na Amazônia atlântica, vê e analisa essa questão? Se você quer saber o ponto de vista de um escritor amapaense sobre o cenário político atual leia O CLUBE DOS ONIPOTENTES, romance ensaístico, com personagens de ficção e reais, vivas e mortas, de RAY CUNHA!

O CLUBE DOS ONIPOTENTES pode ser adquirido no Clube de Autores

Na amazon.com.br

E na amazon.com

sábado, 24 de junho de 2023

Academia de Letras do Amapá terá sede própria

Os acadêmicos zelam pela cultura, a identidade dos amapaenses
O Rio Oiapoque une o Amapá à Guiana Francesa

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 24 DE JUNHO DE 2023 – Há duas estrelas posicionadas mais à esquerda na Bandeira Nacional, quase no mesmo alinhamento: Procyon, da Constelação do Cão Menor, que representa o Amazonas, no alto, e, abaixo, Mirzam, da Constelação do Cão Maior, que representa o Amapá. Daí que é fácil encontrar o Amapá na constelação da Bandeira Nacional, assim como é fácil encontrar o próprio estado do Amapá no mapa. 

Delimitado da Guiana Francesa pelo Rio Oiapoque, a noroeste, o quadrilátero setentrional é atravessado pela cordilheira do Tumucumaque até debruçar-se sobre o maior rio do planeta, o Amazonas, ao sul, Rio Jari a sudoeste, e, a leste, há o azul do Atlântico. 

Pois bem, Mirzam começou a cintilar mais no Pavilhão, já que a Academia Amapaense de Letras (AAL), guardiã da língua portuguesa e da literatura e cultura, ou identidade amapaense, comemorou, em grande estilo, nesse 21 de junho, 70 anos, legitimando-se, por sua história, tradição e reconhecimento por parte da sociedade, como o órgão máximo da cultura do povo amapaense. 

De mesma forma que os cariocas defenderam o Rio de Janeiro da França Antártica, os amapaenses defenderam o Amapá da França, até, de comum acordo, Brasil e França colocarem o Rio Oiapoque entre as duas nações, mais como símbolo de amizade do que de separação, e, hoje, Amapá e Guiana Francesa são irmãos, tanto que há a ideia de se publicar um livro bilingue reunindo trabalhos de contistas amapaenses e guianenses, a ser lançado em Macapá, Brasília, Caiene e Paris. 

Os três dias de comemorações do aniversário da AAL foram extraordinários, com a presença dos três poderes e o compromisso de que a Academia terá sua sede própria já no próximo ano. Aliás, abordei esse assunto na palestra que apresentei antes de autografar o romance JAMBU, por ocasião dos festejos. 

A Academia Amapaense de Letras foi fundada por escritores pioneiros do então Território Federal do Amapá, em 21 de junho de 1953. O dia e mês são do aniversário de Machado de Assis, um dos fundadores e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), que também não tinha sede nos seus primeiros anos. 

Mas o caso da AAL foi pior. Sua primeira diretoria tomou posse no dia 5 de julho de 1953. Os acadêmicos chegaram a reunir-se ao longo de cinco anos e, durante três décadas, permaneceram de portas fechadas, para reabri-las somente em agosto de 1988. Em 1 de dezembro do ano passado, tomou posse a diretoria atual, comandada por um dos intelectuais mais lúcidos do Amapá, o doutor em sociologia, mestre em desenvolvimento regional, ensaísta e ficcionista Fernando Canto. 

Como disse, a ABL começou de forma semelhante à AAL. Fundada em 20 de julho de 1897, as reuniões da ABL eram realizadas nas dependências do antigo Ginásio Nacional, no Salão Nobre do Ministério do Interior, no salão do Real Gabinete Português de Leitura e no escritório de advocacia do primeiro secretário, Rodrigo Octávio, na Rua da Quitanda 47. 

A partir de 1904, as reuniões passaram a acontecer no Silogeu Brasileiro, um prédio público que abrigava outras instituições culturais, até 1923, quando o governo francês doou à academia o prédio do Pavilhão Francês na Exposição do Centenário da Independência do Brasil, na Avenida Presidente Wilson 203, uma réplica do Petit Trianon de Versalhes, projetado pelo arquiteto Ange-Jacques Gabriel, entre 1762 e 1768. 

Em 1959, assumiu a presidência do silogeu Austregésilo de Athayde, durante 34 anos consecutivos, até 1993. Austregésilo conseguiu com o então presidente Juscelino Kubitscheck o terreno do Pavilhão Inglês na Exposição Internacional comemorativa do Centenário da Independência do Brasil, na Avenida Presidente Wilson 231, ao lado do Petit Trianon de Versalhes. 

Austregésilo fez uma permuta com a Ecisa Engenharia e em 20 de julho de 1975 começou a construção do Edifício Centro Cultural do Brasil, ou Palácio Austregésilo de Athayde, um arranha-céu de 30 andares, 115 metros de altura, projetado pelo arquiteto Mauricio Roberto. O edifício foi inaugurado quatro anos depois, em 1979. 

Parte do Palácio Austregésilo de Athayde ficou com a Ecisa e parte é utilizada para as atividades culturais da ABL e também alugada para várias empresas. É daí que vem a renda da academia. Hoje, além de ter sede própria, e que sede!, os acadêmicos ainda ganham jetons. 

Na Academia Amapaense de Letras os acadêmicos pagam mensalidade. Mas no próximo ano já deverão se reunir em sede própria. Se for um prédio com vários conjuntos de salas, poderão alugar parte delas. Se for um terreno grande, poderão firmar contrato com uma construtora e incorporadora e construir uma torre, como fizeram os acadêmicos da congênere brasileira. 

O que a Academia Amapaense de Letras pode fazer pela cultura do Amapá é um mundo de coisas. Pode fomentar a cadeira de Literatura Amapaense da Universidade Federal do Amapá (Unifap); promover palestras, conferências e seminários na universidade, faculdades e no ensino médio; pode se empenhar por verba para a publicação de escritores do cânone literário amapaense, livros importantes para estudantes e pesquisadores, distribuídos para bibliotecas de todo o país; pode criar uma premiação simbólica anual a escritores amapaenses, vivos ou mortos, pelo conjunto de sua obra etc. etc. etc.

Esse é o zelo que os acadêmicos podem ter pela cultura do povo amapaense, pois é com essa invenção, a escrita, a mais extraordinária da raça humana, que os escritores registram e arquivam a história e a cultura da humanidade, e os acadêmicos do Amapá zelam pela identidade do povo amapaense.

Ray Cunha em palestra sobre o romance ensaístico 
JAMBU e o aniversário da Academia Amapaense de Letras
Ray Cunha autografa JAMBU para o vice-presidente da AAL, Paulo
Guerra
, e o diretor do Memorial Amapá, jornalista Walter Junior


domingo, 18 de junho de 2023

Abismo Azul

Ray Cunha e DE TÃO AZUL SANGRA, na edição do Clube de Autores


RAY CUNHA


Sinto cheiro de mulher nua

Ostra com Antarctica enevoada, em julho, às 9 horas

No ar saturado de mulheres lindíssimas e suadas, em Salinas

 

Tu precisas me lamber com teus olhos verdes como lápis-lazúli

Para eu sentir o acme

Precisas apenas sorrir e tocar nos meus finos lábios

Para que eu morra como as rosas, que não morrem nunca

Porque são imortais na sua explosiva beleza

 

Imobilizo minha amante pelos cabelos

Beijo-a na boca, faço-a gritar de prazer

Ela é a própria noite

Café noturno, cheio de mulheres misteriosas de tão lindas

Que dizem oi quando passo

 

O cheiro de púbis ruivo

Inunda meu olfato, meu paladar, meu cérebro.

