quinta-feira, 30 de abril de 2015

A eutanásia de cada um de nós

É outono em Brasília, e chove. Tem chovido todos os dias, como se ainda estivéssemos no verão. Os dias amanhecem frios, aquele frio dos trópicos, e entardecem nublados. A cidade é a mesma de sempre, parece que foi bombardeada: ruas esburacadas, calçadas estouradas e mato. O matagal cresce com vigor amazônico, chegando até o passeio público, cobrindo as rotas calçadas e invadindo nossa alma, deixando-nos um travo sutil, ao atingir um nervo exposto do corpo etérico. O ex-governador Agnelo Queiroz, que não logrou reeleger-se, deixou para o sucessor um atoleiro. Até hoje, Rodrigo Rollemberg lembra um pugilista que tomou uma saraivada de jabs e no intervalo entre um round e outro é animado pelo seu staff, que o abana, refresca-lhe a cabeça e lhe dá curtos goles de água. Agnelo, que ficou conhecido como Agnulo, homiziou-se na Argentina, deixando para trás a “cidade mais moderna do mundo” mais sucateada do que nunca.

Brasília é um três por quatro do Brasil, especialmente a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios. A sensação que se tem é a de Alice no País das Maravilhas. Há uma mulher, com nome de homem, Lula Rousseff, cleptomaníaca e megalomaníaca. Não se interessa por milhões de reais, mas por bilhões. Seca facilmente uma garrafa de 51, na intimidade, e exibe, aos capangas, Romanée Conti. É o capo di tutti i capi. A impressão que se tem é de que o povo brasileiro gosta de ser assaltado. Por exemplo: Jeca Sarney, o maior patrimonialista do Brasil, e que inclusive anexou o Amapá ao Maranhão, com a ajuda dos próprios amapaenses, é claro, assalta o país há mais de meio século, da mesma forma que o urubu velho Fidel Castro, e agora o zumbi Hugo Chávez Maduro, chupa o tutano de cubanos e venezuelanos. No Congresso Nacional, os políticos gargalham, nas suas bacanais.

Continuo frequentando o Conjunto Nacional, e a tomar o espresso do Café Doce Café. Robusta. O passa-passa é agora mais agitado e as mulheres ainda mais bonitas. Já notei que as mulheres são sempre mais belas, tão lindas que parecem nuas. Quase toda semana passo na Livraria Saraiva para ler a Veja. Sobre mim, um alto falante toca música americana da atualidade; guinchos. Costumo passar também na Livraria Leitura, onde, com um pouco de sorte, ouvimos até concertos. Nesses meus passeios, folheio livros que ambiciono ler, mas que ainda não chegou o momento de fazê-lo; observo-lhes o número de páginas, leio o início, ou alguma coisa sobre o autor, aprecio a edição como um todo, e fico imaginando como será bom ver um livro de minha autoria em edição tão primorosa. Outro dia, fui premiado com duas descobertas. Lendo o início de O Jardineiro Fiel, de John le Carré, percebi que a literatura classe A é sempre uma teia, e nunca um fio, como o jornalismo. E folheando Na Outra Margem da Memória, autobiografia de Vladimir Nabokov, percebi que o escritor de primeira categoria tem, sempre, um pé na dimensão do espírito.

Frequento também a Escola Nacional de Acupuntura (Enac), uma portinha no Bloco A da 404 Sul, onde faço o curso de Medicina Tradicional Chinesa. Lá, é uma universidade por definição, um centro de debates, um corredor de opiniões. Certa vez, ouvi de alguém que uma pessoa muito doente deve morrer, deixar-se matar, ou matar-se, para não exaurir seus familiares; uma exaltação à teoria de Charles Darwin, contribuindo, assim, para a evolução da humanidade, numa comprovação ao delírio ariano de Adolf Hitler. Mas há sempre as luzes de alguns mestres no corredor, equilibrando as opiniões que resvalam para o caos, como numa dança de yin e yang na espiral.

