RAY CUNHA
BRASÍLIA,
20 DE MAIO DE 2023 – No livro Elucidações
do Além, o espírito Ramatis, psicografado pelo médium Ercílio Maes, revela
que a aura de Grigori Yefimovich Raspútin era suja, negra como óleo queimado,
típica de pessoas primitivas e de baixo nível moral, um espírito maligno,
atrasado. O espírito Ângelo Inácio, psicografado por Róbson Pinheiro, afirma
que Raspútin é uma entidade de alto nível no reino das trevas, especialista em
política internacional, fomentando intrigas e guerras, reencarnando de vez em
quando com missão específica, trabalhando para forças do atraso espiritual. Raspútin
está encarnado atualmente no Brasil. Mas em quem?
São
Petersburgo, Rússia, novembro. Jorge Bessa começou a contar, sentado no pátio
da sua casa, no Lago Norte. Do jardim, vinha uma brisa refrescante, e seu cão,
um enorme pitbull, dormia. Bessa chefiou a Diretoria de Contrainteligência,
responsável pelo Contraterrorismo e pela salvaguarda de documentos sigilosos do
Estado, da antiga Secretaria de Inteligência da Presidência da República, atual
Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Fala fluentemente russo, a ponto de
ter servido como espião baseado na Embaixada do Brasil em Moscou, durante a
Guerra Fria. Seu interesse pela língua russa surgiu por uma razão singular: ele
foi agente da Okhrana, a polícia secreta responsável pela segurança do tzar
Nicolau II e a Família Imperial, encarnação na qual conviveu com Raspútin, o
Mago Negro da Rússia.
– A neve
cobria a cidade. Mesmo assim, resolvi dar um passeio ao cair da noite naquela
cidade na qual eu me sentia estranhamente em casa. Hospedara-me em um hotel na
Nevsky Prospekt, a principal avenida de São Petersburgo, que começa na Praça do
Palácio, entre o Almirantado e o Hermitage, e termina no Mosteiro de Alexander
Nevsky. Ela foi planejada pelo tzar Pedro, o Grande. Fazia muito frio, por isso
procurei um bar, onde pudesse tomar uma boa talagada de vodka. Um chocolate
quente também cairia bem. Aí, divisei uma lanchonete, mas estava fechada. Mesmo
assim fui atraído para lá e chamei várias vezes, sem obter resposta. Continuei
caminhando, mas alguma coisa me fez retornar e chamar novamente na lanchonete,
inutilmente. Voltei a caminhar. Mas novamente algo me fez retroceder. E bati de
novo à porta, com mais vigor, e então surgiu o rosto de uma mulher, avisando-me
do óbvio, que o estabelecimento já estava fechado.
Bessa deu uma
golada no seu drink de suco de taperebá com uma aguardente caseira, do sul de
Minas.
– Porém, ela
percebeu que eu era estrangeiro e que poderia pagar em dólar, o que a levou a
abrir a porta e me atender. Preparou um chocolate quente e começamos a
conversar como se nos conhecêssemos de muito tempo. Chamava-se Elizavieta. De
repente, ela perguntou se eu conhecia a história da Rússia. Respondi,
surpreendendo a mim mesmo, que conhecia a história da Rússia melhor do que a do
Brasil. Ela perguntou se eu sabia alguma coisa sobre Raspútin. Sim! Aí, ela me
convidou para entrar na casa e me conduziu a um quarto, mobiliado com
simplicidade, com móveis antigos.
– Quando
Raspútin chegou a São Petersburgo vinha sempre aqui para receber mulheres e
transar neste quarto – disse Elizavieta.
Raspútin foi
peça-chave na Rússia tzarista, participando ativamente do advento mais maléfico
da história daquele país, e do planeta. Com o assassinato do tzar Nicolau II,
os revolucionários russos chegam ao poder e instalam o comunismo na Rússia,
criam a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS, decretam o ateísmo
de estado e começam a exportar o regime comunista para todo o mundo. Grigori
Yefimovich Raspútin, o Monge Louco da Rússia, encarnou com o objetivo de
destruir o Império Russo, que se tornou a Terceira Roma após a tomada de
Constantinopla, em 1453, quando assumiu a liderança do Cristianismo Ortodoxo
Oriental.
Raspútin era o
anti-Cristo, um agente das sombras, com a missão, disfarçado de homem santo, de
preparar o terreno para a eclosão de um dos eventos mais sangrentos e
duradouros deste planeta de expiação: o comunismo, riscando Deus e as religiões
do coração e das mentes do povo e escravizando-o sob o tacão dos tiranos.