Degusto Antarctica, com Jorge Tufic, em Manaus, no Nathalia

Lambo o rosto da Tharcilla

Beijo os lábios carnudos e mordo o pescoço da Mara

 

Como fez Isnard Brandão Lima Filho, oferto rosas para a madrugada

Ao extrair gemidos da mulher amada, percorrendo sua pele de jambo

E sonho com leões caminhando na praia, ao amanhecer

 

Igual Picasso, com seus olhos negros, nonagenários

Sou como pássaro que nunca envelhece

Nasci com asas invisíveis

Que se equilibram no éter, como avião de caça

Riscando um golpe vermelho no azul

sábado, 17 de junho de 2023

A mulher amapaense na ficção de Ray Cunha

Ray Cunha e a acrílica em tela TUIUIÚ CRUCIFICADO, de Olivar Cunha

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 17 DE JUNHO DE 2023 – Uma das personagens femininas mais fascinantes que eu já criei é Danielle Silvestre Castro, heroína de JAMBU (Clube de Autores, 190 páginas, 50 reais), romance ensaístico que estarei autografando em Macapá, nesta terça-feira 20, a partir das 18 horas, no Auditório do Senac, na Avenida Henrique Galúcio 1999, Centro, como parte das comemorações dos 70 anos da Academia Amapaense de Letras (AAL), fundada em 21 de junho de 1953. 

Macapaense, cafuza de pele cor de jambo maduro, ruiva e de olhos verdes, Danielle é chefe de cozinha, oceanógrafa e perita em artes marciais. Ela e seu marido, o jornalista, arqueólogo e oceanógrafo João do Bailique, taxidermista do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa), localizado no campus do quilômetro 10 da Rodovia Juscelino Kubitscheck, estão à caça do traficante de crianças e grude de gurijuba Jules Adolphe Lunier, enquanto ele produz uma edição especial sobre a Questão Amazônica da revista Trópico Úmido e ela realizava o Festival de Gastronomia do Pará e Amapá. 

Esta é a sinopse do romance que estarei autografando. Danielle e João do Bailique cruzam com várias personalidades reais, vivas e mortas, como a cofundadora da Academia Amapaense de Letras, a pianista Walkíria Lima, mãe do poeta, também acadêmico, Isnard Brandão Lima Filho; o genial pintor Olivar Cunha; a famosa cantora lírica paraense Carmen Monarcha; o escritor, espião brasileiro em Moscou durante a Guerra Fria, Jorge Bessa, entre muitos outros. 

Reservei um pequeno trecho de JAMBU com Danielle em ação: 

“Um dos peixes mais apreciados da costa do Amapá é a gurijuba; menos pela sua carne e mais pelo grude. A vila do Sucuriju, distrito do município de Amapá, localiza-se no Cabo Norte, à margem direita do rio homônimo, próximo à foz dele, no litoral, distante 220 quilômetros de Macapá. O Sucuriju está à mercê das grandes marés do Atlântico e é completamente percorrido pela pororoca, quando, nas marés cheias, o mar avança nos rios, em ondas de até cinco metros de altura, levando tudo o que encontra pela frente e arrancando árvores do barranco das margens, logo substituídas por filhotes em disputa pelo sol. 

“A vila é toda de palafitas e as ruas são passarelas de madeira. O rio é salobro, por isso os moradores estocam água da chuva para beber. Durante o inverno, as caixas d'água coletivas são abastecidas e na estiagem cada um recebe 30 litros de água por semana. Os habitantes da vila, algumas centenas de famílias, vivem da pesca, principalmente de gurijuba, que desova nas águas mornas dos manguezais, entre a foz do Rio Araguari e a do Rio Cunani, e é pescada do arquipélago do Bailique até o limite com a Guiana Francesa. 

“O povoado surgiu no início do século XX. A partir de uma promessa feita à Nossa Senhora de Nazaré, uma cobra grande abriu a embocadura do Rio Sucuriju, fato celebrado na festa da padroeira, com missas, jogos e bailes. Até a década de 1920, apenas pescadores, sobretudo do arquipélago do Bailique e do lago do Piratuba, andavam por ali, acampavam, dando início ao povoamento, acossado pelo mar e pela Reserva Biológica do Lago Piratuba, região de manguezais e campos alagados, onde vive o pirarucu, capturado com arpão ligado à canoa por uma linha. 

“Como a água dos lagos é escura, os pescadores aguardam as borbulhas que antecedem o pirarucu ao emergir para respirar. Já na pesca da gurijuba, ou bagre do mar, é utilizado o espinhel – centenas de anzóis conectados a uma linha de cerca de dois quilômetros, firmada em âncoras e boias. A bexiga natatória da gurijuba é conhecida como grude, matéria prima no fabrico de cola de precisão, medicamentos, cosméticos e bebidas. Os chineses pagam os melhores preços pelo grude, que apreciam na culinária. Esse peixe é tão procurado que corre o risco de ser extinto. 

“A bexiga natatória é extraída, secada, durante três a quatro dias, ao sol ou na estufa, e vendida, principalmente para China, Japão, Europa e Estados Unidos. Muito parecida com o bagre de água doce, de cabeça grande, barbatanas e um corpo relativamente curto e amarelado, a gurijuba chega a 20 quilos, mas sua carne não é muito apreciada entre os cabocos, embora a cabeça do animal renda um caldo saboroso e nutritivo. O quilo da carne do peixe custa em torno de meio dólar. Mas o grude contém substâncias que, beneficiadas, produzem uma cola de alto teor de adesão, usada na indústria espacial e em cirurgias de alta precisão, pois o corpo humano não a rejeita. 

“Pescadores de Sucuriju, Bailique, Calçoene e Oiapoque vendem o grude para atravessadores em torno de 5 dólares o quilo, revendido por cerca de 20 dólares no Pará e Maranhão, e alcançando 75 dólares no exterior. A exportação de grude chega a mais de 200 toneladas por ano pelos portos do Pará e do Amapá. Os pescadores de Sucuriju vinham entregando o quilo do grude por até 2 dólares, mas quando Danielle criou a cooperativa todo mundo passou a receber 37,5 dólares pelo quilo do grude, causando grande prejuízo aos atravessadores. E isso só foi possível graças aos contatos internacionais de Danielle, especialmente em Hong Kong. 

“O caldeirão vaporizava-se ao sol da tarde, provocando alucinações, quando Danielle avistou o assassino, ao sair de casa para retornar ao Catalina, fundeado no rio Sucuriju; ele avançava na estiva, a uns cem metros de distância da palafita, o rosto coberto por um saco de tarlatana creme, óculos escuros e chapéu de feltro marrom, segurando na mão esquerda, que deu para ver que era branca e peluda, uma pistola com silenciador. Instintivamente, Danielle retornou à casa e correu para a cozinha, pegou uma peixeira, esgueirou-se para o quintal e internou-se na vegetação. 

“Desde que começara a correr ouvira três cusparadas; o chumbo da última passara tão rente ao seu ouvido esquerdo que sentiu uma pontada nos rins. Sabia que era seguida perigosamente de perto e procurava distanciar-se do perseguidor, a fim de surpreendê-lo. Normalmente alagado, o chão apresentava-se quase seco naquela baixa-mar de 30 de junho, facilitando o avanço da mulher, que trajava calças jeans e botas. Atingiu uma pequena clareira e viu um ponto mais elevado, onde emergia majestoso taperebazeiro. Alcançou-o e se posicionou ali. 

“Se o homem parasse no meio da clareira não erraria a peixeira na garganta dele. Era exímia atiradora de faca. Aguardou. Pelo jeito o fantasma estava planejando o mesmo que ela. Então começou a se mover num grande círculo, até alcançar a cooperativa, uma hora depois. A aparição sumira em uma lancha há uma hora, precisamente. Não, ninguém se aproximou do Catalina, afirmou o caboco que ficara de vigia. Quem teria interesse em matá-la? Ou assustá-la?

“Tu não perdes por esperar” – pensou Danielle.