A propósito, a eutanásia pode significar uma zona de conforto para os que ficam, mas não haveria um propósito em deteriorar-se em cima de uma cama durante anos, dependendo dos outros para tudo? Há mais mistério entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia, como disse William Shakespeare. Creio que haja sempre um propósito em tudo, e que cabe a cada qual descobrir isso; cabe a cada um descobrir sua missão. Talvez o grande entrave de um candidato a terapeuta seja a dimensão física. E esse nó somente será desfeito quando ele descobrir que o plano físico é nada mais do que uma ilusão, semelhante ao mundo virtual do inseparável celular.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Conto/LATITUDE ZERO


É possível que algumas pessoas execrem este conto, devido à linguagem chula e à violência, ambientadas nos anos 1960, em Macapá. Contudo, trata-se, tão somente, e apenas, de um trabalho de ficção. Advirto que qualquer semelhança com fatos passados é mera coincidência. Ressalto que até as autobiografias, principalmente elas, são apenas ensaios de ficção, nada mais além disso, guardando, é claro, semelhanças geográficas, com pessoas e fatos.

O argumento de LATITUDE ZERO gira em torno de um punhado de artistas, a maioria deles adolescentes, numa cidade ribeirinha da Amazônia, Macapá, e nos anos de chumbo da Ditadura dos Generais (1964-1985), e que começam a fazer descobertas, e a sentir na pele que o esplêndido sol equatorial é vida em estado bruto, mas pode, também, chamuscar aos que não estão preparados para viver em sociedade, e, sobretudo, para ajustar-se numa sociedade, a de Macapá, nos anos 1960, tão colonizada, preconceituosa, machista e antropofágica.

Esta história curta foi publicada inicialmente no livro TRÓPICO ÚMIDO – TRÊS CONTOS AMAZÔNICOS (Edição do autor, Brasília, 2000, 116 páginas), o segundo volume da trilogia AMAZÔNIA, antecedido por A GRANDE FARRA e sucedido por NA BOCA DO JACARÉ-AÇU – A AMAZÔNIA COMO ELA É; e no volume Todas as Gerações – O Conto Brasiliense Contemporâneo (LGE Editora, seleção e organização de Ronaldo Cagiano, Brasília, 2006, 513 páginas).

Para adquirir TRÓPICO ÚMIDO – TRÊS CONTOS AMAZÔNICOS pode ser feita uma solicitação, com nome da pessoa e endereço completo, para: raycunha@gmail.com. Será informado o número de uma conta bancária para depósito de R$ 40, e, o livro, enviado pelos Correios.

PREFÁCIO

Sobre TRÓPICO ÚMIDO – TRÊS CONTOS AMAZÔNICOS escreve Maurício Melo Júnior, escritor e jornalista, apresentador do programa Leituras, da TV Senado:

OBSESSÕES AMAZÔNICAS DE RAY CUNHA

A literatura brasileira está numa encruzilhada. Cada autor atira para um lado e ninguém consegue formatar o que no passado se chamou de movimento. Mesmo em lugares onde se pratica uma literatura regional intensa - Pernambuco e Rio Grande do Sul, por exemplo - não há o senso de união. Isso, se por um lado favorece a diversidade temática, por outro, paradoxalmente, desagrega autores e enfraquece o trabalho de formação de leitores. Embora o ato de escrever seja um exercício de solidão, são a vivência e a convivência que dão ao escritor o estofo necessário para a composição do texto.

O escritor Ray Cunha, nascido na beirada da floresta amazônica, sofre do mal que vitimou parte de seus colegas a partir dos anos setenta: é um escritor desagregado, carente de grupos com quem possa discutir temas, estéticas e formas. Isso fica muito claro em seu livro Trópico Úmido - Três contos amazônicos (edição do autor, Brasília, 2000, 116 páginas), no qual, apesar de uma certa obsessão geográfica, sente-se a ausência da região em sua plenitude. O leitor mais exigente terminará a leitura carente do sotaque e das cores amazônicas, embora fique saciado com o desenvolvimento bem resolvido da trama.

O conto que abre o livro, Inferno Verde, conta a história do repórter Isaías Oliveira em duelo sangrento e perverso com o traficante Cara de Catarro. O segundo texto, Latitude Zero, fala de um grupo de jovens em descobertas sexuais em Macapá. Pode ser visto como um conto de formação, embora carregado do escancaro de Charles Bukowisk, o que é até compreensível em quem sobreviveu às teorias de Freud e à revolução sexual dos anos sessenta. Finalmente, o último conto do volume, A Grande Farra, conta a história de Reinaldo, um repórter que sonha ser escritor, mas, milionário, gasta a vida em bebedeiras e aventuras sexuais.

