quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

IASMIM



Eram 11 horas da noite, naquele fevereiro
Mas o sol brilhava, como se fosse dia, na Asa Sul
O mundo foi inundado, de repente, por intenso perfume
Ouviu-se o verbo no espaço, e uma ninfa nasceu

Desde então, nunca mais fui o mesmo
Pois, naquele instante, uma missão me foi determinada
A de estar de prontidão, com a luz da minha espada
No caminho daquela flor das estrelas

E foi assim que na manhã seguinte, como numa prece
E minha alma era só música, o som da Terra no espaço
Encontrei, me procurando, dois grandes olhos negros

Embarcamos numa nave, e, numa velocidade quântica, fomos transportados para o azul
O piloto era um anjo, com o riso das criaturas aladas
Desde então, o jasmim, o jasmineiro e eu, somos, por toda a eternidade, só um

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Macapá, meu amor! Sempre me perco em ti, e sempre de propósito. Enterrei meu coração na Casa Amarela, na rua Iracema Carvão Nunes



As cidades são como as mulheres. De manhã, douram-se ao sol, como as rosas, e, à tarde, se transformam em um rio azul. À noite, se perdem na luz. Da mesma forma que as mulheres, nas cidades latejam segredos, só desvendados pelos que sabem mergulhar no abismo da primavera. Quanto mais as amamos, mais belas ficam, e mais misteriosas. E, como as mulheres, nunca são nossas. Não podemos ser donos de uma cidade, da mesma forma que é impossível nos apossarmos de uma mulher, porque as mulheres serão sempre livres e misteriosas. A cada partida, fica implícito o encontro marcado, e as chegadas são regadas de risos, de luz, e perdão.

Amo várias cidades, e elas se entregam a mim sem reservas. Belém tem feitiço de rosas colombianas sangrando no azul do mar, deixando um rastro de Chanel 5, gim e perfume de mulher absorta ao toucador. Manaus evoca o cheiro de mulher, tão intenso que causa vertigem, a ponto de sentirmos os movimentos da Terra no espaço, como música de Mozart. O Rio de Janeiro tem o poder de me fazer voar, cavalgando besouros furta-cores num mar transparente sem fim. Há, ainda, outras cidades, a quem eu seduzo como o garanhão faz a corte, com paciência, concentração total e, sobretudo, fé. Percorro as cidades com amor. Assim é com Macapá.

Os tucujus a habitavam quando Carlos V de Espanha a chamou, em 1544, de Adelantado de Nueva Andaluzia e a deu ao navegador Francisco de Orellana. Em 1738, foi instalado, no cruzamento da Linha Imaginária do Equador com o rio Amazonas, um destacamento militar, na antiga Praça São Sebastião, atual Veiga Cabral. Em 4 de fevereiro de 1758, o capitão-general do Estado do Grão-Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, fundou a Vila de São José de Macapá, que se debruça sobre o maior rio do mundo, não muito distante do Atlântico. Na maré alta, o gigante avança sobre a cidade, entre o açoite do vento e o muro de arrimo, onde estaca, recua e arremete com mais ímpeto. Em meio à agitação, o Trapiche Eliezer Levy emerge, indiferente.

A melhor maneira de descobrir Macapá é atravessando de barco o estuário do rio Amazonas. Quem sai do arquipélago do Marajó e mergulha no maior rio do mundo, em direção à Linha Imaginária do Equador, avista, de repente, a cidade, que surge como cunhantã se banhando no rio, o vestido molhado, colado ao corpo, os cabelos espargindo água, e, nos olhos, o mistério. É assim que gosto de pensar a cidade, e sentir seu cheiro de jasmim nas noites mornas.

Sou teu, Macapá, porque tu me pariste às 5 horas do dia 7 de agosto de 1954, no Hospital Geral, e de lá fui para a Casa Amarela, ao lado do Colégio Amapaense, na Avenida Iracema Carvão Nunes com a Rua Eliezer Levy, ao lado da Mata do Rocha, e lá passei 11 anos da minha infância. Restou a Seringueira, que meu pai plantou, e que foi salva de ser decepada – porque se recusou a sair do caminho do muro do Colégio Amapaense – pelo agrônomo Luiz Façanha, que se abraçou ao seu tronco num gesto de amor. Meu pai, João Raimundo Cunha, semeou a Seringueira, em 1952, ano do nascimento do meu irmão, o pintor genial Olivar Cunha. Macapá, para mim, é isso, e é tanta coisa.

Macapá é como a mulher que desejamos por muito tempo e que inesperadamente está diante de nós, nua; mas só acredito que estou nela quando a cidade me engole. Entro no santuário despido de todas as feridas, e mergulho num mundo prenhe de jasmineiros que choram nas noites tórridas, merengue, mulheres que recendem a maresia, o embalar de uma rede no rio da tarde, tacacá, Cerpinha, e lhe oferto rosas, pedras preciosas, luz, toda a minha riqueza. É nesse mergulho que sempre me perco em ti, e sempre de propósito, numa vertigem da qual só me recupero em Brasília, dias depois.

As viagens que fazemos no coração são vertiginosas demais. A casa da minha infância, cada palavra que garimpei em madrugadas eternas, cada gota de álcool com que encharquei meus nervos, cada mulher que amei nos meus trêmulos primeiros versos, cada busca do éter nas noites alagadas de aguardente, o jardim da casa da Leila, no Igarapé das Mulheres, o Elesbão, a casa da Myrta Graciete, a casa do poeta Isnard Brandão Lima Filho, na Rua Mário Cruz, o Macapá Hotel, o Trapiche Eliezer Levy, pulsam para sempre no meu coração, que enterrei na Rua Iracema Carvão Nunes.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Por que o Conselho Nacional de Educação retirou Acupuntura do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos? Medida causa prejuízos


RAY CUNHA
raycunha@gmail.com

BRASÍLIA, 4 DE FEVEREIRO DE 2019 – Em 2008, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) criou o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT), incluindo Acupuntura. Mas, em 5 de dezembro de 2014, o então presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Luiz Roberto Alves, publicou Resolução atualizando e definindo novos critérios para a composição do catálogo, e disciplinando e orientando os sistemas de ensino e as instituições públicas e privadas de educação profissional e tecnológica quanto à oferta de cursos técnicos de nível médio.

A exclusão de Acupuntura do catálogo causou prejuízos financeiros e profissionais em todo o Brasil. Ao desqualificar os cursos técnicos de Medicina Tradicional Chinesa (MTC), ou Acupuntura, as secretarias de Educação dos estados e do Distrito Federal começaram a empurrar com a barriga a publicação dos nomes dos alunos matriculados em cursos técnicos de MTC antes de 5 de dezembro de 2014, à medida que iam se formando.

A Escola Nacional de Acupuntura (ENAc), de Brasília/DF, por exemplo, quase fecha as portas, pois dezenas de alunos cancelaram o curso após a resolução do CNE. Fundada em 2000, A ENAc sempre foi reconhecida pelo MEC e credenciada pela Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEE/DF).

Porém, desde o segundo semestre de 2016, a SEE se recusa a publicar no Diário Oficial do DF mais uma lista de alunos matriculados antes da resolução do CNE e que já concluíram o Curso de Medicina Tradicional Chinesa. Além do histórico escolar, a ENAc emite também uma declaração de conclusão do curso, mas depende da SEE para a entrega do diploma. Cansados de esperar pela boa vontade do órgão público, alguns alunos já entraram com ação na Justiça.

Esses alunos concluíram um dos melhores cursos técnicos de Medicina Tradicional Chinesa do país, com 2.080 horas/aula e 440 horas de estágio ambulatorial, num total de 2.520 horas/aula, em conformidade com orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), além de apresentação de trabalhado de conclusão de curso. As aulas eram diárias e presenciais, com 4 horas/aula de segunda a sexta-feira.

ATO MÉDICO – Por conta do silêncio do MEC, que jamais deu explicações sobre a retirava da Acupuntura da lista de cursos técnicos, desconfia-se que o Ato Médico tenha alguma coisa a ver com isso. O Ato Médico é como ficou conhecido o Projeto de Lei do Senado 268/2002/Projeto de Lei 7703/2006, que regulamenta o trabalho do médico.

A então presidente Dilma Rousseff sancionou o Ato Médico com vetos. Mesmo assim profissionais da área da saúde ainda desconfiam que os médicos querem controlar tudo, até a Acupuntura, que nada tem a ver com medicina ocidental, ou alopática. Nos meios dos acupunturistas, corre a tese de que os médicos estão fazendo cursinhos de acupuntura de fim de semana para reservaram o mercado da Acupuntura, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) como nos planos de saúde.

Diga-se, a Medicina Tradicional Chinesa é milenar e se baseia no taoísmo; para alguém praticá-la é necessário que saiba pelo menos o que é Yin e Yang. Outra coisa: a MTC trabalha diretamente em meridianos energéticos, que se encontram no corpo etéreo, um corpo sutil que a ciência não reconhece.

Entrei em contato com o secretário da Presidência do Conselho Nacional de Educação, sr. Lindomar Junio, no dia 28 de janeiro, solicitando-lhe que me encaminhasse no sentido de obter esclarecimentos sobre os critérios utilizados na resolução do CNE, relatando-lhe toda a situação exposta nesta matéria. Ele prometeu encaminhar o assunto; continuo aguardando.

Também entrei em contato com a Assessoria de Comunicação Social da SEE/DF sobre o silêncio do órgão. Resposta: “A Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE/DF) informa que foram verificadas irregularidades no percurso escolar da maioria dos estudantes da Escola Nacional de Acupuntura (ENAC), o que comprometeu a validação de estudos de todos os alunos considerados concluintes pela instituição. A Gerência responsável pela publicação já orientou a instituição quanto aos procedimentos necessários para a publicação dos nomes daqueles alunos que tiveram seus estudos validados. A ENAc não mais possui credenciamento com esta Secretaria de Educação e seu atual funcionamento não permite a oferta de cursos técnicos, somente cursos livres que dispensam autorização deste órgão”.

Fato: Os alunos que começaram a fazer o curso da ENAc antes de dezembro de 2014 têm direito adquirido ao diploma técnico. A desqualificação da prática da Acupuntura ocorre num momento em que a profissão está prestes a ser regulamentada no Congresso Nacional, ou por meio do Projeto de Lei 1.549, de 2003, do deputado Celso Russomanno (PRB/SP), que se encontra na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara, ou por meio do Projeto de Lei 174, de 2017, do Senado, que se encontra na Comissão de Assuntos Sociais da casa.

O projeto do deputado Celso Russomanno apresenta um problema. O relator, deputado Hiran Gonçalves (PP/RR), é contra. Médico, ele acha que somente médicos devem praticar a Acupuntura, apesar de que audiência pública na CCJC mostrou que a filosofia, as técnicas e a prática da medicina alopática, ou medicina ocidental, não tem nada a ver com Medicina Tradicional Chinesa, ou acupuntura, como é conhecida no Brasil.

As entidades que reúnem terapeutas em MTC e práticas integrativas em saúde vêm se mobilizando para impedirem a barbaridade de travarem o projeto de Russomanno. O Brasil rema contra a maré, pois em todo o mundo, especialmente nos países mais ricos do planeta, quem pratica acupuntura são acupunturistas – médicos também, quando submetem-se a cursos de MTC, principalmente curso técnicos, ou faculdades de Medicina Chinesa.

Enquanto a medicina alopática cuida de órgãos, com medicamentos farmacêuticos e cirurgia, a acupuntura cuida do ser humano na sua integralidade: corpo, comportamento e espírito, e a ciência não acredita na existência do espírito.