O romance JAMBU será autografado nesta terça-feira em Macapá

quinta-feira, 15 de junho de 2023

O romance JAMBU, que será lançado em Macapá nesta terça 20, desperta perfume de jasmineiros chorando, na memória do coração

Ray Cunha na lente do artista plástico André Cerino, em um momento
de descontração no ateliê do pintor, em Brasília, em dezembro de 2013

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 15 DE JUNHO DE 2023 – Macapá, a capital do Amapá, é uma cidade ribeirinha da Amazônia atlântica, na margem esquerda do estuário do maior rio do planeta, o Amazonas. Seccionada pela Linha Imaginária do Equador, os turistas ficam passando de um hemisfério para o outro. Nasci na Maternidade do Hospital Geral, na Avenida FAB, em 7 de agosto de 1954, e fui para casa, pertinho, na Rua Iracema Carvão Nunes com a Eliezer Levy, ao lado do Colégio Amapaense. Na época, só havia uma banda do colégio, e a casa onde eu morava era remanescente do antigo Aeroporto de Macapá, que ficava na hoje Avenida FAB. 

Tinha 13 anos quando escrevi meu primeiro poema, que eu perdi. Foi para a Alcinéa Maria Cavalcante, a poeta que povoou o imaginário da minha geração. Aos 14, eu já bebia como adulto e frequentava a casa do pai da minha geração de escritores, o poeta e cronista Isnard Brandão Lima Filho, que vivia sempre cheia de artistas. Sua mãe, a pianista Walkíria Lima, nos recebia com amor. Bebíamos e fumávamos muito, e conversávamos sobre literatura, artes plásticas, música. O Isnard era bem informado e culto. Se fosse para o Rio de Janeiro, como costumam fazer artistas talentosos de todo o país, certamente seria, hoje, um poeta conhecido nacionalmente. 

Quando o Olivar Cunha, meu irmão, expôs sua primeira individual de pintura, aos 16 anos de idade, na Associação Comercial e Industrial do Amapá, na Rua General Rondon com a Avenida FAB, foi uma farra. R. Peixe, Alcy Araújo, Isnard, o cronista Edevaldo Leal, o poeta Galego, Binga Monteiro, todo mundo caía lá, e a bebida rolava até de madrugada. 

Eu curti muito a noite macapaense. Até hoje seu cheiro impregna a memória do meu coração. Tinha cheiro de jasmineiros chorando e das jovens da minha adolescência, eternamente lindas, pois todos os jovens são imortais. Em dezembro de 1971, Joy Edson (José Edson dos Santos), José Montoril e eu, todos com 17 anos, lançamos, também na Associação Comercial, XARDA MISTURADA, um livrinho de poemas sem consequência, mas que foi nosso batismo de fogo, como disse Isnard. 

No ano seguinte, ainda com 17 anos, e eu não tinha nem carteira de identidade, peguei o rio e depois a estrada, virei beatnik. Até então Macapá era minha pátria. Fui de barco para Belém e de lá para o Rio de Janeiro, e depois continuei andando por aí, e isso durou dez anos. Hoje, moro em Brasília. Mas são minhas raízes de caboco da Amazônia que iluminam, como um farol, o mar da minha vida, nos momentos de tempestade, à noite. 

Nós, escritores, recriamos, às vezes, as cidades que conhecemos melhor, pois não é possível conhecer inteiramente uma cidade. É que as cidades são como mulheres, um labirinto de mistério. De modo que, aqui e ali, recrio alguma coisa de Macapá nos meus romances, ou contos. Em A CASA AMARELA, por exemplo, o Trapiche Elizer Levy, o Macapá Hotel, os bailes na Piscina Territorial, estão todos lá. 

Também recrio Macapá no romance JAMBU (Clube de Autores, 190 páginas, 50 reais), que será lançado em Macapá, nesta terça-feira 20, a partir das 18 horas, no Auditório do Senac, na Avenida Henrique Galúcio 1999, Centro, como parte das comemorações dos 70 anos da Academia Amapaense de Letras (AAL), fundada em 21 de junho de 1953. 

Selecionei duas passagens de JAMBU em que recrio Macapá. A primeira é do Trapiche Eliezer Levy, que transportei para o Canal do Jandiá, no Pacoval: “De madrugada, o píer, de 472 metros, ladeado por embarcações, ao ritmo da maré cheia, lembrava uma avenida nascendo na escuridão do Rio Amazonas, até a marina do Lago do Pacoval, no Canal do Jandiá. 

“O Hotel Caranã emergia de dentro do bosque, na faixa de terra entre a marina e a Rodovia Pacoval, como um ninho de cupim de sete pavimentos, numa simbiose com a floresta, prova de que a tecnologia pode conviver harmoniosamente com a vegetação, sem feri-la, mas unindo-se a ela e passando a fazer parte daquele ecossistema, ajudando-o a defender-se do inchaço da favela que se espraiava desordenadamente nas cercanias. Sentia-se o tumor latejando na margem da BR-156, a população avançando em a natureza, sem contar com nenhum metro de galeria de esgoto, nem de águas pluviais. 

“Assim, o hotel era a garantia de que o bosque que o rodeava não seria torado e transformado em carvão, e de que da terra nua não vicejaria um desses conjuntos residenciais de casinhas populares nascidos da corrupção, sem infraestrutura básica, sem sequer um arbusto remanescente em sinal de arborização. 

“Macapá, a mais emblemática cidade da Amazônia, era uma miragem que vai se materializando na medida em que o sol de julho começa a se levantar do outro lado do Canal do Norte, na cabeceira da Linha Imaginária do Equador, gigantesca bola de rubi transmutando-se em ouro, materializando-se igual mulher que emerge do mergulho, respingando água. Seu nome vem do tupi, “macapaba”, “lugar de muitas bacabeiras”, palmeira nativa da região, de fruto, a bacaba, gerador de suco delicioso, quase tanto quanto açaí, este, de grande significado para os amapaenses, que já foram paraenses, pois o estado do Amapá é um naco do estado do Grão-Pará, e os parauaras são os mais ávidos tomadores de açaí da face da Terra”. 

Também modifiquei o famoso Gato Azul, na Rua São José com a Avenida Presidente Vargas: “Fechado por vidraças que permitiam visão apenas de dentro para fora, com temperatura ambiente de 21 graus e variedade internacional de bebidas, o bar constituía-se no melhor refúgio da cidade. 

“Era possível encontrar nas suas confortáveis cadeiras de palinha e poltronas, de senador da República a contrabandistas e traficantes. Jornalista, então, dava no meio da canela. João do Bailique gostava de passar por lá geralmente naquele momento de transição entre a tarde e a noite, procurava a extremidade sul do balcão e pedia diretamente ao barman, Antônio, um “espilantol”. 

“Era como denominava o daiquiri, coquetel cubano feito com rum, suco de lima, açúcar ou xarope e gelo picado, agitados na coqueteleira e servido em um copo grande; o de Bailique lembrava um pouco o Daiquiri Hemingway, ou Papa Doble, criado no Bar Floridita, em Havana, Cuba, especialmente para o escritor americano Ernest Hemingway, que morou em Havana boa parte de sua vida; Papa era diabético e seu daiquiri não continha açúcar, e era servido com o dobro de rum, Bacardi. 

“Além disso, o de Bailique era com suco de limão. Antônio lhe estendeu a bebida e o jornalista deu o primeiro gole, e veio-lhe a velha sensação que lhe despertava o tacacá da Esmeralda, naquele momento em que a tarde morre, anestesiando o calor, perfume de jasmineiros se insinuando, e um remoto som de merengue. 

“Bebeu mais um gole. A edição de agosto da Trópico Úmido já estava praticamente editada. Bailique vinha trabalhando, intensamente, na matéria da Operação Prato, que começara a tomar corpo após longas conversas com Danielle, intensa pesquisa e uma entrevista com o escritor Jorge Bessa. 