A linha que liga todos os textos, além da região amazônica, é mesmo a temática da sexualidade. No entanto, este sentimento está muito próximo das práticas vindas com a liberação sexual dos anos sessenta, unidas a um certo sadismo dos personagens. Num pobre exercício de paráfrase com os Atletas de Cristo, que trazem halos angelicais para os nossos atletas de futebol, podemos dizer que os personagens de Ray Cunha são Atletas de Sade. É impressionante a obsessão por um ato doloroso e imposto. Há sempre dominação do macho sobre a fêmea, mesmo quando ela, também filiada à revolução sexual, escolhe seu parceiro. Ainda assim prevalece a força do macho.

Esses personagens construídos pelo autor, por conta da defesa de uma geração perdida, terminam por carregar cores muito iguais. São todos hedonistas, amantes do prazer sobre todas as coisas. Por conta desse sentimento entram de cabeça na vida sem medir qualquer consequência. E fica clara aí a influência de Bukowisk, o velho safado, embora a sensualidade das ninfetas traga para os textos uma certa lembrança de Nabokovisk, o velho também safado, mas um pouco mais pudico. Sobrevive disso tudo um mundo excessivamente cruel, posto que o prazer é o que menos importa aos moços. Todas as relações têm como objeto a sujeição do parceiro.

O poeta Augusto dos Anjos falava em um de seus sonetos da “obsessão cromática”, do que chamava de fantástica visão do sangue se espalhando por toda parte. Ray Cunha trás para a literatura um pouco dessa obsessão, que faz a festa dos repórteres policiais. Há muitas cenas cruéis, com requintes de crueldade, dignos das páginas dos romancistas policiais americanos da década de cinquenta, um período no qual a fineza britânica de Conan Doyle foi substituída pela inspiração de Bram Stoker.

Finalmente, há obsessão geográfica. Para um livro passado na Amazônia isso é bem interessante. No entanto o autor poderia descrever mais e citar menos. Explica-se. É comum por todo o texto o nome de ruas onde moram, vivem e rodopiam os personagens. O problema é que a citação pura e simples do nome da rua simplesmente não remete a qualquer impacto sobre o leitor que não conhece as ruas. O autor poderia descrever as ruas, o que daria uma informação a mais ao leitor, situando-o até no ambiente por onde transitam os personagens.

Fica do livro, entretanto, a construção da história. Há pontos de prisão do leitor no jogo de curiosidades desvendadas aos poucos. O autor sabe manipular bem a trama, levando o leitor ao clímax. Com isso, resgata uma das maiores carências da literatura brasileira atual: o bom contador de história. É que os nossos novos escritores, buscando a universalidade linguística de Guimarães Rosa, esqueceram que ele sabia contar bem uma história. Resultado: renunciaram à narrativa e não ganharam a inventividade estética.

Ray Cunha consegue contar bem suas histórias. No entanto poderia ter trazido o mundo mais amazônico para suas páginas; poderia deixar um pouco as influências estrangeiras e seguir a trilha de autores como Benedicto Monteiro. Isso pode transformá-lo no grande representante da literatura amazônica moderna. Aquele que conseguirá traduzir boa linguagem com boa narrativa, e tudo temperado em um bom caldo de tucupi.

LATITUDE ZERO

O depósito de madeira estava adormecido como tudo o mais na madrugada, exceto a luz do poste debatendo-se para escapar da névoa. A claridade lutava para libertar-se da neblina pegajosa, e, como carnicão rompendo a pelica do tumor, vazava, arrastando-se até o depósito de madeira, infiltrava-se por uma fresta e incidia sobre o cenho franzido de Alexandre. Ele parecia morto, pois respirava imperceptivelmente.

A luz do poste, agora, agonizava na claridade dúbia do amanhecer. Uma chuva pôs-se a cair, adensando o ar saturado de umidade. Alexandre se mexeu, num gesto instintivo de quem está sentindo frio. Encolheu-se mais, agasalhando as mãos entre as coxas. As tábuas sobre as quais se deitara machucavam-no. Isso o despertou. Abriu os olhos como uma boneca: só as pestanas se mexeram. O resto todo ficou imóvel. Depois procurou alguém com o olhar. Viu-o um pouco abaixo. Moacir Canto dormia ainda. Alexandre se levantou, estremunhado, e ficou olhando para Moacir Canto. Apalpou o bolso traseiro à procura da carteira porta-cédula e não a encontrou. Meteu o polegar e o indicador no bolsinho da calça e puxou uma nota de cinquenta cruzeiros. Neste momento Moacir Canto despertou.