Na passagem do
século XIX para o XX, o mundo era ainda cheio de misticismo. Na Rússia,
andarilhos esfarrapados eram considerados santos, e bastava que loucos se
declarassem em contato direto com Deus para serem venerados e granjear
seguidores ávidos por uma intermediação com Deus. A Rússia, a Terceira Roma,
era o lugar e o momento certos para a semente do mal germinar e arrasar com a
Humanidade.
Grigori
Yefimovich Raspútin, que mudou seu nome para Grigori Yefimovich Novykh, veio ao
mundo em 22 de janeiro de 1869, no povoado de Pokrovskoye, próximo à cidade de
Tyumen, em uma família de roceiros. Seu sobrenome, Raspútin, era comum na
Sibéria; trata-se de uma derivação de “rasputiye”, que tem o emblemático
significado de “encruzilhada”. Para se ter uma ideia do apreço que seus
conterrâneos tinham a Raspútin chamavam-no de Rasputstvo, que significa “libertinagem”.
Chegou a frequentar a escola e aprendeu a ler, e leu a Bíblia e outros
livros religiosos nas suas peregrinações por diversos mosteiros. Chegou a ir à
Grécia e à Jerusalém, vivendo da doação dos fiéis, que consideravam santos
esses peregrinos.
Aos 19 anos,
casou-se com Proskovya Fyodorovna Dubrovina, com quem teve quatro filhos. Mas
Raspútin gostava mesmo era de bebida alcoólica e de mulheres. Sua aparência era
repugnante, os cabelos e a barba desgrenhados, porém seu olhar era hipnótico,
exercendo poder magnético sobre as mulheres, que o desejavam e se entregavam a
ele.
Raspútin era
de estatura mediana, musculoso e magro. Seus braços eram desproporcionalmente
longos, e, exatamente onde sua cabeleira desarrumada começava a crescer, havia
uma grande cicatriz. Parecia ter uns quarenta anos e, com seu caftan, calças
largas e botas de cano alto, parecia exatamente o que era – um camponês. Ele
tinha um rosto baixo e comum, emoldurado por uma barba desgrenhada, feições
grosseiras e nariz comprido, com pequenos olhos cinzentos e embaçados sob as
sobrancelhas grossas. Embora afetasse um comportamento livre e fácil, alguém o
sentia doente e suspeito. Parecia estar constantemente observando a pessoa com
quem estava falando.
A escritora
Elena Dzhanumova deixou suas impressões sobre Raspútin:
– Que olhos
ele tem! Você não pode suportar seu olhar por muito tempo. Há algo de difícil
nele; é como se você pudesse sentir a pressão física, embora seus olhos às
vezes brilhem com bondade, mas quão cruéis eles podem ser e quão assustadores
na raiva.
O
major-general Konstantin Ivanovich Globachev, que foi chefe da Okhrana, a
polícia secreta tzarista, em Petrogrado, nos dois anos anteriores à Revolução
Russa de 1917, conheceu Raspútin, em 1915, e deixou suas impressões no seu
livro The Truth of the Russian
Revolution: The Memoirs of the Tsar's Chief of Security and His Wife.
– Sua
aparência era bastante áspera e séria. Seus movimentos tendiam a ser bruscos.
Ele tinha uma voz suave e agradável, e seu discurso era o de um camponês comum,
mas inteligente. A única coisa que não era agradável nele era que, quando ele
falava com alguém, ele não os olhava nos olhos. Seus profundos olhos cinzentos
disparavam para frente e para trás através da sala. Ele não me impressionou
como uma pessoa dotada de um dom especial de profecias, como algumas pessoas
afirmavam, mas não havia dúvida de que este era um homem com uma vontade forte,
capaz de subordinar os outros à sua vontade; assim, ele me parecia um camponês
comum, mas inteligente.
Globachev
também se refere à influência que Raspútin exercia sobre as mulheres.
– A crença na
santidade de Raspútin era tão forte que as mulheres beijavam suas mãos, tiravam
comida de suas mãos sujas e toleravam de bom grado seus insultos e grosserias,
considerando-se especialmente afortunadas com isso. Raspútin sempre foi
afetuoso e terno com as novas mulheres que conhecia, a quem ele se referia como
ainda não salvas, mas era especialmente rude com aquelas com quem já era
íntimo. Não acho que ele favorecia uma mulher em detrimento de outra; ele não
demonstrou nenhum amor verdadeiro por nenhuma de suas amantes. Sua atração por
mulheres era simplesmente luxúria e depravação. Muitas vezes, quando estava
entediado com seu harém de voluntárias, ele recorria a prostitutas de rua.
Entre aquelas mulheres com as quais não tinha uma relação íntima, ele tentava
seduzi-las com afeto e com sua habilidade de apelar para suas almas, criando
uma aura de sua santidade e uma crença cega nele.
O primeiro-ministro
do tzar, Piotr Arkadievich Stolypin, também descreveu Raspútin no dia em que o
conheceu.
– Ele correu
atrás de mim com seus olhos brancos leitosos e proferiu algumas citações
enigmáticas e desconexas da Sagrada Escritura, gesticulou com as mãos de uma
forma estranha, e senti despertando em mim uma aversão insuperável àquela
monstruosidade sentada à minha frente. Mas entendi que essa pessoa possuía um
grande poder de hipnose e que estava me dando uma impressão moral bastante
forte, embora de repulsa.
Raspútin
tentava o tempo todo hipnotizar as pessoas. Teffi, uma escritora russa bastante
sagaz, faz um registro no livro Tolstoy,
Raspútin, Others, and Me: The Best of Teffi, de 1924.
– E com um
movimento rápido e obviamente já treinado ele silenciosamente estendeu a mão e
tocou meu ombro. Como um hipnotizador usando o toque para direcionar a corrente
de sua vontade. Pelo seu olhar atento pude ver que ele sabia exatamente o que
estava fazendo.
Teffi
permaneceu indiferente.
– Um espasmo
percorreu seu ombro e ele soltou um gemido baixo. Rapidamente e com raiva ele
se afastou de mim, como se de uma vez por todas. Mas um momento depois ele
estava se inclinando para mim novamente.
De novo tentou
agarrá-la e, ao ser repelido, outro espasmo percorreu seu ombro e ele soltou um
gemido baixo. A cada vez que ele sentia que seu poder encontrava resistência,
que a corrente energética de sua vontade não estava penetrando no alvo, ele
sentia uma dor física. Ele tentava esconder tanto os espasmos em seu ombro
quanto seu estranho gemido. A voz misteriosa, a expressão intensa, as palavras
de comando, tudo isso fazia parte de um método experimentado e testado pelo
mago negro, despertando nas pessoas uma mistura de curiosidade e medo, um desejo
agudo de participar desse estranho mistério, ou seja, as pessoas queriam crer e
serem hipnotizadas. Com efeito, só se pode hipnotizar as pessoas
impressionáveis e que aceitam a hipnose; não se pode hipnotizar quem não o
deseja.
O fato é que a
aparência de Raspútin dependia da afeição ou da aversão de quem o via. Sujo,
rude, de mau hálito, cabelos desgrenhados e mal-vestido, para uns; limpo e bem
vestido, dentes impecáveis e hálito agradável, e modos gentis, para outros. Mas
um relato importante, pela sua agudeza de percepção, é o de Joseph Vecchi, no
livro The Tavern is my Drum,
publicado na Inglaterra em 1948. Uma festa foi encomendada por uma certa
princesa para homenagear Raspútin. Cerca de doze senhoras aristocratas
acompanhadas por suas jovens e lindas filhas reuniram-se para homenageá-lo.
Nenhum convidado do sexo masculino deveria estar presente. Vecchi comandou o
famoso restaurante francês no Astoria Hotel em São Petersburgo e, para atender
bem o homenageado famoso, durante dias ele esteve ocupado organizando os
salões, enchendo-os de flores, planejando o menu e investigando os pratos
favoritos de Raspútin, orientado pelo chef da corte.
– Por fim, uma
carruagem fechada parou à porta e o gênio do mal da Rússia chegou! Ele deslizou
pela porta principal do hotel com uma rapidez desconcertante e, quando me
inclinei, ele me encarou. Recebi um choque definitivo, mas consegui controlar
minhas emoções. Então este era o homem de quem toda a Europa falava; que
segurou a Rússia firmemente nas garras da superstição e do terror; o puxador de
cordas do arco nos bastidores. Este homem alto e magro com a barba suja e
desarrumada, encimada por um nariz adunco como o bico de uma ave de rapina, e
os olhos fulgurantes e brilhantes de um hipnotizador, ou mestre charlatão – Vecchi
escreveu. – Cabelos escuros caíam em torno de suas orelhas e uma mecha
desgrenhada caía sobre um dos olhos. Sua pele estava cinza de sujeira, seu
casaco comprido grosso com graxa, e suas mãos, movendo-se em um gesto rápido e
impaciente para minhas palavras de saudação, estavam sujas, com unhas roídas e
enegrecidas. Em toda a sua pessoa havia algo de repulsivo, e isso não se devia
apenas à impureza geral de seu corpo e vestimenta, mas sim como se ele exalasse
uma aura de algo mau e sórdido. E, no entanto, apesar de tudo isso, havia uma
certa qualidade de peso nele que me impressionou, mesmo naquele momento
relâmpago. Não consigo definir o que quero dizer, mas uma aura de grande poder
o cercava. Ele parecia (na falta de um termo melhor) estranho e alheio ao resto
da humanidade. Diz-se que as pessoas trazem em seus rostos a marca de sua alma;
e embora fosse certo que Raspútin não era um homem bom, ninguém que o visse
pela primeira vez poderia ter duvidado de que ele era um homem poderoso. Um ser
que, para o bem ou para o mal, teria seu efeito sobre todos e tudo com que
entrasse em contato... e agora, como o petrel tempestuoso que anuncia a vinda
da fúria dos elementos, a sombra do russo caíra agora sobre o Hotel Astoria.
Arremata
Joseph Vecchio:
– Ao longo da
noite o comportamento de Raspútin foi intolerável... Não consigo encontrar
palavras para mitigar ou desculpar seu comportamento nojento. Quando ele comia
era como um animal usando seus longos dedos parecidos com garras em vez de faca
e garfo, agarrando a comida em seu prato e se empanturrando de uma forma muito
vulgar, sem levar em conta os sentimentos das senhoras cultas que estavam à
mesa com ele.
Raspútin
aliviava a alma dos danados que o procuravam por meio de mais danação, na
orgia.
– Só através de
mim que você pode esperar ser salvo; a forma da sua salvação é esta: você deve
estar unido comigo em corpo e alma; a virtude que sai de mim é a fonte de luz a
destruir o pecado – pregava.
Assim, atraiu
muitos seguidores, que consideravam a doutrina da bacanal altamente
interessante, pois além de satisfazer suas necessidades sexuais ainda lhes
garantia uma vaga no céu.
Mas agora vou
falar um pouco sobre Nicolau II, o último tzar da Rússia. Ele nasceu no Quarto
Azul do Palácio de Alexandre, no dia 6 de maio de 1868. Foi um homem fraco,
talhado para pôr fim a um dos maiores impérios que já houve sobre a face da
Terra. Apaixonado por sua mulher e filhos, foi marido e pai exemplar. Tímido,
refugiava-se na vida doméstica e no contato com a natureza. Cresceu em um
ambiente extremamente conservador, pois seu pai, o tzar Alexandre III, destruiu
as reformas liberais iniciadas por seu avô, Alexandre II. O documento Diários e Cartas – Nicolau II – O último
tzar da Rússia dá conta de que ele recebeu excelente educação, pois seus
pais vislumbraram que os desafios que enfrentaria no século XX seriam
completamente diferentes dos do século XIX. Desprovido de senso político, era
de uma obediência cega à Igreja Ortodoxa Russa e tinha firme convicção de que a
autocracia era a forma mais eficaz de governo, guiando-se pela recomendação do
apóstolo Paulo: “Todos devem sujeitar-se às autoridades superiores, porquanto
não há autoridade que não venha de Deus; e as que existem foram ordenadas por
Ele. Portanto, quem se recusa a submeter-se à autoridade está se colocando
contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação
sobre si mesmos. Porque os governantes não podem ser motivo de temor para os
que praticam o bem, mas para os que fazem o mal. Não queres sentir-se ameaçado
pela autoridade? Faze o bem, e ela o honrará. Pois ela serve a Deus para o teu
bem. Mas, se fizerdes o mal, teme, pois não é sem razão que traz a espada. É
serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal. Portanto é
imprescindível que sejamos submissos às autoridades, não apenas devido à
possibilidade de uma punição, mas também por causa da consciência. Por esta
razão, igualmente pagais impostos; porque as autoridades estão a serviço de
Deus, e seu trabalho é zelar continuamente pela sociedade. Dai a cada um o que
lhe é devido: se imposto, imposto; se tributo, tributo; se temor, temor; se
honra, honra. O amor no mundo agonizante”.
A esposa de
Nicolau era uma princesa alemã chamada Alice Victoria Helena Louise Beatrice de
Hesse-Darmsdat, que, ao se tornar tzarina, recebeu outro nome, Alexandra
Feodorovna. Era odiada pela corte e pela população, pela sua origem alemã,
tinha dificuldade em se expressar em russo e crença inabalável em Raspútin.
Também era tímida. E hemofílica. O Casal Imperial já havia gerado quatro
filhas, mas a falta de um filho tirava a paz da tzarina, pois no sistema
monárquico de governo na Rússa tzarista o poder era transferido por herança
estritamente ao filho, independentemente de seus traços de caráter ou doenças.
Portanto, para a continuidade da Dinastia dos Romanov era necessário o
nascimento de um herdeiro. Finalmente, em 12 de agosto de 1904, nasceu Alexei
Nikolaevich Romanov, o tzarevitch, príncipe herdeiro do tzar. Mas Alexei nasceu
com hemofilia, uma patologia conhecida então como a Doença dos Reis, fatal no
início do século 20. A tzarina herdara a hemofilia da rainha Victória da Grã
Bretanha, de quem era neta.
Alexei sofreu
muito. Se ele batia com a cabeça ou batia com a mão ou o pé em uma cadeira ou
mesa o resultado era um inchaço azul, doloroso e duradouro. Às vezes, gritava
dia e noite, desesperando quem o escutava. Não podia andar de bicicleta nem
jogar tênis; não podia fazer quase nada. Foi então que Raspútin entrou no jogo.
Já gozando da fama de curandeiro, em uma sociedade extremamente mística e
supersticiosa, foi apresentado pelo bispo Theophan, confessor de suas
majestades, à princesa Militza Nikolaevna da Rússia, também conhecida como
Milica de Montenegro, filha do Rei Nicolau I e esposa do irmão mais novo do
grão-duque Nicolau Nikolaevich, o grão-duque Pedro Nikolaevich da Rússia, neto
do tzar Nicolau I da Rússia, que foi o general comandante em chefe dos
Exércitos Russos na frente de combate principal por ocasião da Primeira Guerra
Mundial, sendo depois substituído pelo próprio tzar Nicolau II. Com a morte de
Militza, o grão-duque se casou com a irmã dela, a princesa Anastásia do
Montenegro. Ambas, muito interessadas em ocultismo, eram figuras influentes na
corte. Foi assim que as irmãs apresentaram a solução salvadora para o caso de
Alexei: um curandeiro siberiano que estava fazendo sucesso em São Petersburgo,
o santo que salvaria o príncipe. Em 1 de novembro de 1905, a grã-duquesa Milica
recebeu em sua casa o casal imperial, apresentando a Nicolau e Alexandra o
fabiano que precedeu o comunismo, o Monge Louco da Rússia em pele de cordeiro:
Raspútin. A tzarina havia se tornado uma mulher muito, muito devotada e vivia,
com frequência, em estado de exaltação religiosa, e Anna Vyrubova, sua dama de companhia
e confidente, já era, então, uma verdadeira escrava espiritual de Raspútin. Foi
dessa forma que o agente do inferno foi introduzido na corte. O resto foi
fácil. Acabou sendo chamado, em 16 de julho de 1907, para atender o filho do
casal imperial, então com três anos de idade, que sofrera um sério acidente com
hemorragia interna e encontrava-se em estado desesperador. Machucara-se na
banheira, o que causou hemorragia interna, dor aguda e febre. Alexei estava à
beira da morte e somente um milagre o salvaria. Foi aí que a tzarina se lembrou
de Raspútin, que se encontrava em Pokrovskoe, na Sibéria, e pediu a Anna
Vyrubova que lhe telegrafasse pedindo-lhe que rezasse pelo menino, o que foi
feito. Raspútin respondeu ao casal imperial: “Deus ouviu suas preces. Não se
aflijam. O pequenino não vai morrer. Não deixem que os médicos o incomodem
muito”.
No dia
seguinte, a hemorragia estancou e o tzarevich começou a se recuperar. A partir
daquele momento, a fé da imperatriz em Raspútin se tornou inabalável e o casal
imperial passou a pedir constantemente orações a Raspútin. Um dia, o tzarevich
foi acometido de uma hemorragia nasal e novamente se encontrava à beira da
morte quando, em desespero, a imperatriz chamou Raspútin. Ele entrou no quarto,
fez o sinal da cruz sobre a cama, olhando atentamente para a criança moribunda.
– Não se
assustem, nada vai acontecer – disse.
A criança
adormeceu e no dia seguinte sentia-se como se nada houvesse acontecido.
Raspútin
passou então a residir em um apartamento na rua Gorokhovaya – uma das
principais vias do centro de São Petersburgo –, onde recebia de camponeses a
aristocratas, que iam atrás de vantagens materiais – dinheiro ou indicação para
cargos públicos ou promoções. Sempre que podia, seduzia mulheres e fornicava
ali mesmo.
O Mago Negro
da Rússia lembra-me Adolf Hitler. Ambos, em curto espaço de tempo, uma década e
dois anos, conseguiram mudar o curso da História. O espírito Ramatís esclarece
que o prana, ou Qi, ou bioeletromagnetismo, ou bioenergia, a essência vital,
que em pessoas espiritualizadas apresenta uma tonalidade dourada, em pessoas de
instintos primitivos e atividade psíquica de baixo nível moral e espiritual
mostra-se enegrecida, caso de Raspútin e Hitler. Ramatís esclarece ainda que
Raspútin desenvolveu o centro psicoenergético, ou chakra básico, que se
localiza na base da espinha, avivando o fogo kundalíneo, proporcionando-lhe
poder sobre as mulheres e também poderes de cura. Os grandes mestres do Yoga
esclarecem que ao ativar o chakra kundalíneo isoladamente libera-se uma energia
que conduzirá à satisfação de todas as paixões, mas o preço é alto, pois leva à
explosão do orgulho e do sensualismo, empurrando o indivíduo à realização de
seus mais negros caprichos. Ramatís esclarece ainda que o fogo kundalíneo, muito
utilizado nas antigas escolas de magia negra da Caldeia, Assíria e Egito, era
manipulado por sacerdotes que se apresentavam como “serpente vermelha” ou
“filhos do dragão” e mantinham escolas secretas e atividades satânicas com o
objetivo de dominar a Terra, agindo contra as forças da luz.
Às vezes, de
tão bêbado, Raspútin não podia ir a palácio e estancava o sangue do tzarevich
apenas falando ao telefone. As crises que acometiam o tzarevitch Alexei
passaram a ser cada vez mais raras, alimentando a esperança de se realizar a
previsão de Raspútin, de que se Alexei chegasse aos 17 anos ficaria curado.
Porém, o Casal Imperial manteve o povo ignorante da doença do tzarevitch, o que
o levou a pensar que Raspútin é quem mandava no império, e a todo tipo de fantasia,
como a da tzarina ser amante de Raspútin, o que não era desestimulado pelo
Monge Louco da Rússia.
Em 1913, o
tzar Nicolau II celebrou o tricentenário da Dinastia Romanov, que governava há
três séculos, com mãos de ferro, um império que se estendia da Europa Central
ao Oceano Pacífico e do Ártico às fronteiras do Afeganistão, um sexto da
superfície do globo terrestre e povoado por cerca de 150 milhões de pessoas, de
mais de cem nacionalidades. Líderes socialistas exigiam reformas políticas. Mas
Nicolau II acreditava que o absolutismo era vontade divina e que ele era o pai
de todos.
A desgraça
veio com a entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial, que se estenderia de
1914 a 1918. Em 1914, Raspútin se mostrou contra a entrada da Rússia na
Primeira Guerra Mundial, afirmando que isso levaria o país à ruína. Isso
desagradava aos aliados – a Grã-Bretanha em especial –, pois a presença da
Rússia no front oriental contra a Alemanha era fundamental, já que isso
fragmentaria o poderio bélico dos alemães contra os britânicos. Na Duma, a
assembleia nacional russa, parlamentares, apoiados por membros da nobreza,
inclusive por mim, então encarnado como o príncipe Félix Yussupov, lançavam
violentos libelos acusatórios contra Raspútin. A tzarina Alexandra respondeu às
reclamações sobre o poder de Raspútin apresentando uma legislação que limitava
ainda mais o já restrito poder da Duma.
Em setembro de
1915, após várias derrotas, o tzar Nicolau II resolveu substituir o Grão-Duque
Nicolau Nikolaevich, seu primo e neto do tzar Nicolau I, no comando dos
exércitos russos na frente de combate principal, contra a Alemanha. Se o tzar
não tinha competência nem para comandar a Rússia em tempos de paz, sua
ingerência na guerra era garantia de afundar a Rússia. Pior, a tzarina Alexandra
ficou no lugar dele no comando do governo, o que significava que Raspútin é
quem passaria a governar o destino do país. Raspútin nomeava até ministro de
Estado, atendendo a quem melhor o pagasse. Entre setembro de 1915 e fevereiro
de 1917, a Rússia teve quatro primeiros-ministros, três ministros dos
Transportes e quatro ministros da Agricultura. Nenhuma nomeação importante era
feita sem a aprovação de Raspútin.
Pessoas sem
nenhuma qualificação, e até débeis mentais, eram apontadas para os mais altos
cargos, o que lembra, no Brasil, os governos do Partido dos Trabalhadores (PT),
tanto no nível federal como estadual e municipal. Ministros que criticavam
Raspútin ou que discordavam de suas ideias eram sumariamente demitidos.
Raspútin assumiu o comando de quase todos os aspectos do governo em São
Petersburgo, inclusive nos assuntos relativos à guerra. Examinava os planos
para as campanhas em perspectiva argumentando que necessitava de mais detalhes
para que pudesse orar por seu sucesso. Quanto aos exércitos russos, mal armados
e treinados, eram trucidados pelo inimigo. Em 1915, dois milhões de soldados já
haviam morrido no front. Nas cidades, rondava a fome, pois os trabalhadores do
campo serviam de bucha de canhão nas batalhas. As deserções ocorriam aos milhares.
O serviço de transporte e o fornecimento de alimentos e combustível foram
completamente interrompidos.
Assim, a
população começou a apoiar os soviets,
conselhos de operários, que acusavam Alexandra e Raspútin de atuarem
secretamente em favor do inimigo alemão e de corromperem o governo. Pior, o
povo começou a acreditar firmemente que a tzarina era amante de Raspútin.
Foi no palácio
do príncipe Félix Yussupov, às margens do rio Moika, que, na noite de 29 e
madrugada de 30 de dezembro de 1916, foi tramado o assassinato de Raspútin. Por
Yussupov, o conde Sumarokov-Elston, nobre russo de alta linhagem e herdeiro de
uma das maiores fortunas da Rússia, e o grão-duque Dmitri Pavlovich da Rússia,
primo de Nicolau e filho mais novo do grão-duque Paulo Alexandrovich. Dmitri
tinha sido noivo da filha mais velha do tzar, Olga Nikolaevna, mas o tzar
desconfiava de que ele era inclinado à homossexualidade, forçando o rompimento
do noivado.
Vladimir
Purishkevich era um político monarquista radical e extremista de direita,
conhecido por ataques contra judeus, socialistas e anti-monarquistas. Yussupov
já vinha acalentando o projeto de eliminação de Raspútin e, ao ouvir o discurso
de Purishkevich na Duma, achou que havia encontrado um parceiro à altura para
executar seu plano.
Em 3 de
novembro de 1916, Vladimir Purishkevich alertou o tzar Nicolau II sobre o
perigo que Raspútin representava para a coroa e sobre o descrédito que estava
rondando a monarquia, afirmando que sua influência sobre a tzarina o tornara
uma ameaça ao Império. Nicolau, como sempre fazia quando se tratava de
advertência sobre Raspútin, se fez de mouco.
– Um obscuro
mujique não governará mais a Rússia! – disse Purishkevich a Yussupov. –
Enquanto Raspútin estiver vivo não podemos vencer.
O príncipe
recrutou ainda o tenente Sergei Mikhailovich Sukhotin, um jovem oficial do
Regimento Preobrazhensky, e o dr. Stanislaus de Lazovert, amigo e médico de
Vladimir Purishkevich.
A partir daí,
aproximou-se de Raspútin, por quem nutria aversão, mas precisava ganhar a
confiança dele. Encontrou-o várias vezes durante os meses de novembro e
dezembro de 1916, alegadamente para tratamento de saúde. Convenceu Raspútin de
que não queria que sua família soubesse de sua amizade com ele e assim o
encontrava em segredo. Seduziu-o inventando que sua esposa, a belíssima
grã-duquesa Irina Alexandrovna, sobrinha do tzar, chegaria da Crimeia em meados
de dezembro, e queria avistar-se com Raspútin para pedir orientação sobre
problemas de saúde. Raspútin ficou interessadíssimo. Combinaram, então, que
Raspútin se encontraria com ela logo depois da meia-noite de 30 de dezembro,
após uma recepção no palácio do príncipe. Também foi combinado que Félix Yussupov
apanharia Raspútin e o deixaria de volta à casa dele.
Foi decidido
que o assassinato seria cometido entre a noite do dia 29 e as primeiras horas
da manhã do dia 30, pois o apartamento de Raspútin não era vigiado depois da
meia-noite pelos agentes da Okhrana. Yussupov apanharia Raspútin em seu
apartamento à meia-noite e meia. A isca seria minha bela esposa, a grã-duquesa
Irina Alexandrovna. O príncipe insinuou a Raspútin que ele poderia ter um
encontro íntimo com ela. Irina se recusou a participar do plano e permaneceu na
Crimeia, mas o plano continuou.
Por volta da
meia-noite de 29 de dezembro, Raspútin trocou de roupa, vestindo uma camisa
azul claro bordada com flores e calças de veludo azul. Havia combinado que o
encontro era confidencial, mas contou a todo mundo que o príncipe Félix
Yussupov iria apanhá-lo para levá-lo para uma noitada no seu palácio,
localizado defronte a uma delegacia de polícia no Canal Moika.
Já era 30 de
dezembro de 1916 quando o príncipe o levou ao seu palácio para tratar sua esposa
de um problema de saúde, insinuando que ele poderia transar com ela. O dr.
Lazovert serviu como motorista, usando o devido uniforme de chofer. Ao chegarem
ao palácio foram diretamente para o porão, que estava em preparativo para ser
transformado em sala de jantar. Raspútin começou a falar sobre a Primeira
Guerra Mundial, mas não comia nem bebia nada do que lhe ofereciam.
Na área
superior do palácio, Dmitri Pavlovich e Sukhotin tocavam músicas animadas em um
gramofone, enquanto os demais conversavam e faziam barulho como se estivesse
acontecendo uma recepção. Yussupov informou a Raspútin que Irina desceria assim
que seus convidados fossem embora. Raspútin gostava de vinho, especialmente o
Madeira. Misturaram cianeto de potássio, preparado pelo doutor Lazovert, ao
vinho, bem como a doces e salgados servidos ao Monge Louco da Rússia. Alguns
pastéis, arrumados estrategicamente, estavam sem veneno, para o príncipe comer,
e, assim, dissipar suspeitas.
Finalmente,
Raspútin começou a beber vinho e a comer os acepipes envenenados. Após duas
taças de vinho e alguns bolos e salgadinhos ele comentou que sentia uma leve
azia e começou a arrotar. Mas era tudo, embora a dose de veneno empregada desse
para matar vários homens. Estava claro que para acabar com aquele demônio só
mesmo com uma bala no coração. Assim, Yussupov empunhou o revólver de Dmitri
Pavlovich e desceu as escadas. Raspútin estava olhando para um lindo armário de
ébano.
– Grigory
Iefimovich, seria melhor você olhar para o crucifixo e orar – disse o príncipe,
antes de atirar.
Raspútin caiu
e depois de alguns minutos estremeceu convulsivamente, ficando imóvel. Os
demais desceram e comemoraram a morte de Raspútin. Foi aí que Yussupov percebeu
que o olho esquerdo de Raspútin começou a se abrir. O diabo que havia sido
envenenado e tinha uma bala no coração deve ter renascido dos mortos pelos
poderes do mal. Raspútin se levantou e correu na direção de Yussupov,
agarrando-o pelo pescoço e tentando sufocá-lo; Yussupov libertou-se e correu
escada acima.
– Ele ainda
está vivo!
Raspútin
correu pelo pátio tentando fugir. Purishkevich sacou sua arma e disparou duas
vezes contra ele, mas errou. E ante os olhos dos cinco homens o Monge Louco
abriu as portas e correu para fora do palácio, atravessando os jardins cobertos
de neve e deixando um rastro de sangue. Purishkevich tornou a atirar e Raspútin
caiu soltando um rugido. O doutor Lazovert o examinou detidamente e confirmou
sua morte. Na gelada madrugada enrolaram o corpo de Raspútin em um tapete, o
amarraram e colocaram pesos para que o corpo não flutuasse no rio Malaya Nevka,
perto da Ponte Bolshoi Petrovsky, em São Petersburgo, onde procuraram um buraco
no gelo para despejar o corpo.
Bom, houve uma
sexta pessoa envolvida na morte de Raspútin. Um inglês. Muito mais tarde, o
material sobre o assassinato foi analisado por meio de novas técnicas forenses
e foi aí que se descobriu que o corpo de Raspútin fora atingido por três tiros
de armas diferentes: a primeira, a de Félix Yussupov; a segunda, de Vladimir
Purishkevich; mas o tiro fatal, no centro da testa, saiu de uma Webley 455,
pistola geralmente utilizada por oficiais do Serviço de Inteligência Britânico,
o Secret Intelligence Service (SIS), também conhecido como MI-6. O tiro foi
dado por um oficial de Inteligência britânico, Oswald Rayner, que também estava
lá, no palácio. Félix Yussupov estudou com ele, em Oxford.
Pode-se dizer
que ele foi o primeiro 007. Se o casal imperial tivesse ouvido Raspútin e
permanecido neutro na Primeira Guerra Mundial, os alemães deslocariam mais 350
mil soldados contra os Aliados na Frente Ocidental. Contudo, a morte de
Raspútin viera tarde demais, pois ninguém destruiu tanto a imagem do tzar junto
ao seu povo quanto o Monge Louco. Em março de 1917, soldados desenterraram o
caixão com os restos mortais de Raspútin e o queimaram.
A polícia
apurou o caso. Assim que a notícia da morte de Raspútin se espalhou São
Petersburgo explodiu em regozijo. A besta foi morta, o gênio do mal já não
faria mais mal ao Império Russo. Em Moscou, o Hino Nacional foi executado em
vários locais, bem como a frase “Deus salve o tzar”. Membros da corte pediram
clemência ao tzar em favor do príncipe Félix Yussupov, considerando o
assassinato um ato patriótico, e no quartel-general do comandante supremo do
Exército todos se felicitaram com três beijos, como no dia da Páscoa, para
comemorar a libertação da Rússia do jugo do anticristo.
O príncipe Félix
Yussupov foi exilado por Nicolau II em Paris, onde viveu até os 80 anos,
desencarnando em 27 de setembro de 1967. Meses depois do seu exílio grande
parte da nobreza russa foi assassinada pelos revolucionários bolchevistas, os
comunistas. Três meses após o assassinato de Raspútin, Nicolau II foi forçado a
abdicar ao trono, e menos de dois anos mais tarde a família imperial e seus auxiliares
foram fuzilados, na madrugada de 17 de julho de 1918, atendendo a uma ordem
secreta de Vladimir Lênin, que seria o próximo, e mais sanguinário tzar.
Pois bem,
Raspútin reencarnou no Brasil. Mas em quem?
Este texto foi
adaptado do livro O CLUBE DOS ONIPOTENTES