“Estava investigando ângulos da Operação Prato que não foram abordados pela mídia: Existem mesmo ETs? Se existem, quem são, de onde vêm? Por que se interessariam pela Amazônia? Estariam os ETs emitindo sinais de que a Amazônia está guardada para um fim maior?

“Sabe-se que o Brasil é visto nos meios exotéricos como o país mais avançado em termos espirituais: abriga todas as grandes religiões do planeta, além das dos índios e as africanas; e é um cadinho étnico. E a Amazônia, a maior floresta tropical do globo, a maior diversidade biológica da Terra, a maior província mineral do planeta, é a última fronteira, ambicionada por todos e sugada até o osso pelos governos que se sucedem em Brasília”.

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Heroína do romance JAMBU é cafuza, cor de jambo, ruiva, de olhos verdes e adora tacacá

O romance JAMBU, ambientado em Macapá, é um mergulho
na culinária mais saborosa do planeta: a paraense. Na
foto, camarões e jambu flutuam em uma cuia de tacacá

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 14 DE JUNHO DE 2023 – Uma das personagens femininas mais sensuais das que criei é a chefe de cozinha e oceanógrafa Danielle Silvestre Castro, “a cafuza mais estonteante do planeta”, como lhe diz o jornalista João do Bailique, seu marido. Ela é a protagonista do romance JAMBU (Clube de Autores, 190 páginas, 50 reais), que lançarei em Macapá, nesta terça-feira 20, a partir das 18 horas, no Senac, na Avenida Henrique Galúcio 1999, Centro, como parte das comemorações dos 70 anos da Academia Amapaense de Letras (AAL), fundada em 21 de junho de 1953. 

Da cor de jambo bem maduro, entre o tom de canela e rosa vermelha, cabelos ruivos e olhos verdes, é neta de holandês e de índia por parte de mãe e de português e negra, por parte de pai.

Sua mãe, a mameluca Danielle Galibi Silvestre, era filha de um holandês anônimo do Suriname e de uma índia Galibi da Guiana Francesa, e seu pai, o mulato João Paulo de Souza e Castro, descendia de escravos usados na construção da Fortaleza São José de Macapá e que fugiram para o quilombo do Ambé, próximo ao rio Pedreira, em terras do município de Macapá; filho da negra Maria Justo Souza e do aventureiro e empreendedor lisboeta Waldemiro Cunha e Castro, que, ao chegar a Macapá, casou-se com Maria Justo Souza e juntos encontraram um veio de ouro nas imediações do morro do Salamangone, na Serra Lombarda, município de Calçoene, dando início ao Grupo Fortaleza, que João Souza e Castro herdou e ampliou, sediado agora em Belém.

Seus avós se mudaram de Calçoene para Macapá levando consigo o conceito do restaurante Cachoeira do Firmino, que fundaram em Calçoene. Graduada em Nutrição e Oceanografia, ambos os cursos pela Universidade Federal do Pará (UFPa), e chefe de cozinha com passagens pelo antigo Hilton Belém e Tropical Hotel Manaus, Danielle Silvestre e Castro era herdeira do bilionário Grupo empresarial Fortaleza, integrado por um estaleiro em Santana, na zona metropolitana de Macapá; uma frota de três navios de passageiros navegando nas linhas Santana-Belém, Santana-Caiena e Belém-Santarém-Manaus, e um de carga, na linha Santana-Belém-Santarém-Manaus-Porto Velho, além de moderníssimo barco de pesca nas costas do Amapá; uma empresa regional de transportes aéreos, baseada no Aeroporto de Macapá, com um jatinho, um avião anfíbio tipo Catalina, três monomotores e um helicóptero; exportação de açaí, piramutaba e grude de gurijuba, empresa sediada em Belém; uma fazenda na ilha de Marajó, com mais de 6 mil búfalos; mil búfalos no Palma, no município de Macapá, à margem da BR-156, e o Hotel Caranã, porta do Grupo Fortaleza para a Europa, via Caiena.

Isso dava suporte ao trabalho social que Danielle realizava: o hotel era o paraíso para estagiários das universidades federais de toda a Amazônia, nas áreas de culinária, turismo, oceanografia e história e literatura da Amazônia; o programa de treinamento e emprego para jovens carentes; o sistema de coleta de alimentos para o Lar dos Velhinhos; a distribuição de sopa e caldo de abóbora no início da noite na rodoviária da cidade; o programa de transporte gratuito de passageiros pré-selecionados abarcando toda a Amazônia; e o Festival de Gastronomia do Pará e Amapá, os dois estados que integram a Amazônia oriental, ou atlântica.

Naquele verão, completara 45 anos de idade; sentia-se no apogeu mental e físico. Com 1,65 metro de altura, mantinha-se há anos em torno dos 64 quilos de peso, sua pele lembrava jambo-rosa, tinha os olhos prenhes de clorofila, lábios grandes, nariz arrebitado, os cabelos desciam-lhe em nuanças naturais entre o negro e o vermelho, como arbusto, até as ancas africanas. Seu hobby eram a pesca em alto mar, a culinária paraense e o Tao, a que se dedicara durante os três anos em que vivera em Hong Kong, estudando Medicina Tradicional Chinesa e O Tao do Jeet Kune Do, de Bruce Lee. 

Quem sabe o fotógrafo Floriano Lima encontre e fotografe Danielle tomando tacacá, ou um pintor de Macapá ou de Belém leia o livro, a recrie e envie para mim uma foto em alta resolução para a capa de uma nova edição de JAMBU. 

Fico imaginando. Danielle daria um quadro sensacional. Uma cafuza ruiva, de olhos verdes, tomando tacacá, em tamanho natural. É tela vendida. E no caso do Floriano, quadro vendido. A propósito, quando Macapá verá uma mostra ensaística de Floriano?

Ray Cunha lança o romance ensaístico JAMBU nesta terça-feira em Macapá em comemoração aos 70 anos da Academia Amapaense de Letras

O autor na sua biblioteca, no bairro do Sudoeste, em Brasília, onde mora

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 14 DE JUNHO DE 2023 – Estarei autografando o romance ensaístico JAMBU (Clube de Autores, 190 páginas, 50 reais), em Macapá, nesta terça-feira 20, a partir das 18 horas, no Senac, na Avenida Henrique Galúcio 1999, Centro, como parte das comemorações dos 70 anos da Academia Amapaense de Letras (AAL), fundada em 21 de junho de 1953.

Sinopse de JAMBU: É julho, mês de férias de verão na Amazônia. No monumental Hotel Caranã, no bairro do Pacoval, em Macapá, acontece o Festival de Gastronomia do Pará e Amapá, revelando para o mundo a cozinha mais saborosa do planeta. O evento é promovido pela chefe de cozinha e oceanógrafa Danielle Silvestre Castro, dona do Hotel Caranã, esposa do oceanógrafo, arqueólogo, taxidermista e jornalista João do Bailique, editor da revista Trópico Úmido, que trabalha em uma edição especial sobre a Hileia, e ambos investigam o tráfico de crianças e mulheres para escravidão sexual e estão à caça do traficante de crianças e de grude de gurijuba Jules Adolphe Lunier.

Em JAMBU, personagens de ficção se misturam a pessoas reais, vivas e mortas, como o pintor amapaense Olivar Cunha, que decora o cenário do Festival de Gastronomia do Pará e Amapá; o compositor paraense Waldemar Henrique; o filósofo japonês Masaharu Taniguchi; o escritor, astrofísico e médium Laércio Fonseca; o escritor, psicanalista e acupunturista Jorge Bessa; os jornalistas Walmir Botelho e Carlos Mendes; a cantora lírica Carmen Monarcha; a pianista Walkíria Ferreira Lima, cofundadora da Academia Amapaense de Letras, e seu filho, o poeta Isnard Brandão Lima Filho, também acadêmico.

Como cenário, JAMBU deixa Macapá, e a Amazônia, nuinhas, em pelo, mesmo, como se diz. Macapá é uma das cidades mais emblemáticas da Amazônia. Encravada na beira do maior rio do planeta, o Amazonas, a Fortaleza de São José de Macapá, maior forte colonial português, é a tradução perfeita da cidade, pois foi construída por escravos negros e índios, debaixo do látego do colonizador português.

