domingo, 21 de fevereiro de 2016

Iasmim, meu amor!


Depois que tu nasceste, meu universo é só eternidade
A luz preencheu o navio da minha mente
O mar ancorou no porto da minha alma
E ouço, agora, o tempo todo, o som do éter

Depois que tu nasceste, jasmineiro eterno,
Doce música espraiando-se no espaço
A Terra é só primavera
Prenhe de crianças que voam como pássaros

E eu, que era um asteroide vagando,
Depois que tu nasceste, meu bem!
Tornei-me astro iluminado

De modo que já não vago por aí, andarilho sem rumo,
Sem aportar em parte alguma, como ninguém,
Pois desde que tu nasceste, sinto, de Deus, o triunfo!

Senti tua presença logo nos primeiros dias após tua concepção, pois Josiane, tua mãe, começou a ficar ainda mais bonita, a desabrochar como rosa grávida. Eu sentia no ar tua presença como a luz na alma; a música de Mozart nunca pulsou tão divina e o perfume da vida me extasiava. Eras tu que vinhas, para alegrar, para sempre, minha vida.

Logo o ventre da tua mãe começou a crescer. Eu o beijava e tu tentavas, lá do teu mundo uterino, tocar em mim. Os meses passavam e eu, agora, tinha duas namoradas. E queria também ficar juntinho do ventre da tua mãe, e líamos contos dos gênios da literatura infantil para ti. Abraçado à tua mãe, eu te sentia, e me sentia Deus. Já não criava somente personagens de ficção, mas estava prestes a ver o triunfo de uma criação perfeita.

Josiane ficou esplêndida, um santuário que eu beijava ajoelhado. Uma noite, 22 de fevereiro de 1990, o rio da tarde acabara de desaguar no Ocidente quando tu anunciaste que querias nascer. Joanira, um anjo que te acompanha desde sempre, levou tua mãe e eu ao Hospital Regional da Asa Norte, e, às 23h40, os jardins do mundo se iluminaram, pois nasceu um jasmim.

Na manhã do dia seguinte, fui te conhecer. Quando te vi, filha, senti uma emoção tão intensa que verti rubis azuis. Assim que te vi, recém-nascida, transferi para ti, para sempre, a firmeza das minhas mãos, a fortaleza dos meus músculos e pedras preciosas que escavei na minha alma. Pedi a Deus, meu Pai, que arrumasse a manhã para ti, a manhã da tua vida, e Ele, então, me muniu de luz, amor, sabedoria, gentileza, para que eu cuidasse de ti. E tu cresceste como botão que abre imperceptivelmente as pétalas ao sol, como um poema, cada vez mais azul.

Todos os anos te dou o mesmo presente, que sou eu. Pertenço à tua mãe, de quem tu fazes parte, e sou teu porque és parte de nós dois, por isso teu é o meu coração, que é o que me resta, pois nas histórias que te contei já te dei o mundo, e todos os jardins, e todas as rosas, e os girassóis de Van Gogh, e todo o perfume, e a música de Mozart.

Quando nasceste, ganhei asas, e minha mente quebrou todos os grilhões que me acorrentavam ao átomo, e o mundo rebentou em jardins se derramando. Tu és forte como os olhos dos bebês felizes, como pétalas ao sol, como o amor, porque nada temes, por isso és meu exército; basta evocar teu riso para sentir o sabor da imortalidade; o riso da tua infância, que guardo no meu coração, é minha perene alegria.

Tua beleza, que vai muito além do sorriso, nasceu da minha conjunção com a mulher amada, em explosões lá para os lados do Grande Atrator. Nasceste sob o signo da luz, no Lar do Progredir Infinito. Meu Pai me tocou com Seu hálito, e então criei a flor definitiva. E desde que nasceste, flutuo, e nunca mais parei de voar, principalmente agora, que me dás o combustível para eu cavalgar a luz. Sou anjo e leão porque tu és minha fé no triunfo das manhãs.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Suave é a noite

Ray Cunha retratado por Olivar Cunha em grafite
sobre tela para a capa do livro de poemas
SOB O CÉU NAS NUVENS - Belém, 1981

Estou só, na tarde. A tarde é prenhe de mistérios, que desvendo com um olhar para meu jardim. Ele ostenta uma rosa amarela, de Gabriel García Márquez. Visto uma camisa branca de algodão, calças e casaco azuis de linho, e sapatos pretos de couro. Meu rosto está bem barbeado e recendo a Chanel 5, amadeirado, e assim misturo-me aos murmúrios e cheiros da tarde. Fragrâncias de mar, vindas do meu coração, amalgamam-se ao ar prenhe do perfume das virgens ruivas. A tarde é azul, tão azul que escorre na tela que Olivar Cunha está pintando. Ouço os sussurros da tarde como o roçar dos lábios de uma mulher de olhos verdes.