– Perdi a bolsa – disse Alexandre. – Mas tinha guardado cinquenta cruzeiros no bolsinho da calça.

– Porra... – disse o outro.

Olharam-se e depois cada qual olhou para si próprio. A farra começara no GEN, o bar do ex-policial, na Rua Tiradentes. Alexandre ganhara as obras completas dos irmãos Grimm em um concurso de contos e vendeu-as para a tia de Moacir Canto por duzentos cruzeiros. Separou uma nota de cinquenta, pô-la no bolsinho da calça e foram para o GEN. Tavares, o ex-tira, estava lá no lugar de sempre, diligente, servindo bebida a dois caras. Alexandre pediu meiota de Pitú. Tavares serviu-os com tira-gosto de genipapo. Limitavam-se a beber. Moacir Canto incrustara-se no silêncio. Livrava-se do rancor que levava consigo cagando em cima dos outros. Certa vez, trepado numa árvore da Praça Veiga Cabral, deu uma cagada tão potente na cabeça de um homem que o derrubou ao chão. Quando o tipo se recobrou, Moacir Canto já tinha se jogado de um galho mais baixo e pôs-se ao fresco quase caindo de tanto rir. Certa noite, pediu a Alexandre para segui-lo de bicicleta. Moacir Canto ia na garupa de outra bicicleta, pilotada por Grosseiro. Ficaram andando um pouco pela Praça Nossa Senhora da Conceição até que passaram por uma moça e uma menina. Grosseiro fez a volta, pedalando sem pressa, e tirou o fino da menina. Moacir Canto se ajeitou e deu tal soco nas costas dela que o barulho ecoou na praça inteira. Mas engraçado foi quando uma noite Moacir Canto achou uma folha de coqueiro e saiu à procura de vítimas com Grosseiro. Alexandre foi atrás para ver. Iam a certa altura da Rua Leopoldo Machado quando avistaram seis estudantes, uma ao lado da outra, ocupando a largura do passeio público e parte da pista. O tronco da folha de coqueiro ia pegar no pescoço dela. Era a mais alta; uma moça rosada e vigorosa. Ela se abaixou na hora e a folha de coqueiro passou voando por cima da sua cabeça. Moacir canto perdeu o equilíbrio e caiu. A moça pegou a folha de coqueiro e desferiu um golpe no queixo de Moacir Canto, que ia se levantando do asfalto. Grosseiro havia estacionado adiante e morria de rir. Alexandre passou por perto de Moacir Canto e salvou-o de seis mulheres furiosas. Para se vingar, Moacir Canto foi à sua casa, pegou um fio elétrico e saiu atrás das moças. Como não as encontrou, atacou uma velha, dando-lhe tal lambada no pescoço que a velha caiu com um grito horripilante.

Ele era um cara assim mesmo. Seu ódio provinha da condição em que o pai deixara a família, na miséria, para enrabichar-se por uma menina de quinze anos, mas que o manobrava como uma puta experiente. No Dia dos Pais, Moacir Canto entrou lá e deu uma paulada na venta do velho, arrancando-lhe pelo menos um dente. O pai de Moacir Canto era policial. Telefonou para a polícia a fim de que pegassem o rapazinho, que devia estar drogado para fazer um negócio daqueles. Ficou por isso mesmo. A sorte de Moacir Canto era sua beleza. Tinha um belo queixo quadrado, o rosto oval, sobrancelhas bem feitas e cabeleira leonina. Seus olhos, entretanto, despertavam medo, sobretudo quando estava estupidificado de maconha. Certa vez, Alexandre, Moacir Canto, Grosseiro e Galego Demônio amanheceram na Praia do Barbosa. Alexandre e Grosseiro dormiam ainda. Moacir Canto e Galego Demônio já haviam acordado há algum tempo quando avistaram a menina. Correram em cima dela, agarraram-na e arrastaram-na para detrás de um aturiá. Alexandre e Grosseiro acordaram com os gritos, correram para lá e viram Moacir Canto tentando penetrar a menina por trás, enquanto Galego Demônio segurava-a pelos cabelos, pelejando para a menina chupar o pênis grande, mole e purulento que lhe empurrava no rosto. De todos eles, Alexandre era o único que tinha um pouco de sensatez, e Grosseiro o atendia como a um cão. E assim livraram dos répteis a menina.

– Está na hora da gente se escafeder – disse Moacir Canto, no GEN.

Pegaram a Rua Cândido Mendes e seguiram em direção ao Igarapé das Mulheres. Todas as noites, Alexandre ia à casa de Angélica, Sílvia e Graciette. Angélica estava no portão da varanda. Era pequena e fofa. Usava os cabelos, de cor indefinida, bem curtos. Tinha os olhos da cor dos cabelos e era estrábica, e tudo chamava a atenção no seu rosto: o nariz arrebitado e os lábios vermelhos e entreabertos, como rosa despedaçada e sumarenta. Viam-se seus dentes sob os lábios entreabertos. Isso, e os olhos, davam-lhe um ar de avidez ninfomaníaca. Sílvia parecia uma fada morena. Tinha a pele cor de leite, os cabelos negríssimos e longos, e os olhos azuis, da cor dos olhos do pai. Vivia sorrindo, com seus lábios rosados. Tinha os dedos longos, ágeis ao piano. Era bem mais alta do que Graciette. Os olhos de Graciette ficavam entre castanho e verde. Usava unhas longas, que pintava de vermelho, e punha uma língua tão comprida na boca dos rapazes que os sufocava. Era ruiva. Puxava a mãe, uma potra ainda jovem que tinha o mesmo olhar canibalesco de Angélica.

As duas outras garotas estavam na sala ouvindo os Beatles. Nem bem os dois chegaram, Sílvia foi logo convidando Alexandre para dançar. Ele ficou excitado. Sabia o jogo. Ela se encostava nele, os longos cabelos negros caindo pelo rosto e pelos ombros de Alexandre. Ela não usava soutien; os seios duros espetavam-no, e ele, de vez em quando, via os bicos rosados dos peitos através da blusa meio desabotoada. Alexandre ia ficando cada vez mais descontrolado. Ela batia com o púbis sobre o pênis de Alexandre, rijo como um osso, e ele aparava as batidas, prestes a gozar.

– Vamos para o quarto?  disse Alexandre.

Ela não falou nada. Puxou-o pela mão em direção ao quarto, amplo e bem arrumado. Sílvia era tão delicada! Desafivelou-lhe o cinto, abaixou o fecho éclair – ele não usava cueca –, pôs o pênis duro para fora. Ela, com seus olhos azuis, fitava maravilhada o pênis.

– Caralinho lindo! - disse, e desceu, suavemente, seus lábios rosa sobre a glande vermelho-escura. Ele não aguentou muito tempo. Logo se desintegrou em um gozo suculento, inundando aquela boca de fada, respingando de esperma os lábios sedentos.

Três pares de olhos acompanhavam tudo, sem perder nada. Ao ver o suco espermático escorrendo da boca da irmã, Angélica se despiu num piscar de olhos. Tinha a bundinha mais linda do mundo. Estava gozando só de ver. Possuía o dom dos gozos múltiplos. Pegou os cabelos de Alexandre e puxou-o para seu púbis. Cheirava a Mateus Rosé, e o líquido que escorria pela sua coxa tinha sabor de acme. Ao ver o traseiro de Angélica, Moacir Canto enfiou-se ali. Graciette masturbava-se com seus dedos de garras e chorava.

Era meia-noite. Os cinco estavam banhados, na sala, bebendo vodka e ouvindo os Beatles, quando a mãe das meninas chegou. O pai delas, como sempre, estava em Belém. Dona Frênia deu um alô para os garotos, a caminho do seu quarto.

– A velha está bêbeda – Moacir Canto cochichou para Alexandre.

Foi neste momento que a garrafa de Wyborowa do pai das meninas, que Alexandre bebeu, subiu de uma vez para a cabeça dele.

– Vou fodê-la – disse, ensaiando ir para o quarto da dona Frênia.

Moacir Canto estava em melhor estado. Atirou-se de cabeça nele. As meninas jogaram-se também em cima dele. Acabou tudo numa risada geral.

Quando Alexandre voltou a si estava deitado no meio da Rua Cândido Mendes, de braços estendidos como Jesus Cristo na cruz, gritando: fodam-se seus filhos da puta. Então começou a chover. O chofer do táxi não estava vendo as coisas muito bem e pegou um susto ao vislumbrar aquele vulto erguer-se do asfalto quase em cima do carro. Parou para averiguar do que se tratava. Alexandre entrou no táxi. Moacir Canto veio correndo da calçada, onde estivera vomitando, e entrou no carro.

– Bar Caboclo – Alexandre disse ao motorista.

A chuva engrossara. Da mesa onde estavam podiam ver a chuva estalar na calçada. Bebiam em silêncio a meiota, em pequenos goles de apreciadores de bebida.

– Vamos voltar à casa das meninas? – Alexandre sugeriu. Moacir Canto levantou-se incontinenti.

– Desta vez quem vai comer a velha sou eu – disse.

– Está bem – Alexandre concordou, chamando o garçom e pagando a meiota.

Saíram do bar na chuva, que estava mais fina agora. Atravessaram a Rua Cândido Mendes na altura do antigo Igarapé da Fortaleza. Escorregaram numa poça d’água no outro lado da rua. Chapinharam lá dentro, até que Moacir Canto conseguiu levantar-se e arrastar Alexandre para fora da poça. Andaram em direção ao rio Amazonas, mas pararam logo adiante, ao verem que alguém passava a chuva debaixo de uma marquise. Aproximaram-se. Era uma moça. Moacir Canto disse alguma coisa para a moça. Ela tentou falar, mas era muda. Moacir Canto pegou-a e começou a se esfregar nela. A moça tentava afastá-lo. Moacir Canto subiu a saia dela e depois desceu a calcinha. A muda começou a rir e depois procurou beijar Moacir Canto. Ele se desviava dos seus beijos e aquilo fazia Alexandre se torcer de rir. Quando parou de rir não viu mais a muda. Moacir Canto estava com uma calcinha na mão. De quem diabo era aquilo? Subiram por uma escada lá mesmo naquele prédio.

– Conheço um cara que mora em um apartamento lá em cima – disse Moacir Canto. – É da polícia e é veado.

Bateram lá e logo um sujeito branquela meteu a cara na porta entreaberta.

– Oh! Você!  disse para Moacir Canto, olhando também para Alexandre. – Entrem! Entrem! Vou preparar um drink para vocês. Por que vocês não tomam banho?

Serviu duas doses generosas de whisky e foi ver o frango que pusera no fogo. O cheiro da canja empestava o ambiente, mas para os bêbedos nada importava. Sentaram-se, com o whisky ao lado, e puseram-se a bater papo.

– Tenho roupas secas... – interrompeu o escrivão, tentando atrair a atenção deles.

– Basta o teu whisky – disse Moacir Canto.

– Isto aqui é um buraco – dizia Alexandre, deixando o escrivão desconfiado. – Uma merda! Senão vejamos: que escritor temos aqui? Nenhum! Há o R. Lima, mas o R. Lima não escreveu mais do que um livro de poemas, que teve uma tiragem ridícula de quinhentos exemplares. E por que? Porque não há editora, porque não há público, porque não há aplauso.

O escrivão ficou menos preocupado ao perceber que não falavam do seu apartamento.

– É uma sepultura... – disse Moacir Canto.

– Uma sepultura e uma fábrica de poetastros – disse Alexandre. – Vês o caso do Galego Demônio, que lança um livro mimeografado por semana...

– Não sei como aquele traficante que banca as baboseiras dele ainda não percebeu que se trata de um psicopata mitômano e megalomaníaco.

– No seu livro mais recente ele relata os últimos estupros que cometeu – disse Alexandre.

– Nem a irmã dele escapou – disse Moacir Canto. – E com aquela gonorreia crônica...

– Quis comer o diretor do Colégio Amapaense, o professor Olhudo.

No dia em que isso aconteceu, Alexandre estava estudando em casa para fazer quatro provas logo mais à noite quando Galego Demônio chegou com seu livro “Eu Imortal” debaixo do braço.

– Vamos já para Serra do Navio – disse a Alexandre.

– Tenho quatro provas hoje à noite.

– O estudo formal embota os neurônios. Já está tudo certo: vagão-leito especial no trem, suíte no hotel e duas professoras mineiras para uma bacanal.

Alexandre ficou calado.

– Partamos já para a aventura! A rotina é um veneno lento. O bar nos espera. Serra do Navio é um apelo irresistível com suas fêmeas mineiras.

– Resolvi ir, mas não porque Galego Demônio tivesse me convencido a ir, com aquele papo dele. Estava entediado só de pensar nas quatro provas.

Moacir Canto serviu novas doses de whisky e Alexandre pôs-se a contar o resto do caso. Já anoitecia quando ele e Galego Demônio saíram da casa de Alexandre, entraram no bar da esquina e pediram uma meiota. Não demoraram lá e foram a seguir para o Picolé Amigo, um bar onde R. Lima bebia de vez em quando. Com efeito, encontraram-no lá.

– Lembro-me que no Picolé Amigo houve uma discussão entre R. Lima e Galego Demônio. Galego Demônio estava botando muita banca e R. Lima disse que seu livro deveria se chamar “Eu Idiota”, porque ao ler os originais de “Eu Imortal” encontrara jacaré com g.

– Do ponto de vista da linguística é possível – Galego Demônio se defendeu. – Sobretudo para um niilista igual a mim.

– E foi com o niilismo dele que eu tomei no rabo – disse Alexandre para Moacir Canto. Acabara resolvendo, no Picolé Amigo, que deveria fazer as quatro provas, e não teve quem o dissuadisse da ideia. Galego Demônio foi com Alexandre para matar algumas questões. Ao chegarem ao Colégio Amapaense um inspetor disse-lhes que não podiam entrar senão uniformizados. Alexandre pediu para falar com o diretor. Impressionado, ou melhor, narcotizado com o bafo de bebida, o inspetor não opôs objeção em anunciá-los ao diretor, que estava ali perto fiscalizando ele próprio se os seus meninos encontravam-se devidamente uniformizados. Quando Alexandre e Galego Demônio se aproximaram do diretor ele estava atendendo um recruta do Exército que saíra do quartel diretamente para o Colégio Amapaense, de modo que não pudera vestir o uniforme de estudante. Levado pelo hábito, o rapaz se perfilou.

– Ô idiota! Esse gajo não passa de um professor de História! – observou Alexandre para o recruta.

– O quê?! – gaguejou o diretor.

– Seu merda, foste tu que levaste “A Galinha” para o governador, aquele ditador do caralho – disse Alexandre, referindo-se ao jornalzinho que lhe rendera dez dias de suspensão.

– Vou chamar a polícia – disse o diretor, com seus olhos que eram esbugalhados de nascença.

Galego Demônio tinha visto umas fêmeas gostosas e tentou pegar no rabo de uma delas. A moça deu um grito que chamou a atenção do diretor; ele passou uma reprimenda em Galego Demônio. A reprimenda foi mesmo que nada. Galego Demônio já estava com o pau para fora e tentou metê-lo no diretor.

– Foi uma cena muito engraçada aquele veado de um figa correndo com o Galego Demônio atrás, com aquele pau mole dele, pingando gonorreia. Descemos correndo a escada, pois a polícia já fora chamada, e voltamos ao bar onde deixáramos R. Lima. Pedimos mais uma garrafa de Pitú. Iríamos cedo para Santana e de lá embarcaríamos para Serra do Navio. Mais ou menos à meia-noite R.Lima foi embora e ficamos só nós dois no bar. Tomamos mais duas e zarpamos. Daí não me lembro de mais nada.

Alexandre cochilou. Acordou com uns respingos quentes no braço. Moacir Canto tinha ido à cozinha, aberto a panela de canja e levou-a para a sala, quando a panela virou, espalhando canja pelo chão. O escrivão cantava alegremente no banheiro. Moacir Canto pegou o que ainda restava da canja na panela, foi até a porta do banheiro e jogou a canja lá para dentro. O escrivão deu um berro. Ao ouvir o grito, Alexandre levantou-se rapidamente pronto para correr. Antes de ir embora Moacir Canto olhou em volta e depois, como se lembrasse de algo, pegou a chave da porta. Nestas alturas o escrivão saiu do banheiro chorando e todo melado de canja. Moacir Canto saiu e fechou a porta por fora. Lá embaixo, jogou a chave no esgoto a céu aberto, que cortava a rua longitudinalmente.

– Vamos pegar um ar lá na amurada? – disse Alexandre.

– Vamos pegar um rato podre no pescoço? – disse Moacir Canto, atirando nas costas de Alexandre uma ratazana morta, que encontrara na calçada, correndo depois para a amurada que dava  para o rio Amazonas, ao lado da Fortaleza São José de Macapá.

Alexandre se abaixou numa poça de água e lavou o pescoço. Depois andou em direção a um depósito de madeira. Moacir Canto veio também e entrou no depósito. Alexandre adormeceu recordando “A Galinha”, o jornalzinho que não passou do primeiro número. Havia, em sala de aula, um ricaço. O pai era dono de boa parte da cidade. Ele se ofereceu para financiar o jornal. Foram, então, uma noite, para a casa do ricaço. O filho dele os levou para o gabinete de trabalho do velho. Lá pelas tantas, Alexandre tirou o telefone do gancho e discou um número qualquer. Nessas alturas, o velho estava tomando soro no quarto dele e apanhou a extensão para saber do que se tratava àquela hora da noite, quase onze horas.

– Alô! – disse uma voz de mulher, sonolenta.

– Quem é?

– Solange – disse a voz.

– Oh! Solange! Minha doce cadelinha, vaquinha linda, minha bocetinha fedendo a merda, vou já aí para empurrar meu caralho na doçura do teu jardim de trás...

O ricaço arrancou a agulha da veia, pegou um cinto e irrompeu no escritório. O velho entrou dando lambada no filho dele. Havia, além de Alexandre, outro redator, um garotão de cabeça raspada, que montou na sua bicicleta e se evaporou.

O primeiro número do jornal, e único, saiu com uma matéria sobre o governador, o general ditador do Amapá, Ivanhoé Gonçalves Martins. Dizia que ele passava o dia de binóculos por trás das persianas da sua sala, no Palácio do Setentrião, tentando ver, do outro lado da Praça da Bandeira, as calcinhas das estudantes que se sentavam sobre o muro do Colégio Amapaense. Sobre o diretor do educandário dizia que tinha um acordo tácito com algumas de suas alunas, de modo que lhes dava nota dez se elas se arreganhassem e o deixassem ver suas calcinhas nas aulas de História. Na mesma edição foram escolhidos os dez mais punheteiros. O diretor enviou um exemplar do jornal ao secretário de Educação, que o enviou ao governador. Mas nesse trâmite o exemplar desapareceu. Houve um inquérito e os responsáveis por “A Galinha”, que na expectativa dos rapazes deveria pôr ovos de ouro, acabou rendendo-lhes dez dias de suspensão.

Naquele mesmo dia tropical úmido Galego Demônio entrou no Gato Azul e pediu uma dose de rum Montilla. Fazia aquilo ordinariamente e bebia até o anoitecer. Então voltava para casa, jantava e saía de novo. Naquele dia bebera além do normal. Ao retornar a casa não encontrou ninguém. Estava sozinho. O pai fora comprar açaí no arquipélago do Marajó; a mãe estava em Belém; a irmã, sabe Deus. Foi ao fogão. Comeu nas próprias panelas. Sentia-se pesado. Foi ao quarto. Deitou-se. Dormiu. Bunda de Breque, a irmã, estivera escondida, espreitando-o. A claridade da luminária do poste vencia o piche da noite sem estrelas e entrava no quarto, banhando os móveis com um manto irreal. Galego Demônio dormia de peito para cima. Assim, dormindo, era belo como qualquer jovem da sua idade. A primeira machadada pegou no lado do pescoço. Galego Demônio acordou como se estivesse impulsionado por molas. Tentou agarrar-se em alguma coisa e começou a gorgolejar como porco sangrando. Bunda de Breque ligou a lâmpada e olhou para Galego Demônio. Ergueu de novo o machado. Galego Demônio fitou-o aterrado e começou a arrastar-se para um dos lados da cama, já empapada de sangue. Bunda de Breque depôs o machado no chão, com o cabo encostado na cama, desafivelou o cinto de Galego Demônio e arriou sua calça, juntamente com a cueca. O pênis de Galego Demônio estava com os curativos purulentos como sempre. A machadada deixou-o apenas pendurado pela pele do escroto. A próxima machadada seccionou-o. Depois, Bunda de Breque aprumou bem o machado, como se fosse dar o golpe final em um tronco que estivera tentando partir ao meio, e desceu-o. A cabeça de Galego Demônio pulou e foi bater na parede. Bunda de Breque arrastou o corpo mutilado, desceu as escadas, caminhou até o monturo e atirou-o sobre o monte de caroços de açaí. Foi buscar a cabeça e jogou-a também no monte de caroços. Chovia como o diabo. Bunda de Breque voltou ao quarto de Galego Demônio, levando seu trompete, e pôs-se a tocar “O Silêncio”.