Os portugueses cruzaram com africanos e geraram mulatos, e com os índios, formando uma população de mamelucos; os africanos fundaram os bairros do Curiaú e do Laguinho, misturaram-se com os índios e legaram cafuzos; e mulatos, cafuzos e mamelucos misturaram-se, fechando o círculo, numa diversidade étnica viva nas ruas de Macapá, nas nuanças de peles que vão do alabastro ao ébano, passando pelo bronze e jambo maduro, unidos pelo sotaque caboco: a fusão do português falado em Lisboa, doces palavras tupis, línguas africanas, patoá das Guianas, tudo triturado em corruptela.

Nesse cadinho étnico, o jambu é a erva que melhor sintetiza a Amazônia. Os amazônidas, sedados pelo sol equatorial, que, apesar dos 100% de umidade relativa do ar, esturrica tudo, e acossados pela grande floresta, microrganismos, insetos e animais peçonhentos, agem como as papilas gustativas entorpecidas por espilantol, presente no jambu, principalmente na sua flor: anestesiados, baixam a cabeça e se entregam aos seus carrascos, especialmente os políticos, que, independentemente de serem da própria terra, ou de fora, são inclementes como os antigos ibéricos. 

Os políticos uniram-se a um tipo de empresário escravocrata e que adora dinheiro, e passaram a gerir a senzala sem paredes, ampliando a Fortaleza de São José de Macapá a uma senzala amazônica. A Amazônia está sempre coalhada de colonos e aventureiros, tecnocratas de Brasília, políticos, narcotraficantes, sequiosos em negociar até a última árvore, a última pedra preciosa e todas as mulheres e crianças que puderem.

Nesse cenário, do suplício imposto pelos ibéricos, da morte decretada pelos microrganismos e o assalto e o desprezo perpetrado pelos políticos, os macapaenses se tornaram símbolo de um tempo antigo, mas persistente, de espanhóis e portugueses, os colonos, e índios, negros e cabocos, os colonizados; a tragédia que perpassa a Ibero-América, alicerçada pela crença de que os colonos são deuses e os colonizados, seres inferiores, que existem apenas para servir aos sangues-azuis.

Para os colonos, a Amazônia só serve para três fins: construção de hidrelétricas; extração de madeira e mineral; e reserva de caça, pesca e escravos, especialmente para a triste realidade de crianças e mulheres, que, diferentemente do mito das amazonas, são criaturas fracas, subjugadas, escravas compradas à base de comida, de uma boneca, de uma balinha.

É assim que JAMBU despe inteiramente a Amazônia. Todas as questões que vêm sendo discutidas em torno da grande floresta são dissecadas, inclusive a Operação Prato.

É nesse cenário que a Academia Amapaense de Letras se legitima como a instituição cultural mais importante do Estado, já que está nas mãos dos seus membros zelarem pela literatura – ensaística, de ficção e poética – que se produz no Setentrião, colocá-la à disposição dos estudantes e pesquisadores, e estimular a produção literária, pois é nos livros que a raça humana registra sua história, sua cultura, sua tecnologia, e avança no conhecimento filosófico e espiritual.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

Os 70 anos da Academia Amapaense de Letras serão comemorados com palestras e lançamento de livros dos escritores Leão Zagury e Ray Cunha

BRASÍLIA, 12 DE JUNHO DE 2023 – O Amapá comemora os 70 anos da Academia Amapaense de Letras (AAL), fundada em 21 de junho, com palestras e lançamento de livros dos escritores Leão Zagury e Ray Cunha, a partir das 18 horas de terça-feira 20, no auditório do Senac, na Avenida Henrique Galúcio 1999, Centro. 

Leão Zagury autografará o volume de memórias É Assim que Eu Conto (Editora Jaguatirica, 283 páginas), reminiscências de um garoto judeu em Macapá, a capital do Amapá, que tem a singularidade de se debruçar para o Canal do Norte do maior rio do mundo, o Amazonas, seccionada pela Linha Imaginária do Equador. 

– Minha trajetória foi marcada por uma sucessão de histórias que contei para amigos. Provoquei risos e lágrimas. Resolvi fazer parecer mentiras as verdades que vivi – diz Leão Zagury. 

Natural da vizinha Belém do Pará, Leão Zagury passou a infância em Macapá. Vive no Rio de Janeiro. Mestre em Endocrinologia, presidiu a Academia de Medicina do Rio de Janeiro e foi fundador e presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes. Autor de Diabetes sem Medo, O Menino e o Macaco Caco e O Jacaré que Comeu a Noite, conquistou o primeiro lugar no concurso de poemas e segundo no de contos da Academia Brasileira de Médicos Escritores, em 2016. 

Ray Cunha autografará o romance ensaístico JAMBU (Clube de Autores, 190 páginas, 50 reais). Para chegarem a tempo ao evento, os livros já foram despachados pelos Correios, em São Paulo, via Sedex, para Macapá, pela Editora Clube de Autores. 

A trama de JAMBU se desenrola durante o Festival de Gastronomia do Pará e Amapá, no monumental Hotel Caranã, no bairro do Pacoval, em Macapá. É julho, mês de férias de verão na Amazônia. Enquanto o Festival Gastronômico do Pará e Amapá revela ao mundo a cozinha mais saborosa do planeta, o oceanógrafo, arqueólogo, taxidermista e jornalista João do Bailique, editor da revista Trópico Úmido e que trabalha numa edição especial sobre a Hileia, juntamente com sua esposa, a chefe de cozinha e oceanógrafa Danielle Silvestre Castro, dona do Hotel Caranã, investiga também o tráfico de crianças e mulheres para escravidão sexual. Ambos estão à caça do traficante de crianças e de grude de gurijuba Jules Adolphe Lunier. 

Nos salões do Hotel Caranã são servidos pratos da mais saborosa culinária do planeta: a paraense. Personagens de ficção misturam-se a personagens reais, vivas e mortas, como o pintor amapaense Olivar Cunha, que decora o cenário do Festival de Gastronomia do Pará e Amapá; o compositor paraense Waldemar Henrique; o filósofo japonês Masaharu Taniguchi; o escritor, astrofísico e médium Laércio Fonseca; o escritor, psicanalista e acupunturista Jorge Bessa; os jornalistas Walmir Botelho e Carlos Mendes; a cantora lírica Carmen Monarcha; a pianista Walkíria Ferreira Lima, cofundadora da Academia Amapaense de Letras, e seu filho, o poeta Isnard Brandão Lima Filho, também acadêmico. 

Macapá é uma das cidades mais emblemáticas da Amazônia. Encravada na beira do Rio Amazonas, a Fortaleza de São José de Macapá, maior forte colonial português, é a tradução perfeita da cidade, pois foi construída por escravos – negros e índios –, debaixo do látego do colonizador português, o cadinho no qual se forjou a etnia macapaense. 

Os portugueses cruzaram com africanos e geraram mulatos, e fornicaram com os índios, formando uma população de mamelucos; os africanos fundaram os bairros do Curiaú e do Laguinho, misturaram-se com os índios e legaram cafuzos; e mulatos, cafuzos e mamelucos misturaram-se, fechando o círculo, numa diversidade étnica viva nas ruas de Macapá, nas nuanças de peles que vão do alabastro ao ébano, passando pelo bronze e jambo maduro, unidos pelo sotaque caboco: a fusão do português falado em Lisboa, doces palavras tupis, línguas africanas, patoá das Guianas, tudo triturado em corruptela. 