Estou só, na tarde, pois minha amada viajou. Assim, navego no rio da tarde, sozinho, ao encontro da minha amante. Meus passos me levam a um café no Setor Hoteleiro Sul. Há tantas mulheres lindas no café! Duas conversam sentadas em um sofá. Uma é loira e seus olhos são azuis como a tarde; a outra é ruiva, e seus olhos se confundem com esmeraldas. Riem. Seus risos são cristalinos como crianças recém-lavadas, ao sol matinal da primavera. Conversam tão perto uma da outra que seus lábios, grandes e vermelhos, parecem uma dança. Degusto Mateus Rosé. Preparo-me para quando minha amante chegar.

A tarde agoniza. Morre como uma rosa, que, depois de se tornar a joia mais delicada, preciosa e bela do mundo, deixa um eterno rastro de luz. Assim desliza o rio da tarde. Logo a cidade será um transatlântico todo iluminado, e as criaturas mais esplendorosas do universo, que são as mulheres, espargirão seu perfume, como jasmineiros em tórridas noites em Belém do Pará.

Uma jovem mulher passa ao meu lado, quase roçando em mim. Volto-me para vê-la. É uma negra em vestido de seda, tal qual uma que vi na Estação das Docas, em Belém. Talvez fosse da Guiana Francesa, ou de Trinidad e Tobago, ou da Martinica. Falar em Martinica, se Hemingway estivesse aqui comigo eu o convidaria para pescar ao largo de Sucuriju, no Amapá. Bem que Fernando Canto poderia estar comigo nesta tarde, que morre. Mas o poeta tem suas próprias tardes, que são, certamente, prenhes do perfume das virgens ruivas, e mar. O poeta decifrou a dimensão da intensidade e tem olho clínico para o cheiro de maresia.

Não tenho nem um, nem outro, nem a mulher amada. Só me resta esperar mais um pouco para cair no colo da minha amante. Ela chega suavemente, e, quando a percebo, sua paradoxal luz ofuscante entra nos meus sentidos e me conduz à dimensão do primeiro beijo. Mas nunca estamos preparados. Minha amante é puro mistério, e é também amante de todos os homens, e, principalmente, de todas as mulheres. Ela é a mais bela das rosas: é a noite.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Mulher caminhando com a correia do sapato solta

Uma das trilhas mais aprazíveis em Brasília, para quem gosta de ruas movimentadas, é atravessar o Setor Comercial Sul e o Setor de Diversões Sul, o Conic, em determinados dias e horários. Ontem, de manhã cedo, mergulhei nas estreitas vias do setor, circundado por shoppings, cafés, restaurantes, hotéis, bancos, livrarias, pontos de ônibus e estações de metrô. É onde a cidade pulsa durante o dia, até certas horas da noite.

Nem bem comecei a travessia quando a vi. Caminhava como bailarina, equilibrando-se, elegantemente, sobre dois saltos incríveis. Os sapatos me chamaram de pronto a atenção porque um deles, o esquerdo, estava com a correia, que deveria abarcar o lindo tornozelo, solta. Acompanhei o desenho das pernas, longilíneas e intermináveis, até encerrarem-se em saia generosa. No conjunto, ela fazia justiça a um Boeing 747-400 aterrissando. Era linda, e até as mulheres se voltavam para apreciá-la mais um pouquinho.

Em certo momento andei mais depressa só para me voltar e ver seu rosto. Também era linda de rosto – ovalado e de traços marcantes, grandes olhos castanhos e sobrancelhas cerradas –, emoldurado por longos cabelos da cor dos olhos, entrelaçados em duas grossas tranças. Ia devagar, etérea, embora medisse (nisso, tenho olho clínico) 1,70 metro e pesasse 70 quilos, magnificamente distribuídos, pois sua barriga era uma tábua e os quadris e o busto, protuberâncias esculpidas por talentoso artista.

