BRASÍLIA, 18 DE ABRIL
DE 2013 – Algumas pessoas, na nossa memória ou no subconsciente, transportam-nos,
de alguma forma, para a dimensão do encantamento, e, algumas vezes, da paz
interior. Essas pessoas são nossos ídolos. Eu cultivo muitos, a começar pelo
meu pai, João Raimundo Cunha. Quando era criança, aninhava-me bem pertinho dele
para ouvi-lo contar histórias de caçadas na Amazônia e sentir seu calor e seu cheiro, um
misto de madeiras nobres do Trópico Úmido; era, naturalmente, musculoso,
destemido, e tinha um arsenal e pontaria extraordinária. Estamos sempre juntos,
caçando ou conversando sobre tudo. É assim que ele vive na minha memória, nos
sonhos que às vezes tenho com ele, e quando rezo.
Minha mãe, Marina Pereira Silva Cunha, era linda,
determinada, e foi a mulher mais forte que conheci. Certa vez, na Catedral de
Macapá, assistíamos a missa, eu aspirava o perfume que vinha dela. Mais do que
meu pai, ela está sempre ao meu lado; eu a sinto como uma luz eterna,
penteando-me os cabelos, beijando-me o rosto e sorrindo para mim.
O clube dos meus ídolos é grande. Ernest Hemingway e Gabriel
García Márquez são dois dos muitos frequentadores. Sentamo-nos no bar e batemos
papo durante horas. Bebemos muito, sempre; Hemingway mais do que Gabo e eu
juntos. Às vezes, Antoine de Saint-Exupéry aparece por lá.
Um ídolo meu aniversaria, hoje: Paulo Cunha, meu irmão mais
velho e segundo pai de todos nós, irmãos. Ele foi importante na minha descoberta
das minas da criação. Mamãe me ensinou a ler aos 5 anos, estimulado pelos gibis
do Paulo, e, aos 13 anos, descobri, na biblioteca dele, Hemingway, Frances
Scott Fitzgerald, Graciliano Ramos, Kafka, Fiódor Dostoiévsk, e uma legião de
gênios, que me inocularam o prazer de criar, para sempre, ao embalo dos anos 1960,
na companhia de Olivar Cunha, Isnard Brandão Lima Filho, Pedro Cunha, Joy Edson
(José Edson dos Santos), Alcinéa Cavalcante (linda como só ela), Rodrigues
de Souza (conhecido como Galego, e com quem tive bebedeiras medonhas), Fernando
Canto, Beatles, muitos, muitos outros, e toda aquela efervescência.
Paulo Cunha foi líder estudantil no Grêmio Literário Ruy
Barbosa, do Colégio Amapaense, pugilista e campeão em natação. Lembro-me da
mamãe queimando muitos dos seus livros logo depois do golpe militar de 1964, receosa
de que ele fosse perseguido e preso nas masmorras da Fortaleza São José de
Macapá. Anos depois, em 1971, visitei-o no hotel onde ele morava, em Belém. Foi
inesquecível. Ele ocupava um quarto grande, completamente atulhado de pedras
preciosas: livros e revistas.
Além dos tesouros maravilhosos que ele me legou, abrindo-me
as portas para a dimensão do voo, era mesmo como um pai para todos nós, irmãos;
a mão confortadora que afaga nossa face quando sentimos dor; o braço forte que
nos ampara no tombo; a presença redentora que nos resgata da angústia, essa
agonia que vem da penumbra. Paulo, tu és general nessa legião que influi na
minha vida, de modo que minha passagem, aqui, seja perene cavalgada no azul.
Obrigado por tudo, mu grande amigo; por semeares o que levas no relicário do teu coração:
o triunfo da luz.