Nesse cadinho étnico, o jambu é a erva que melhor sintetiza a Amazônia. Os amazônidas, sedados pelo sol equatorial, que, apesar dos 100% de umidade relativa do ar, esturrica tudo, e acossados pela grande floresta, microrganismos, insetos e animais peçonhentos, agem como as papilas gustativas entorpecidas por espilantol, presente no jambu, principalmente na sua flor: anestesiados, baixam a cabeça e se entregam aos seus carrascos, especialmente os políticos, que, independentemente de serem da própria terra, ou de fora, são inclementes como os antigos ibéricos. 

Os políticos uniram-se a um tipo de empresário escravocrata e que adora dinheiro, e passaram a gerir a senzala sem paredes, ampliando a Fortaleza de São José de Macapá a ventre da besta. A Amazônia está sempre coalhada de colonos e aventureiros, tecnocratas de Brasília, políticos, narcotraficantes, sequiosos em negociar até a última árvore, a última pedra preciosa e todas as mulheres e crianças que puderem. 

Nesse cenário, do suplício imposto pelos ibéricos, da morte decretada pelos microrganismos e o assalto e o desprezo perpetrado pelos políticos, os macapaenses se tornaram símbolo de um tempo antigo, persistente, de espanhóis e portugueses, colonos e colonizados, o drama que perpassa a Ibero-América, a tragédia da Amazônia, alicerçado pela crença de que os colonos são deuses e os colonizados, seres inferiores, que existem para servir aos sangues-azuis. 

Para os colonos, a Amazônia só serve para três fins: construção de hidrelétricas; extração de madeira e mineral; e reserva de caça, pesca e escravos, especialmente para a triste realidade de crianças e mulheres, que, diferentemente do mito das amazonas, são criaturas fracas, subjugadas, escravas compradas à base de comida, de uma boneca, de uma balinha. 

Em JAMBU, a Amazônia fica literalmente nua. Todas as questões que vêm sendo discutidas em torno da grande floresta são dissecadas, inclusive à indagação cada vez mais frequente: a Amazônia é mesmo do Brasil?

É nesse cenário que a Academia Amapaense de Letras se legitima como a instituição cultural mais importante do Estado, já que está nas mãos dos seus membros zelar pela literatura, ensaística, de ficção e poética, que se produz no Setentrião, colocá-la à disposição dos estudantes e pesquisadores, e estimular a produção literária, pois é nos livros que a raça humana registra sua história, sua tecnologia e avança no seu conhecimento filosófico e espiritual.

domingo, 11 de junho de 2023

O Foro de São Paulo em Brasília, este mês, prenuncia Lula tropeçando em chão plano

O CLUBE DOS ONIPOTENTES com selo do Clube de Autores

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 11 DE JUNHO DE 2023 – O presidente Lula será o anfitrião do Foro de São Paulo em Brasília, de 29 de junho a 2 de julho, no Hotel San Marco, no Setor Hoteleiro Sul, quando receberá três ditadores da Ibero-América: Miguel Diaz-Canel, de Cuba; Daniel Ortega, da Nicarágua; e Nicolás Maduro, da Venezuela. O tema do encontro: “Integração regional para avançar a soberania latino-americana e caribenha”. O que significa dizer implementar mais governos comunistas na região. 

O Foro de São Paulo foi criado pelo ditador Fidel Castro. Em 2 de abril de 1989, o líder soviético Mikhail Gorbachev desembarcou em Havana e disse para Fidel Castro que a União Soviética não poderia mais pôr no seu bolso os bilhões de dólares que há décadas vinha pagando à Cuba para manter o enclave soviético nas costas dos Estados Unidos. A União Soviética agonizava, vítima do próprio comunismo. 

Fidel empalideceu, pois se acostumara a mamar, tornando-se, graças ao comunismo, um dos maiores playboys do mundo. E agora, como sustentar seu vidão, com sua máfia sediada em Cuba, a Disneylândia das esquerdas na América Latina? Fidel Castro não demoraria a descobrir: acobertado pela celebridade internacional do seu nome, como o revolucionário que desafiou os Estados Unidos, fez um pacto com traficantes de cocaína da Colômbia para que Cuba se tornasse o principal entreposto comercial da droga rumo aos Estados Unidos. 

Mas foi desmascarado pela Drug Enforcement Administration (DEA, órgão do Departamento de Justiça dos Estados Unidos responsável pelo controle e combate das drogas); vários cubanos detidos confessaram como o esquema operava. As investigações da DEA conduziram ao Cartel de Medellín e ao governo cubano. 

John Jairo Velásquez, o Popeye, homem de confiança tanto de Fidel como de Pablo Escobar no Cartel de Medellín, fez um relato minucioso sobre o envolvimento dos irmãos Castro com a droga de Pablo Escobar à jornalista Astrid Legarda, que escreveu o livro El Verdadero Pablo. Popeye assegura que Raúl Castro, irmão do ditador de Cuba e que o sucederia na chefia da ditadura cubana, era quem recebia os carregamentos de drogas, pois era então o comandante das Forças Armadas. Eram embarcados de 10 a 15 toneladas de droga em cada operação. 

O historiador britânico Richard Gott, em seu livro Cuba – Uma Nova História, confirma a razão que levou Fidel e Raúl Castro a se envolveram no tráfico de cocaína com Pablo Escobar e o Cartel de Medellín. Segundo ele, Cuba estava em crise por causa do afastamento da União Soviética. 

Assim, para se livrarem da prisão nos Estados Unidos, os irmãos Castro acusaram o general Arnaldo Ochoa – herói da revolução cubana e um dos militares mais condecorados da história do país, além de ser um dos grandes líderes militares de Cuba, e que temiam ameaçar o controle total dos cubanos – de ser o comandante das operações de narcotráfico com Pablo Escobar e condenado por “alta traição à pátria e à revolução”.

Desse modo, os irmãos Castro matavam dois coelhos com uma só cajadada: livravam Cuba de uma invasão americana e a prisão da dupla, e afastavam o general da sucessão de Fidel. Ochoa foi preso, em 1989, dois meses depois da visita de Gorbachev, sob a acusação de comandar as operações de tráfico de drogas do Cartel de Medellín, e foi fuzilado.

Mario Riva, ex-tenente-coronel do Exército cubano e que hoje vive em Portugal, afirma que Arnaldo Ochoa foi usado como bode expiatório, que Fidel aproveitou para se livrar dele devido às críticas que vinha fazendo ao regime. Arcou com o narcotráfico autorizado pelo regime possivelmente para salvar a vida de seus familiares. Riva disse ao jornal Diário de Notícias, de Portugal, em sua edição de 13 de julho de 2009, que Tony La Guardia, também executado, estava envolvido no tráfico. Tony: “Eu tinha conhecimento dos aviões que aterravam em Cuba vindos da América Central, mas Ochoa não”.

No livro El Magnífico — 20 Ans au Service Secret de Castro, Juan Vivés, ex-agente do serviço secreto cubano, afirma que Raúl Castro era o chefe do acordo com Pablo Escobar. Vivés revelou ainda que Raúl mantinha relações com narcotraficantes das Farc e que os sandinistas da Nicarágua também estavam envolvidos com o tráfico, por meio do capitão cubano Jorge Martínez, subalterno de Ochoa e contato entre Raúl Castro, o ex-presidente nicaraguense Daniel Ortega e Pablo Escobar.

Fidel Castro, “um homem dominado pela febre do poder absoluto e pelo desprezo ao povo cubano”, segundo o cubano Juan Reinaldo Sánchez, guarda-costas de Fidel por 17 anos, precisava pensar em novo meio de manter sua boa vida. E que tal sua própria União Soviética?

A solução: o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, também ególatra, narcisista e ávido por poder e fama, e que, se bem trabalhado, tinha potencial para se tornar presidente do Brasil, o celeiro do mundo e maior país da Ibero-América, um continente que poderia se tornar a União Soviética tropical, um grande puteiro das esquerdas. Era só criarem um organismo que, a exemplo do Comintern de Lênin, serviria para apoiar movimentos comunistas em todo o continente, para o que só precisariam criar uma base de apoio confiável e com gente confiável: o Brasil de Lula. E assim foi criado o ninho da serpente: o Foro de São Paulo.