Atravessamos todo o Conic, ela, como uma princesa no seu passeio matinal; eu, o coração aos pulos. Ela era daquelas mulheres que se degusta durante horas com o olfato e o paladar antes que mergulhar nos seus abismos, e que, por isso, consome toda nossa energia. De repente, no semáforo da Rodoviária do Plano Piloto, paramos juntos, lado a lado; eu não aguentei mais, e a avisei, candidamente, que a correia do seu sapato estava solta. Ela me olhou e me deu o sorriso mais encantador do mundo. Murmurou algo, que de tão encantado não entendi, e continuou seu trote, agora conversando ao telefone com sua mãe, o que ouvi nitidamente.

Acordei com o despertador do meu telefone celular, às 5 horas. Levantei-me e depois de fazer a higiene fui preparar uma garrafa de café Três Corações, gourmet. Sempre que sonho com mulheres muito lindas dá tudo certo; o dia está uma beleza.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Mulher no chuveiro

Sentado no vaso, eu a observava através do vidro molhado que a isolava de mim, à distância de um metro, sob a ducha. Seus gestos eram langorosos. Lavou os cabelos com xampu, longamente, e depois se pôs a deslizar espuma de sabonete na sua pele. Abaixou-se e os quadris ficaram ainda mais bonitos. Levantou-se, os olhos fechados, talvez sonhando que corria, nua, sob a chuva, no meio do roseiral e das zínias, numa paleta de Van Gog. Se disserem que Van Gog pintava sol, saibam que tudo é possível nos sonhos.

Ela era tão jovem, e eu já então um sátiro, quando percorri pela primeira vez a relva do seu corpo, caminhos ensolarados, segredos que serão eternamente só nossos. Porém não maculei jamais o santuário que se abriu para os meus sentidos, e continuo me purificando sempre antes de recomeçar esta viagem, porque sei que o corpo é apenas a porta da alma.

Sozinha, imersa nos seus pensamentos de mulher feliz, ela sorriu. Agora, a água deslizava pelo seu dorso de jambo, e parou subitamente. Ela escorreu os cabelos, apanhou a toalha e começou a se enxugar sem pressa, esfregando-a levemente na sua alva pele de mulher negra.

Ver a mulher amada tomar banho, perceber seu quase imperceptível sorriso de felicidade, é uma fonte de prazer tão intenso quanto o acme dos sentidos. O sorriso de uma mulher feliz é um sinal de Deus.

Ela pôs um pé para fora do boxe, secou-o, e pôs o outro... só então percebeu minha presença, inclinou-se, num gesto gracioso, que somente às mulheres é possível, me beijou levemente na boca e saiu do banheiro. Levantei-me do vaso e fui fazer a barba.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Eu, velho


Eu vivia em Manaus, aos 21 anos. Não era nenhum Brad Pitt, mas tinha meu charme. Já publicara um livro de poemas, Xarda Misturada, juntamente com Joy Edson (José Edson dos Santos) e José Montoril, em Macapá, minha cidade natal; assinava uma coluna semanal, No Mundo da Arte, no jornal A Notícia; e frequentava o Clube da Madrugada. Media 1,64 metro e pesava em torno de 60 quilos. Como rachei lenha quando criança, eu era seco e musculoso. Mais tarde, joguei boxe, o que desenvolveu ainda mais o tônus; testa larga, olhar atento e entusiasmo pela vida são traços que se acentuaram ao passar dos anos. Naquela época, até mulher casada se ajoelhou aos meus pés; mulheres lindas entregaram-se, inteiras, a mim, deixando-me voar nos seus labirintos de mistérios. Eu podia ingerir comida estragada, beber sozinho uma garrafa de Pitú ao longo de um bate-papo, caçava, pescava, mergulhava noites inteiras nos insondáveis abismos das ninfas, e nada disso me abalava. Era o império do corpo. Hoje, já começo a vislumbrar a chave com a qual abrirei, finalmente, a porta, mágica, da luz.

Leio desde os cinco anos de idade, quando os gibis e a biblioteca do meu irmão mais velho, Paulo Cunha, me seduziram para sempre. Aos 14 anos, já lera Ernest Hemingway, Franz Scott Fitzgerald, Graciliano Ramos, Fiódor Dostoiévski, Jorge Luís Borges, livros de história e de geografia, enciclopédias, dicionários, bulas de remédio, e tudo o que me caísse às mãos. E frequentava a casa do poeta Isnard Brandão Lima Filho. Lia da mesma forma que comia, bebia e amava, como um leão, que tudo podia rasgar com as garras. Maduro, ao reler alguns livros da minha juventude, fiquei atônito. Descobri, neles, cheiros insuspeitos, ruas ainda não percorridas, personagens que, agora, puseram-se a contar coisas para mim.

Quanto fui iniciado nos segredos das criaturas mais deliciosas e enigmáticas do Universo, as mulheres, eu as tinha como quem mastigasse feijão com arroz. Hoje, depois que comecei a descer o morro da vida, navego a mulher amada com a sensação de um cataclismo de rosas colombianas vermelhas. Atingi a sofisticação de capturar a dança delirante de mulheres caminhando em vestido justo, de seda, e fazer uma mulher sorrir, produzindo, nela, o mesmo efeito do sol da primavera, sua feminilidade explodindo em estrelas e ela se sentindo, e se tornando, a mulher mais bonita do mundo.

Descobri que tempo e espaço são uma ilusão, que só há o agora e o agora, o momento mesmo da vida, que eu existo desde antes do princípio e existirei até depois do fim. A vida é uma eterna caminhada rumo ao Éter, à Luz, a Deus. Nesse trilhar, já quase não sou mais arrogante, procuro ser gentil e atencioso com todos, e cuido para que a mulher amada se sinta como a mais bela flor de um jardim esplendoroso. Já não faço questão de receber presentes, mas de distribuir as pedras preciosas que garimpei nos momentos mais perigosos da trilha, como os rubis azuis que depositei no relicário do meu coração. Não ambiciono nada além de uma rosa bem vermelha e o riso de uma criança. Também peço que o Universo me perdoe pelas ofensas que cometi, porque sei, na minha esperança, que basta um raio de luz para extinguir a treva. E não há nada que eu queira mais do que ouvir o riso da mulher amada.

Sinto a velhice como um mergulho infindável no abismo da poesia, uma caminhada permanente na primavera que se espraia no telhado da casa da minha infância, as zínias, as rosas, o jasmineiro embriagando o ar nas noites tórridas, a mangueira, o cajueiro, a seringueira, as paredes de tijolos deitados da Casa Amarela, sólida como um navio. Ouço os sabiás com redobrada atenção. Amam intensamente, de agosto até o início do ano seguinte. São os imperadores do verão, quando os galhos das mangueiras se curvam ao peso de mangas inchadas e doces como seios de mulher grávida. Levanto antes que os sabiás comecem o seu canto, às 3 horas, faço a ablução e preparo café, Três Corações, gourmet, que bebo com tapioquinha amanteigada, cuscuz ou pão integral com passas. Curto a alvorada certo de que Brasília está sempre à minha disposição, oferecendo-me mil possibilidades. Às vezes, sou favorecido com a sorte de atravessar o Setor Comercial Sul no momento mais redentor, em torno das 7 horas, ao meio de mulheres perfumadas, algumas com os cabelos ainda molhados, e há sempre uma com o perfume das virgens ruivas, cheiro de mar. Então, Aquele “que se revela na harmonia de tudo o que existe” (filósofo holandês Baruch Spinoza) inunda a alma. E quando ouço o Concerto para Piano e Orquestra, em Ré Menor (número 20, K 466), de Wolfgang Amadeus Mozart, sinto a Terra roçar o espaço, da mesma forma quando me desfaço ao acme e me transformo em leão de asas.

Hoje, não sinto mais a gana de quando tinha 21 anos. Naquela época, eu amava como leão e bebia como Hemingway, e me internava na noite, esta grande amante, armado apenas da beleza suprema da juventude. Agora, desarmado, arranco gemidos ainda mais altos da mulher amada, porque nas minhas mãos há luz. Também não mais dilacero a carne, embora minhas mãos tenham se transformado em tenazes de nióbio, que, porém, roçam a pele da mulher amada com a leveza de uma pétala. Não sinto mais o fluir da vida no tempo, mas como o grande rio, que escorre, ininterruptamente, para o Atlântico. A Terra, a lei da gravidade, aos poucos dá lugar à intensa luminosidade. Ouço murmúrios na tarde, ao encontro da noite, imensa como um navio todo iluminado. Uma negra em vestido de seda passa por mim e deixa um rastro de Chanel 5, o perfume embriagador das lágrimas dos jasmineiros imersos na canícula, sabor de Don Pérignon, safra de 1954, leite da mulher amada, e o cheiro, redentor, do mar. Algumas mulheres são o próprio mar, e, por isso, são inacessíveis.

Guardo, na memória do meu coração, um combustível eterno. Cada uma das mulheres que amei, e que, às vezes, fiz chorar (perdão!), cada jasmineiro que perfumou as ruas noturnas por onde vaguei, com seu choro ao calor das madrugadas, cada verso que escrevi, cada cidade que descobri, todos os voos que alcei, disso é minha têmpera. Hoje, levo uma vida estranhamente social, pois reúno-me também com meus antepassados, especialmente meu pai, João Raimundo Cunha, belo, majestoso, destemido, amado, e minha mãe, Marina Pereira Silva Cunha, a mais bonita, forte, corajosa e querida entre as mulheres. Às vezes, simplesmente os ouço, na prece.

Meus cabelos começaram a ficar grisalhos, cada vez mais ralos; a pele, aos poucos, exibe o resultado das intempéries, e as pessoas já me olham desconfiadas. Não bebo mais, depois de 43 anos mergulhado no álcool, como uma poça que se avolumou e começa a secar. Ouço, agora, o silêncio da madrugada, emociono-me ao ver crianças, rosas, uma estrela. Não sinto apego a mais nada; só tenho meu coração. Minha riqueza é imensa, pois à minha passagem os jardins florescem, as crianças riem e a luz triunfa.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Depois da sessão de autógrafos



A sede do Banco Central é um dos edifícios mais altos de Brasília, um caixote negro de 101 metros, com 26 pavimentos, sete abaixo do solo. Pode ser visto à distância, como uma referência ao coração da cidade, um bolsão que abarca também a Rodoviária do Plano Piloto, o Conjunto Nacional, o Conic e os setores Comercial e Hoteleiro Sul e Norte. O Monardo Gastronomia e Cultura é um restaurante e cafeteria atrás do Banco Central, na Rua 201 Sul, Bloco B, Loja 9, quase defronte ao Piantella. Estive lá, uma quinta-feira, autografando dois livros de contos: O Casulo Exposto e Trópico Úmido

Nós, escritores, somos como os pugilistas: da feita que subimos ao ringue estamos absolutamente sozinhos. Nada pode vir em nosso auxílio. Temos apenas que nos concentrar no filão que se apresenta, de onde podemos retirar pedras preciosas ou apenas cascalho, dependendo da luz ou do nevoeiro onde caminha nossa alma. Os escritores pouco conhecidos sentem-se, nas sessões de autógrafos, ainda mais sós. Estamos ali, expostos como animais no zoológico, tentando vender universos dos quais ficamos grávidos durante, às vezes, quase toda a nossa vida.

Mas do meu posto, duas mesinhas nas quais meu amigo Antonello Monardo me instalou, pude acompanhar a agonia da tarde, aquele momento de transição imperceptível, quando flocos negros começam a cair e a se acamar, iguais a neve, transparente e negra, flutuando como folhas mortas, anunciando o navio da noite.

Acompanhei também, do meu posto, o passa-passa das mulheres na calçada; algumas são tão lindas que causam sofrimento, porque são inacessíveis como as que só vemos nos grandes aeroportos, de madrugada, partindo para um país misterioso. Por isso, nunca estamos sós, pois há sempre rosas nuas nas esquinas do mundo. Temos apenas que desenvolver as antenas do éter para sentir a maresia, mesmo que o mar seja inacessível.

Simona Forcisi chegou de repente, iluminando tudo com seus olhos de esmeraldas, abraçou-me, redentora, e sentou-se à minha frente. Ela já conhece O Casulo Exposto e pediu-me para autografar Trópico Úmido – Três Contos Amazônicos. Simona, italiana de Turim, trabalha na Embaixada da Itália, em Brasília, onde se graduou em Literatura Brasileira. Conhecedora atenta dos idiomas de Giuseppe Tomasi di Lampedusa e Graciliano Ramos, pretende mergulhar na Amazônia do Trópico Úmido.

Quando Simona se foi, deixou um rastro de clorofila. Minha filha, Iasmim Cunha, me deu todo o apoio, fotografou-me e bateu papo com seu velho pai. E fomos pegar minha gata, Josiane, no Hospital Sírio Libanês, onde, como psicóloga, esparge luz. Ainda era cedo e paramos para comer sushi. Depois, retornamos para casa.