O Encontro de Partidos e Organizações de Esquerda da América Latina e do Caribe, conhecido como Foro de São Paulo, foi organizado pelo PT, de 1 a 4 de julho de 1990, no extinto Hotel Danúbio, na cidade de São Paulo, com representantes de 48 partidos e organizações de 14 países latino-americanos e caribenhos, visando debater a nova conjuntura internacional pós-queda do Muro de Berlim e elaborar estratégias contra os Estados Unidos.

Parecia, e cada vez mais se parece, com uma reunião de mafiosos: ditadores, narcotraficantes, guerrilheiros e políticos comunistas. Querem fazer da América do Sul uma espécie de União Soviética do Trópico, onde poderão pilhar, estuprar, torturar e matar à vontade. E a bola da vez é o Brasil.

Lula está atirando no escuro. Pensando que está fortalecendo sua fantasia de se tornar ditador pode tropeçar em chão plano, e não estou me referindo, aqui, ao fato de ele mamar uma 51, mas porque nunca teve o tutano da hiena cubana Fidel Castro, nem mesmo do monstro venezuelano Nicolás Maduro. Óbvio ululante que a CIA, a Interpol, a DEA, o FBI, e até mesmo a banda boa dos órgãos de inteligência brasileiros acompanharão tudo, de camarote.

Essa história tem seu primeiro capítulo contado no livro O CLUBE DOS ONIPOTENTES.

sexta-feira, 9 de junho de 2023

Justiça de Brasília decidirá sexta-feira 16 se a editora Nova Fronteira deve ou não indenizar Alaor Barbosa, biógrafo de João Guimarães Rosa

O biógrafo Alaor Barbosa e sua sinfonia: João Guimarães Rosa

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 9 DE JUNHO DE 2023 – A Justiça do Distrito Federal deverá bater o martelo sobre o recurso da Nova Fronteira e de Vilma Guimarães Rosa (que faleceu ano passado, aos 90 anos), sexta-feira 16, contra o romancista e ensaísta goiano Alaor Barbosa, que publicou, em 2007, há uma década e meia, portanto, a biografia Sinfonia Minas Gerais: A Vida e a Literatura de João Guimarães Rosa, de 388 páginas, com selo de uma pequena editora de Brasília, LGE, hoje Libri Editorial, do editor Antonio Carlos Navarro. 

Na ação, Vilma argumenta que a biografia não foi autorizada pela família do escritor e qualifica-a aquém da literatura de Guimarães Rosa, como se biógrafos tivessem que pedir permissão para trabalhar e biografias tivessem que ter a mesma qualidade da obra do biografado. Também Vilma sustentou que Alaor plagiou seu livro epistolar, Relembramentos – João Guimarães, Meu Pai (Nova Fronteira, 586 páginas). Não plagiou. Alaor fez citações. Entrevistada, Vilma disse mais, chamou Alaor de “mentiroso doido e nojento”. Também se enganou. Alaor é um pesquisador sério. 

Farto de tanta besteira, Alaor processou Vilma e ganhou uma indenização de 140 mil reais. Além disso, moveu um segundo processo para se ressarcir dos prejuízos, pois a biografia teve que ser retirada das livrarias. O desembargador Fernando Habibe fixou a indenização em 50 mil reais. A Editora Nova Fronteira e Vilma recorreram. Vamos ver no que dá, sexta-feira 16. 

A ação da Vilma e da Nova Fronteira é uma peça absurda e causou sérios danos à LGE. A Justiça mandou a editora retirar o livro das prateleiras em 24 horas. Recolher livros num país continental como o Brasil e nos tempos de hoje, com vendedores eletrônicos em cada esquina da internet, é outro absurdo. Além disso, o custo editorial é elevado e a retirada de um livro do mercado é brutal para uma editora pequena. Em agosto de 2013, a Justiça concluiu que não houve plágio e voltou atrás, mandando Vilma Guimarães e a Editora Nova Fronteira pagarem as custas da ação contra Alaor Barbosa e a LGE. 

Diz o despacho da Justiça: “Não se verifica em Sinfonia Minas Gerais a utilização de mais de 10% da obra de Vilma Guimarães Rosa, Relembramentos. O percentual não chega a 9,5%”; “A obra de Alaor Barbosa, Sinfonia Minas Gerais, se sustenta e é útil ao conhecimento da vida do biografado e também como obra literária, mesmo sem as referências à obra de Vilma Guimarães Rosa, Relembramentos, ou seja, ainda que os trechos concernentes ao livro da autora do processo sejam suprimidos, o livro Sinfonia Minas Gerais tem função e interesse histórico e literário”. E afirma que ao citar Vilma e outros autores Alaor Barbosa os identifica com precisão, não omitindo, hora alguma, suas fontes. 

Alaor Barbosa afirmou, na sua defesa, que as autoras da ação pretendiam garantir reserva de mercado para faturar em cima de Guimarães Rosa: “A Editora Nova Fronteira acaba de relançar obra de autoria de Vilma Guimarães Rosa, intitulada Relembramentos: João Guimarães Rosa, Meu Pai, livro publicado em 1983, com pouco sucesso comercial e que não se configura tecnicamente uma biografia, mas sim um livro que procura mostrar, em sua visão de filha de Guimarães Rosa, quem seria o seu pai, principalmente por meio da transcrição de cartas escritas e recebidas por Rosa ao longo de sua vida”. 

E adiante: “Evidente que as autoras da ação se aproveitam do ano de centenário de morte de Guimarães Rosa para, absurdamente, tentarem obter vantagens econômicas; sendo certo que buscam o Poder Judiciário visando à uma espécie de exclusividade em relação à história de um dos maiores escritores brasileiros; história esta cuja importância em muito transcende os laços de parentesco. Trata-se, como restará demonstrado, de uma evidente pretensão de apropriação da figura, da vida e da obra de João Guimarães Rosa por parte de uma sociedade editorial de grande porte, que, repita-se, tenta se utilizar do Poder Judiciário para potencializar o seu já notável poderio econômico; buscando, absurdamente, vedar a concorrência”. 

E quem é esse Guimarães Rosa que não pode ter sua vida revelada por uma biografia? “Sou um sertanejo” – disse, durante uma das raríssimas entrevistas que concedeu, a Günter W. Lorenz, em Gênova, em janeiro de 1965. Entre os monstros brasileiros da ficção, Guimarães Rosa, que se comunicava em mais de uma dezena de idiomas, foi um dos que mais fundo mergulhou na língua brasileira. 

“Nosso português-brasileiro é uma língua mais rica, inclusive metafisicamente, que o português falado na Europa. E, além de tudo, tem a vantagem de que seu desenvolvimento ainda não se deteve; ainda não está saturada. Ainda é uma língua jenseits Von Gut und Bose (Além do Bem e do Mal, título de um livro de Nietzsche), e, apesar disso, já é incalculável o enriquecimento do português no Brasil, por razões etnológicas e antropológicas” – disse Rosa a Lorenz. 

“Pelo processo de mistura com elementos indígenas e negroides com os quais se fundiu no Brasil...” – disse Lorenz, a que Rosa replicou: “Exato, este foi um enriquecimento imenso e já pode ser notado no exterior pela quantidade de diferentes dicionários europeus e americanos do mesmo idioma. Naturalmente, tudo isso está à nossa disposição, mas não à disposição dos portugueses. Eu, como brasileiro, tenho uma escala de expressões mais vasta que os portugueses, obrigados a pensar utilizando uma língua já saturada”. 

Guimarães Rosa, como todo grande artista, precisa ser biografado, analisado, esmiuçado, independentemente dos familiares dele, pois foi um artífice único na recriação do mundo singular do sertanejo mineiro, daí porque é um dos escritores brasileiros mais estudados e traduzidos na Europa, na tentativa, malograda, de os europeus compreenderem o Trópico. Assim, compreender o mundo de Rosa é enxergar uma faceta da pedra angular da cultura brasileira. 

É isso que Alaor Barbosa faz, lança luzes sobre a vida e a obra do gênio mineiro. “Creio que minha biografia não é muito rica em acontecimentos. Uma vida complemente normal” – disse o monstro das Alterosas a Lorenz, em 1965, dois anos antes de morrer. É fato. Guimarães Rosa foi sertanejo e funcionário público, diplomata; um sujeito tão discreto que parecia se esconder, e isso Alaor Barbosa resgata. 

A biografia escrita por Alaor Barbosa é adiposa. Vilma se queixou na Justiça de que o escritor goiano fez inúmeras citações do seu livro epistolar Relembramentos. Alaor pode extirpar todas essas citações que, ainda assim, a biografia do monstro sagrado continuará inchada como os pés de Lula. Alaor reconstruiu a geografia de Rosa, psicanalisou-o e resgatou o dia-a-dia do criador de Grande Sertão: Veredas. 

Na época desse imbróglio, a filha de Alaor, Noemia Barbosa Boianovsky, bacharela em Relações Internacionais, jornalista, advogada, consultora da Câmara Legislativa do Distrito Federal, endereçou uma carta para Vilma Rosa: 

“Vilma, 

“Nasci filha de escritor. Doei para o meu pai, desde o meu nascimento, longas horas da minha infância e da minha adolescência. Meus irmãos doaram outras tantas horas. Minha mãe dividiu o marido, durante décadas, com sua amante, a literatura. Mas meu ciúme de criança foi se atenuando, ao longo dos anos, e mais ainda com o chegar da maturidade. Passei a admirá-lo, respeitá-lo, reverenciá-lo. Principalmente, passei a compreendê-lo. Literatura, para o meu pai, o escritor Alaor Barbosa, é e sempre foi devoção. Triste do filho ou da filha que não respeita e nem compreende as devoções paternas. 

“Assim como você, também sou herdeira de uma obra literária. Grande, extensa, profunda, séria. Fruto de muito trabalho, pesquisa e esforço, feita com paixão e talento. Obra reconhecida e tantas vezes premiada. Falo de quase meio século de produção literária, tempo bem maior do que eu mesma tenho de vida. Meu pai, Vilma, já era escritor antes de eu nascer. 

“Tenho a sorte de ter meu pai comigo, avô carinhoso das minhas filhas, em almoços de domingo. Vivo, feliz e produtivo. Mas já estou de posse da herança que ele me legou. Foi uma partilha sem desavenças, entre a família e os amigos. Não a herança material, mensurável, quantitativa, que se deposita em conta bancária. Desta, basta-nos o óbolo de Caronte. O que recebi de meu pai foi um norte, um rumo, um equilíbrio, um eterno buscar da verdade. O amor e o respeito por tudo de bom que o ser humano já produziu.

“Você, Vilma, também recebeu uma herança. Magnífica herança, portentosa, imensurável. A herança de um gigante. A herança de um gênio, primus inter pares. Temos, portanto, responsabilidades. Eu e você. A minha, talvez mais leve, é a de impedir que a herança de meu pai seja aviltada, desqualificada, vilipendiada. Isso, tenha certeza, não acontecerá. As inverdades, calúnias e difamações são muito fugazes e, uma vez reveladas, deixam despida aquela que as inventou. Aliás, é assim que eu vejo você: despida, nua, pelada. Porque mais marcado será sempre o caluniador do que o caluniado. Já a sua responsabilidade, Vilma, é a de não abastardar, não apequenar, não diminuir a sua herança, o seu legado. A obra do seu pai é universal. Não a amesquinhe, não reduza a herança à estatura da herdeira. 

“Num país como o nosso, Vilma, tão carente de cultura, tão necessitado de modelos, tão merecedor de exemplos, resta-me recordar as palavras de outro ídolo de meu pai, Monteiro Lobato, cuja biografia para crianças também saiu da máquina de escrever Olivetti que havia na biblioteca lá de casa. Lobato disse que um país se faz com homens e livros. Você, portanto, quando tenta impedir a existência de um livro, de uma obra literária, espanca a inteligência nacional, ofende a tantos que tombaram em nome da liberdade e do direito de expressão e do livre pensamento! Talvez, Vilma, seu tempo tenha passado. Imagino você mais feliz vivendo uma outra época – mais escura do que a de agora. Talvez sob o Estado Novo ou abrigada pelo AI-5. Imagino você, Vilma, com um carimbo de censura na mão – arma formidável! – detentora exclusiva da faculdade de permitir ou não que alguém leia, fale ou pense. Para nossa sorte e infelicidade sua, vivemos tempos mais claros. E você, faça o que fizer, diga o que disser, jamais impedirá meu pai de ler, escrever, falar ou pensar. Nem meu pai nem ninguém. 

“Portanto, Vilma Rosa, não acenda fogueiras com livros. O fumo do livro incinerado escurece uma nação. 

“Cada um de nós tem seus próprios ídolos. Sorte do meu pai, que fez boas escolhas. Os seus, parecem ser o Index Librorum Prohibitorum, o Santo Ofício, Savonarola e Torquemada. Talvez, até Herr Goebbels... Eu, que também tenho os meus, cito um deles: você vai amargar vendo o dia raiar sem lhe pedir licença... 

“Lembre-se, Vilma, você é apenas uma filha. Você é apenas uma herdeira que avilta a herança magnífica que recebeu, constatar que nem tudo que Guimarães Rosa nos deixou é tão bom quanto a sua obra literária”. 

Em 2013, medalhões da MPB, como o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque e Roberto Carlos, reunidos no grupo Procure Saber, defenderam que o direito à intimidade justificaria a necessidade de aval preliminar para a publicação de biografias. Roberto Carlos é um caso exemplar. Em 2006, o escritor Paulo Cesar de Araújo lançou Roberto Carlos em Detalhes; no ano seguinte, Roberto entrou na Justiça, que lhe deu ganho de causa e determinou que 11 mil exemplares fossem recolhidos das livrarias. 

Roberto Carlos em Detalhes é um trabalho de fôlego sobre a história recente da música popular brasileira, tendo como eixo o genial cantor popular. Não há nenhum desabono ao artista. Ocorre que Roberto Carlos incorporou sua própria lenda, e nesse aspecto o livro o desmitifica. Sua biografia mostra o ser humano, lutando como um peso pesado pela ribalta, o rapaz Roberto Carlos abrindo picada até a explosão do gênio e se tornar a celebridade que é hoje. 

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, por unanimidade, o fim da censura a biografias não autorizadas, apagando uma mancha que enodava a cultura brasileira. A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) foi impetrada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) contra liminares de instâncias inferiores proibindo o lançamento de biografias não autorizadas. 

Agora, temos um marco legal sobre o limite entre o direito à privacidade e o da informação sobre pessoas de notória projeção pública e celebridades. Até então, no Brasil, havia uma enxurrada de ações judiciais contra editoras e autores de biografias por parentes de biografados, pedindo dinheiro por dano moral e a retirada do livro de circulação. 

Em 2008, o jornalista Ruy Castro, ao lançar a biografia de Garrincha, foi processado duas vezes: pelas filhas e por uma ex-companheira do astro do futebol. Ruy ganhou um dos processos, mas foi condenado no outro pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que estipulou indenização de 5% sobre o total de vendas do livro, com juros de 6% ao ano. Em 2009, depois que a imprensa divulgou que Ruy Castro estava escrevendo a biografia de Raul Seixas, o autor foi advertido por uma das cinco ex-mulheres do cantor baiano de que entraria na Justiça caso o livro fosse publicado.

Celebridades são públicas e, muitas vezes, peças importantes para os historiadores resgatarem certa época, daí porque censurar previamente uma biografia é tentar, inutilmente, amordaçar a história. Filosoficamente falando, biografias contêm tanta ficção e delírios quanto Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes.