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sexta-feira, 14 de março de 2025

Em vez de se lamentar, Roberto Carlos se tornou o maior cantor pop e o mais rico do Brasil. Como disse o pintor Olivar Cunha: A vida é um tesão

Ray Cunha e Roberto Carlos (Foto: A NotíciaManaus, 1976)

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 14 DE MARÇO DE 2025 – Venho pesquisando a vida e o espírito há pelo menos dez anos, na condição de terapeuta em Medicina Tradicional Chinesa. Fiz muitas descobertas e obtive resultados maravilhosos junto aos meus pacientes. Como realizo trabalho voluntário, já atendi mais de mil pessoas, de todas as idades e condições sociais e de ambos os sexos, nesses dez anos. 

Descobri que a vida no corpo físico é apenas uma rápida experiência pela qual passam os espíritos humanos. O corpo humano é impermanente, foi projetado com data de validade. Contudo, somos seres mentais; a mente, ou o pensamento, é que controla o corpo. Quando ficamos ligados a emoções ruins há um descontrole mental e o corpo adoece. Algumas pessoas morrem e pensam que estão materializadas, e assim penam bastante tempo nas mesmas ilusões com as quais conviveram em vida. 

De modo que a vida material é toda ela monitorada pelo mundo astral, ou espiritual, que não enxergamos porque se manifesta em um estado sutil da matéria. Quando não sintonizamos com o mundo espiritual nossa mente se desequilibra e ficamos sujeitos à matéria, que muda o tempo todo, por isso é muito importante orar todos os dias e conversar com nossos antepassados, especialmente os pais, que são o que a Igreja chama de anjos. São os nossos antepassados iluminados que nos orientam na impermanência, até voltarmos ao astral. 

Por que é assim? Não sei! Mas é assim. 

Nas orações, devemos agradecer a todos, e se tivermos vontade de pedir perdão a alguém, peçamos, e digamos que já fomos, também, perdoados. 

No dia a dia, sejamos sempre gratos. O sentimento de gratidão nos ilumina. E jamais devemos reclamar, muito menos xingar os outros. Isso nos sintoniza com o fracasso. 

Devemos, também, nos afastar de pessoas interesseiras, invejosas, raivosas, vulgares, vampiros espirituais; elas nos impregnam de larvas cancerígenas sutis (que não conseguimos enxergar, mas que sentimos). 

Idade e doença só existem na mente. As doenças devem ser tratadas, mas nunca pensadas 24 horas por dia. Elas, na verdade, não são absolutamente nada. Com ou sem elas, vivamos. Roberto Carlos não viveu praticamente a vida toda sem uma perna? Isso não impediu que ele se tornasse o maior cantor popular brasileiro, o mais rico. O pedaço de perna que ele perdeu não levou seu talento. Todos nós temos uma missão que somente nós podemos realizar. Santa Rita de Cássia abençoou Roberto Carlos. 

Devemos mandar o medo desconhecido, que é sempre uma ilusão, para a puta que o pariu, e a depressão para a baixa da égua. 

Há muito a se fazer na vida. Ouvir boa música, ler amplamente, curtir as coisas que estão acontecendo, agora, ao nosso redor, viajar, mesmo que seja em sonhos. A vida é como uma negra de olhos verdes, ruiva, muito linda, tomando tacacá. É real? Pode não ser, mas é maravilhosa. Como disse o pintor amapaense Olivar Cunha: “A vida é um tesão!”

O pintor amapaense Olivar Cunha pintando Santa Rita de Cássia, padroeira do distrito de Conduru, em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, onde o pintor amapaense reside e vem restaurando imagens sacras e históricas da região. Só falta Roberto Carlos recebendo a bênção da santa. E marlins azuis

sábado, 21 de dezembro de 2024

O cânone literário do Amapá

O presidente da Academia Amapaense de Letras, Fernando Canto, doa à Biblioteca da Universidade Federal do Amapá um exemplar do romance JAMBU, de Ray Cunha. A Biblioteca Elcy Lacerda, de Macapá, também dispõe de livros de Ray Cunha, sócio correspondente da AAL em Brasília

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 21 DE DEZEMBRO DE 2024 – A identidade da literatura amapaense tem a ver com a história e a geografia do Amapá, que foi desmembrado do estado do Pará, em 13 de setembro de 1943, data que marca o início da migração de escritores paraenses para Macapá, a capital do Amapá, e, portanto, o início da nossa literatura, que começou paraense e, aos poucos, vai se tornando amapaense. 

Macapá, em 1943, era uma cidade ribeirinha marcada pelo seu principal cartão de visita: a Fortaleza de São José de Macapá, o maior forte colonial português no Brasil. Localizada no meio do mundo, seccionada pela Linha Imaginária do Equador, debruçada sobre o maior rio do planeta, o Amazonas, na margem esquerda do Canal do Norte, quando o gigante se posiciona para verter 200 mil metros cúbicos de água por segundo no Atlântico, Macapá é cercada pelo Mar Doce e a Hileia. 

Nas madrugadas caniculares de Macapá os jasmineiros choram perfume e merengue chega docemente aos ouvidos do coração, misturado a sons de mambo, vindos do Caribe, a Via Láctea parece uma projeção de planetário na noite azul-escuro e o álcool nos deixa mais sentimental ainda. Tudo isso acaba nos influenciando. E quando pegamos a estrada e demoramos a voltar à cidade natal, ela vai se tornando uma lembrança com vida própria. 

Cada escritor a vê as cidades que recria com os olhos do coraçã. O importante é que as veja honestamente. Assim, os livros que serão escritos, ensaios ou ficção, serão verdadeiros. 

Nós, do Amapá, somos muito jovens para entrar no cânone da literatura brasileira. Não temos sequer cânone amapaense. E, hoje, há o embate entre progressistas e conservadores. A academia, as instituições culturais e a mídia são dominadas pela Esquerda. Assim, resta aos conservadores a internet. Eu, por exemplo, sou ignorado pelo establishment de Macapá, mas sou lido em todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos, porque, além do meu blog (raycunha.com.br), tenho livros publicados no Clube de Autores, na amazon.com.br e na amazon.com 

Já temos Academia Amapaense de Letras (AAL), romancistas, contistas, cronistas, poetas e, recentemente, foi produzido o primeiro livro sobre literatura amapaense, a tese de doutorado, A Literatura do Amapá (Araraquara/SP, 2022, 534 páginas), do professor de Literatura da Universidade do Estado do Amapá (Ueap), Francesco Marino, pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara/SP. 

Na sua tese, Francesco Marino analisa a produção de alguns escritores amapaenses que integram a construção da literatura do Setentrião. Trata-se de um livro indispensável a todos quanto estudam a literatura da Amazônia e, em particular, gostariam de saber mais sobre o estado do Amapá, banhado pelo Rio Amazonas e pelo Oceano Atlântico e detentor da Margem Equatorial, uma das maiores reservas de petróleo do planeta. 

No seu trabalho, Francesco Marino destaca um conto, LATITUDE ZERO, e um romance, A CASA AMARELA, meus. Naquele, para contrastar com a visão de Macapá idílica, e este, para exibir Macapá, e o Amapá, em toda a sua nudez. 

A Literatura do Amapá pode ser encontrada na internet em PDF, por isso recomendo aos meus pares na Academia Amapaense de Letras apoio para que o ensaio de Francesco Mariano seja impresso e distribuído às bibliotecas públicas do Amapá e das faculdades de Letras em todo o Brasil.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

A última ceia de Olivar Cunha e Fernando Canto. Uma sede para a Academia Amapaense de Letras

Última Ceia de Olivar Cunha, que aparece na extremidade
esquerda do painel, bem como Fernando Canto, no lado
direito de Jesus Cristo. Olivar Cunha se inspirou em Masip

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 30 DE OUTUBRO DE 2024 – Os mais icônicos artistas amapaenses são o pintor Olivar Cunha e o escritor Fernando Canto. Em 2006, em Vitória/ES, onde Olivar Cunha reside, ele recriou, a pedido do Fernando Canto, a Última Ceia, de Vicente Juan Masip, mais conhecido como Juan de Juanes, óleo sobre madeira medindo 1,16 metro de altura por 1,91 metro de largura, pintado em 1523, na Espanha. 

A técnica empregada por Olivar Cunha foi acrílico sobre tela, trabalhado com espátula, no tamanho de um metro de altura por 1,5 metro de largura. No lugar do apóstolo Tiago, Olivar Cunha pintou seu autorretrato, e, no lugar de Pedro, ao lado de Jesus Cristo, Fernando Canto. A tela faz parte do acervo do Fernando Canto. 

Olivar Cunha é um dos grandes expressionistas brasileiros e Fernando Canto é poeta, compositor, cronista, contista e ensaísta. A obra de ambos retrata a cultura Tucuju na sua essência. 

Masip nasceu em La Font de la Figuera, na Província de Valência, Espanha, em 1507, e morreu em Bocairent, também Província de Valência, em 1579. 

Última Ceia retrata a passagem em que Jesus institui a Eucaristia, rodeado por seus discípulos, identificados pelos nomes nas respectivas auréolas. Encontra-se em Madri, no Museu do Prado, o mais importante da Espanha e um dos mais importantes do mundo. 

A Última Ceia foi a última refeição que, de acordo com a Igreja, Jesus dividiu com os doze apóstolos, em Jerusalém, antes de sua crucificação. É com base na Última Ceia que a Igreja instituiu a Eucaristia, ou Comunhão, relatada pelos quatro evangelhos canônicos e comemorada na Quinta-Feira Santa. 

A Última Ceia de Masip é uma recriação de A Última Ceia, de Leonardo da Vinci, nascido em Anchiano, Itália, em 15 de abril de 1452, e morto em Amboise, França, em 2 de maio de 1519. Da Vinci era pintor, escultor, cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, arquiteto, botânico, poeta e músico. 

A Última Ceia é um afresco que Leonardo da Vinci fez para a igreja de Santa Maria delle Grazie, em Milão, Itália, encomendado por Ludovico Sforza, duque de Milão. Presume-se que o trabalho tenha sido iniciado por volta de 1495-1996. Tornou-se ícone da cultura cristã e das artes. 

Jesus Cristo aparece no centro do afresco, ladeado, à direita dele, a partir da extremidade da mesa, por Bartolomeu, Tiago Menor e André, e Judas Iscariotes, São Pedro (cabelo branco) e João (imberbe). À esquerda de Jesus Cristo, a partir dele, estão Tomé, Tiago Maior e Filipe (imberbe), e Mateus (barba rala), Judas Tadeu e Simão Cananeu, também chamado de Simão, o Zelote. Essas identificações foram encontradas em um manuscrito de Leonardo da Vinci, encontrado no século XIX. 

A novidade na última ceia de Olivar Cunha é seu autorretrato e o retrato de Fernando Canto, um dos mais fecundos escritores amapaenses, contista, ensaísta e compositor. Como presidente da Academia Amapaense de Letras (AAL), ele se empenhou, junto aos atuais governador do Amapá, Clécio Luís, e prefeito de Macapá, Antônio Furlan, em conseguir um prédio, ou um terreno, no centro de Macapá, para sediar a AAL. 

Com o desencarne de Fernando Canto, ontem, assume a presidência da AAL o vice, professor e ex-senador Paulo Guerra, que deverá continuar o trabalho de Fernando Canto no sentido de conseguir um prédio próprio para a academia e até, como é o caso da Academia Brasileira de Letras (ABL), alugar parte do prédio-sede, para não depender do poder público. 

A Academia Amapaense de Letras é o órgão máximo da cultura amapaense, a guardiã da nossa identidade, razão pela qual deve receber a devida atenção por parte do poder público, a fim de realizar seu trabalho de promover a cultura tucuju. Um povo sem cultura, sem identidade, não tem rumo.

Com uma Academia de Letras fortalecida, a exploração cuidadosa da Margem Equatorial e a defesa incondicional da democracia, não a “relativa”, mas a sem mordaça e sem corrupção, o Amapá será um dos estados mais prósperos do país.

Agora

Fernando Canto apóstolo. Este grafite sobre tela, Última Ceia,
é uma recriação do grande pintor amapaense Olivar Cunha, do
óleo sobre madeira do pintor renascentista espanhol 
Vicente
Juan Masip, mais conhecido como Juan de Juanes. Trata-se
da passagem em que Jesus institui a Eucaristia, no Novo
Testamento. Nela, Cristo aparece rodeado por seus discípulos, 
Na recriação de Olivar Cunha, o pintor coloca Fernando Canto
pronto para receber a hóstia de Jesus Cristo (aqui, em detalhe)  

RAY CUNHA

Sinto, agora, mais intenso ainda, perfume de jasmineiros

Chorando nas tórridas madrugadas de Macapá

Chanel 5, o mar, azul sangrando.

A eternidade se aproxima

Vertiginosa como a Terra girando

Profunda como o mistério de mulher nua

Como galgar o Pico da Neblina

Morar no Hilton Internacional Belém

Viver em Copacabana.

Agora compreendo, claramente,

Só há éter, energia, vibração, sintonia,

Nem matéria, nem tempo, existe 

A vida é abismo interminável, e ascendente,

É como cair para cima

Cheiro de púbis de virgem ruiva, sabor de gozo,

Como se eu engravidasse de rosas vermelhas.

É permanente, agora, a sensação de autografar livros

De bater papo com Fernando Canto

Sobre telas de Olivar Cunha

Flutuando numa garrafa de Dom Pérignon, safra de 1954,

Neste 7 de agosto, como em todos os anos


Do livro DE TÃO AZUL SANGRA

sexta-feira, 17 de maio de 2024

A IDENTIDADE CARIOCA: Roberto Carlos, Olivar Cunha e o Tesouro do Morro do Castelo

Ebook da amazon.com.br de A IDENTIDADE CARIOCA

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 17 DE MAIO DE 2024 – Sessenta e sete toneladas de ouro e uma imagem em tamanho natural de Santo Inácio de Loyola, também em ouro, com olhos de brilhantes e dentes de pérolas, esse é o Tesouro dos Jesuítas do Morro do Castelo. Existe, ou se trata apenas da maior lenda urbana do Rio de Janeiro? 

O jornalista Reinaldo Loyola de Carmela, da revista A Carioca, descobre, na Biblioteca Nacional, um documento mencionando o tesouro e parte para uma investigação a fim de elucidar o mistério. Se o tesouro existe, onde está? A jornada revela muito mais: como nasceu a identidade carioca e o Brasil. Saiba onde se encontra o maior tesouro da Cidade Maravilhosa neste thriller de tirar o fôlego. 

Esse é o argumento do romance A IDENTIDADE CARIOCA, que, além de fazer uma revisão da História do Brasil, regatando-a das lentes dos historiadores marxistas e positivistas, mistura personagens de ficção com pessoas reais, como o cantor e compositor Roberto Carlos, ícone vivo do Rio de Janeiro. 

Reinaldo Loyola de Carmela é o herói da trama. Trata-se de personagem de ficção. Seu avô, Santiago Bragança de Carmela, migrou da Galícia para o Rio de Janeiro, juntamente com a esposa, Aline Martinez de Carmela, e o casal de filhos, Reinaldo e Lorena, em 1940, fugindo da Guerra Civil Espanhola. 

Empresário, contava com recursos guardados em bancos dos Estados Unidos e do Brasil. Escolhera o Rio de Janeiro devido ao seu único irmão, Felipe, que já morava na cidade e era proprietário de alguns imóveis no Centro e em Copacabana, onde inauguraram, em 20 de julho de 1969, o Hotel Tropical, no Posto 6 da Avenida Atlântica, entre as Ruas Francisco Otaviano e Joaquim Nabuco, defronte ao Forte de Copacabana, com infraestrutura futurística. 

O complexo arquitetônico do shopping e Hotel Tropical tinha três subsolos de garagem. O Bunker, a escola de tiro, ficava no terceiro subsolo, contando com cinco baias com 50 metros de comprimento e transportadores de alvos digitais e alvos metálicos, e salas de aula. Sobre o subsolo seguiam-se dois pisos de lojas. 

No terceiro pavimento funcionava uma praça de alimentação, três cinemas, sendo um de arte, um teatro e uma ampla galeria de artes plásticas, onde Reinaldo guardava parte das obras de arte que colecionava na Reserva Técnica. Possuía inclusive um Pablo Picasso, um nu, grafite sobre papel, formato 21 por 14, da fase figurativa; um Diego Velásquez, um óleo sobre tela do tamanho de dois A4 sobrepostos horizontalmente, sem preço, simplesmente magnífico: uma mulher nua montando um touro; um casal obeso de Fernando Botero, de um por meio metro; três mulatas de Di Cavalcanti, de meio metro por meio metro cada um; e 21 Orquídea Sá Tamborindeguy, de Roberto Bragança Tamborindeguy, posando de todo jeito, principalmente nua. 

Mas seu pintor favorito era Olivar Cunha, nascido na Amazônia, em Macapá/AP, cidade que fica na margem esquerda do Canal do Norte do Rio Amazonas, quando o maior rio do mundo se posiciona para despejar no Oceano Atlântico 200 mil metros cúbicos de água, por segundo. Reinaldo tinha sete telas de Olivar Cunha, entre as quais o impressionante Tuiuiú Crucificado, “o berro mais fovista, o grito mais expressionista” do pintor. 

Ele a pintou em três meses, em 1992, em Jacaraípe, distrito de Serra, na Grande Vitória do Espírito Santo. Trata-se de uma acrílica sobre tela, em espátula e pincel, de 1,20 metro por 1 metro. Pertence à fase que o pintor chama de Habitat Transform, desenvolvida no Rio de Janeiro/RJ e em Jacaraípe, após pesquisa sobre a devastação da flora e da fauna do Pará, do Amapá e do Pantanal. No centro do quadro, um tuiuiú crucificado emerge de uma Baía de Guanabara atolada em dejetos industriais, tendo ao fundo o Pão de Açúcar e os Arcos da Lapa. 

Olivar Cunha morava em Conduru, distrito de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, cidade natal do maior astro da música popular brasileira, Roberto Carlos. Pintor e restaurador, com cursos no Parque Lage, onde foi aluno de Charles Watson, e no Museu Nacional, Olivar Cunha se tornou o grande restaurador de arte sacra do Espírito Santo, tanto de estátuas quanto de telas. Foi assim que conheceu e pintou Santa Rita de Cássia, e aí resolveu pintar, em grafite sobre tela, com espátula e pincel, em tamanho natural, Santa Rita de Cássia abençoando Roberto Carlos. 

Um dos maiores ícones do Rio de Janeiro, e do Brasil, Roberto Carlos Braga mora na Urca, pertinho de onde Estácio de Sá fundou o Rio de Janeiro. Roberto nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, em 19 de abril de 1941. Começou a sua carreira no início dos anos 1960, sob influência da Bossa Nova. Compositor, geralmente em parceria com o carioca Erasmo Carlos, fundou as bases do rock brasileiro. Estrelou um programa de auditório na TV Record chamado Jovem Guarda, que daria nome ao primeiro movimento musical do rock no Brasil. 

Os idealizadores do programa se inspiraram em uma frase do revolucionário russo Vladimir Lenin: “O futuro pertence à jovem guarda porque a velha está ultrapassada”. Gíria usada na Marinha, velha-guarda faz referência aos marinheiros mais antigos. No primeiro embarque em navio, os oficiais são chamados guarda-marinha, de modo que velha-guarda se refere aos instrutores mais antigos. O termo migrou para outras áreas, qualificando fundadores e pioneiros, como no mundo do samba, por exemplo. 

A casa da família em Cachoeiro de Itapemirim, no alto de uma ladeira no bairro do Recanto, é hoje a Casa de Cultura Roberto Carlos. Aos seis anos de idade, no dia de São Pedro, padroeiro de Cachoeiro, Roberto sofreu fratura da perna direita. Levado para o Rio de Janeiro, teve sua perna amputada abaixo do joelho e passou a usar prótese. Sonhava, na infância, tornar-se arquiteto, caminhoneiro, aviador ou médico, mas aprendeu a tocar violão e piano, a princípio com sua mãe e depois no Conservatório Musical de Cachoeiro de Itapemirim. 

Incentivado pela mãe, apresentou-se pela primeira vez em um programa infantil na Rádio Cachoeiro, aos nove anos, cantando o bolero Amor y más amor. O prêmio foram balinhas. Em 1955, apresentou-se na Rádio Industrial de Juiz de Fora (ZYT-9). Continuava cantando bolero. 

Na segunda metade dos anos 1950, Roberto Carlos se manda para o Rio de Janeiro, ouvindo muito rock and roll, como Elvis Presley, Bill Haley, Little Richard e Chuck Berry. Em 1957, conheceu um grupo de amigos que se reunia na Rua do Matoso e no Bar Divino, na Rua Haddock Lobo, na Tijuca: Sebastião (Tim) Maia, Edson Trindade, José Roberto China e Wellington Oliveira. Surgiu The Sputniks. Mas a banda não durou muito tempo. 

No ano seguinte, Roberto Carlos conhece Erasmo Carlos e começa a carreira solo na boate do Hotel Plaza, em Copacabana, cantando samba-canção e bossa nova. O cantor, compositor e produtor Carlos Imperial apresentava Roberto Carlos como o “Elvis Presley brasileiro”. Em 1959, Roberto lança o compacto João e Maria/Fora do Tom, imitando João Gilberto, um dos inventores da Bossa Nova, e dois anos depois lança seu primeiro álbum, Louco Por Você. 

Em 1968, no Festival de San Remo, na Itália, Roberto Carlos, então com 26 anos, conquista o primeiro lugar, com a música Canzone per te, de Sergio Endrigo e Sergio Bardotti. Foi a primeira vez na história do evento que um cantor estrangeiro conquistou o festival. 

De 1961 e 1998, Roberto lançou um disco inédito por ano. Já vendeu mais de 140 milhões de cópias de discos, gravados em português, espanhol, inglês, italiano e francês. Foi além da carreira musical: estrelou três filmes, inspirados na fórmula lançada pelos Beatles: Roberto Carlos em Ritmo de Aventura (1968), Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa (1970) e Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora (1971). 

No quadro de Olivar Cunha, Roberto Carlos é imortalizado recebendo a bênção de Santa Rita de Cássia. Margherita Lotti, Santa da Rosa e dos Impossíveis, Advogada das Causas Perdidas, nasceu em Roccaporena, Itália, em 1381, e faleceu em Cássia, Itália, em 22 de maio de 1457. Freira agostiniana da diocese de Espoleto, Itália, foi beatificada em 1627 e canonizada em 1900. Quando ela morreu, um suave perfume se espalhou por todo o Mosteiro das Irmãs Agostinianas, em Roccaporena. Seu corpo, que permaneceu incorrupto ao longo dos séculos, é venerado em uma urna de vidro no santuário de Cascia.

O pintor do Amapá, Olivar Cunha, e o grafite sobre tela de Santa Rita de Cássia

sábado, 30 de março de 2024

JAMBU homenageia um dos maiores expressionistas da Amazônia: Olivar Cunha

Lili e Márcio (sobrinhos), Linda (irmã), Marina (mãe), Olivar Cunha e Mel (irmã), na casa da família, na Avenida Presidente Vargas, em Macapá/AP

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 30 DE MARÇO DE 2024 JAMBU, deste escriba, é, ao mesmo tempo, um thriller policial e um ensaio sobre a Amazônia, misturando personagens de ficção e reais, vivas ou mortas. Como grande parte da ação do romance se passa em Macapá/AP, a cidade do meio do mundo, faço uma homenagem a algumas personagens que escreveram e escrevem a História do estado do Amapá. 

Olivar Cunha é um desses personagens. Neste 31 de março, ele completa 72 anos de idade. Atualmente, Olivar Cunha mora na grande Vitória, no litoral do Espírito Santo. Além de um dos maiores expressionistas da Amazônia, o pintor é também restaurador; cumpriu curso de restauração no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, onde, também, estudou no Parque Lage e foi aluno do professor Charles Watson. Pois bem, Olivar Cunha se tornou conhecido em várias cidades históricas no litoral do Espírito Santo como restaurador de imagens sacras, naquela região. 

Em JAMBU, faço uma homenagem à família Cunha, e, em especial, a Olivar Cunha. Segue-se o capítulo com a saga da família Cunha na Amazônia.

 

ALÉM de estudantes e expectadores em geral, que disputaram uma das duas mil poltronas da luxuosa casa de espetáculos, a aristocracia amapaense estava em peso no Teatro Açaí, do Hotel Caranã, muitos deles em roupas de luxo, algumas, espalhafatosas, lembrando sapos encasacados, inchados de tanta comida e dinheiro, guardado em bancos e malas; se fossem postos de cabeça para baixo não cairia um níquel sequer, pois quem é viciado em dinheiro esconde-o. Alguns estavam tão inchados que se alguém ficasse olhando para eles esperaria ouvi-los coaxar.

Quando a professora Walkíria Ferreira Lima entrou no palco, os músicos da Orquestra da Escola de Música do Amapá levantaram-se e o público também, aplaudindo-a em pé. De porte frágil, agigantava-se no púlpito. Nascera em Manaus, onde se formou em música, começando os estudos de piano aos 10 anos de idade. Chegou a Macapá na década de 1950, e começou a lecionar canto orfeônico na Escola Barão do Rio Branco e na Escola Industrial do Amapá, antes da criação do Conservatório Amapaense de Música, onde ensinou piano e solfejo. Walkíria Lima foi ainda uma das fundadoras da Academia de Letras do Amapá, patrocinando a cadeira 40. Casou-se com o mágico Isnard Brandão Lima e teve um único filho, o poeta manauara-macapaense Isnard Brandão Lima Filho, autor de Rosas Para a Madrugada e Malabar Azul. Isnard sentara-se na primeira fila. Pálido, olhos amendoados e olhar intenso, cabeleira penteada como a de Castro Alves, bigode, fumante inveterado e dipsomaníaco, lembrava um misto de toureiro e dançarino de tango. Ao lado dele, sentara-se o gênio do pincel e da espátula Olivar Cunha, que assinava os 21 painéis que compunham a exposição oficial do Festival de Gastronomia do Pará e Amapá.

A etimologia da palavra “cunha” é remota. Vem do latim “cuneus”. Colonizadores romanos fixaram-se na Península Ibérica, que, mais tarde, foi invadida pelos visigodos e depois pelos árabes, em 711 DC. No decorrer dos séculos e várias invasões, a língua latina foi perdendo a pureza, surgindo as línguas neo-latinas, entre as quais o português. A palavra “cunha” tem conotação guerreira: fender, ferir madeira e pedra. O avô paterno de Olivar Cunha se chamava Manuel Raimundo Cunha, nasceu em 1875, em Portugal, e migrara para Pernambuco; e sua avó paterna, Rosa Maria Cunha, nasceu em 1882, em Sobral, Ceará, e faleceu em Manaus, em 1973, aos 91 anos, vítima de congestão; era negra. Os bisavós maternos do grande pintor eram Domingos Pereira Silva, pernambucano, e Francisca de Oliveira Bessa, cearense; e seus avós maternos eram Pedro Pereira Silva (1895-1952), apelidado de Pedro Correto, pela sua retidão de caráter, e Alice Pereira Silva (1898-1961), nascida na cidade do Crato, Ceará. Pedro Correto era moreno-claro e de cabelos encarapinhados, feição negroide, cearense; migrou, ainda rapaz, para a Amazônia, atraído pela febre da borracha no início do século 20. Quando se casou, tornara-se fazendeiro abastado e residia em Porto Velho, mas vendeu todos os seus bens e entrou na Companhia Ford Motors, em Fordlândia, então distrito de Santarém, Pará. Em 1932, separou-se da esposa, Alice Pereira Silva, e mudou-se para Belém, onde morreu. Nos últimos anos da sua vida foi guarda-costas do general Magalhães Barata, nas suas andanças políticas pelo interior do Pará. Magalhães Barata foi revolucionário do Movimento Tenentista, duas vezes governador e duas vezes interventor federal no Pará. Alice Pereira Silva continuou em Fordlândia. Branca, loura e de olhos claros, era uma mulher com a fibra necessária para enfrentar o Inferno Verde. O início da vida do casal foi nas proximidades do rio Abunã, tributário pela margem esquerda do rio Madeira, no extremo oeste da Amazônia; tiveram nove filhos, a maioria deles natimortos, assassinados ou mortos por doença na juventude. A caçula era Marina Pereira Silva Cunha, “a mulher mais bonita, forte, corajosa, poderosa e eterna como as rosas que eu já tive a oportunidade de conhecer” – escreveu João do Bailique, irmão de Olivar Cunha.

Marina Pereira Silva Cunha nasceu na região do rio Abunã, em 2 de março de 1924. Ela se casou em Belterra, em 22 de junho de 1947, com João Raimundo Cunha, que nasceu em 16 de maio de 1915, em Sobral, Ceará. Ainda criança, migrou para Santarém, com a mãe, Rosa Maria Cunha, e três irmãs; seus irmãos morreram em tenra idade. Perdeu cedo o pai e começou a trabalhar na lavoura. Foi capataz de quadreiro, que era o capinador de campo de seringal, e serrador, na Companhia Ford Motors, no distrito de Belterra, e depois começou a trabalhar nos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, em Belterra, em 1 de setembro de 1946; depois na cidade de Santarém, e, finalmente, em Macapá, onde chegou em janeiro de 1950, sucedido pela família, em outubro do mesmo ano. Trabalhou nos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul até 15 de outubro de 1972. Em 1 de maio de 1973, começou a trabalhar na empresa Irmãos Zagury e Cia. Ltda., como ajudante de mecânico, até 6 de março de 1977, quando se aposentou, somando 35 anos de serviço ativo.

Alguns trechos da crônica “Papai faz 100 anos”, que João do Bailique publicou na Trópico Úmido:

“Alguns dos meus ídolos – Ernest Hemingway, Jack London, Antoine de Saint-Exupéry – manifestam duas características em comum: são escritores classe A e foram homens de ação. Um homem de ação é aquele que pensa e age simultaneamente, e também não vive quieto, pois está sempre metido em alguma aventura. A própria vida é sua grande aventura, até que, no caminho, é derrotado pela barreira da dimensão física, mas não é vencido, e passa a povoar o universo azul. Meu pai, o maior dos meus ídolos, não era escritor, mas era homem de ação, e me contou histórias eternas.

“Meu pai media 1,68, era seco e forte, o rosto oval, olhos castanhos e oblíquos, e usava uma loção à base de pinho após raspar, com navalha, o rosto, deixando apenas o bigode. Foi o homem mais corajoso que já encontrei; nada o intimidava. Internava-se na selva dias seguidos, sozinho, e era capaz de meter uma bala no buraco de outra, a mais de 100 metros de distância. Ele não era escritor, mas escreveu alguns poemas, que se perderam no tempo.

“Um dia, peguei os originais dos poemas que o papai escrevia de vez em quando e li alguns na Rádio Educadora, em um programa do Luiz Tadeu Magalhães. Papai soube e me passou uma reprimenda. Mas senti, ali, naquele momento, que, de alguma forma, ele não se importou muito que eu tivesse lido publicamente seus poemas, e isso me deixou feliz, pois agradar o ídolo é para o fã o sonho mais ousado.

“Papai não era escritor, mas foi um extraordinário contador de histórias. Leu Tarzan, de Edgar Rice Burroughs, e contava a história para nós, meus irmãos e eu, como se Tarzan fosse real. Porém o que mais me fascinava eram as aventuras do próprio papai, especialmente quando se internou na selva profunda e foi atraído por uma sucuri. Tonto, quase desmaiando, foi salvo pelo seu anjo da guarda; conseguiu avistar a cabeça da sucuri, apoiou o rifle numa forquilha e estourou a cabeça da serpente, uma cabeçorra do tamanho de uma lata de leite Ninho.

“Papai chefiava todo o trabalho pesado no Aeroporto de Macapá, nos Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, como faz-tudo, oficialmente como feitor de pista, sinalizando a descida e subida dos Douglas DC-3, abastecia os aviões e os despachava. A primeira vez que o vi fazendo isso fiquei deslumbrado, e quando fui autorizado a entrar no avião foi como se houvesse entrado numa nave espacial. Meu pai conversava com os pilotos da nave e entrava no avião como se estivesse em casa, e serviram-me sanduíches e biscoitos inimagináveis.

“Apenas uma vez o vi fraquejar. Foi quando a tragédia invadiu a Casa Amarela, a casa da minha infância, na esquina das ruas Iracema Carvão Nunes e Eliézer Levy, onde hoje uma seringueira plantada por meu pai no ano de nascimento do gênio do pincel Olivar Cunha, intercepta o muro do Colégio Amapaense. Foi quando anunciaram a morte do meu irmão Francisco Pereira Cunha. Era 22 de novembro de 1965. Francisco tinha 18 anos e era belo como Zeus, e imortal como todo jovem. Meu pai foi atingindo por um raio. Caiu numa cadeira, mole, sem tônus, os olhos, sempre tão interessados pela vida, gritavam de dor. E logo depois veio o segundo choque: o corpo chegando. Não compreendi bem aquilo. Para mim, a matéria era para sempre, e só fui entender o que se passara quando, no Cemitério São José de Macapá, vi todos se sacudindo em choro, como chuva que não passa nunca.

“Meu pai morreu com a mesma idade que Ernest Hemingway, aos 61 anos, mas, naquela época, eu já conversava com Papa nos bares da mente, quando o desejo de também bater longos papos com papai começou a se avolumar na minha alma. Meu quarto, na Casa Amarela, a casa da minha infância, era conhecido como Quartinho; é lá que costumo encontrar-me com papai, Ernest Hemingway, Jack London, Antoine de Saint-Exupéry e todos os mortos que amo, num bate-papo interminável.”

Em outro artigo de memórias, João do Bailique escreveu sobre o gênio Olivar Cunha:

“Nasceu pesando 3,5 quilos e mamou até aos dois anos. Depois que começou a articular as primeiras palavras, quando queria mamar, pedia “piti”. Pode ser por isso que se tornou o xodó da mãe, a bela Marina Pereira Silva Cunha. Morávamos na Rua Iracema Carvão Nunes, esquina com a Rua Eliezer Levy, numa casa amarela, remanescente do antigo aeroporto, ao lado do Colégio Amapaense. No dia do nascimento do Olivar, 31 de março de 1952, nosso pai, João Raimundo Cunha, plantou a Seringueira que intercepta o muro oeste do Colégio Amapaense, na Rua Eliezer Levy, e que escapou de ser decepada graças à intervenção do engenheiro florestal Luiz Guilherme Dias Façanha, nascido em 18 de julho de 1952, e amigo de infância do Olivar.

“Em 1983, Luiz Façanha trabalhava como especialista em seringueira (Hevea brasiliensis) na extinta Superintendência da Borracha (Sudhevea), um dos órgãos federais absorvidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A Seringueira apresentava uma grande lesão no tronco. Debilitada, foi atacada por fungos e insetos. Segundo Luiz Façanha, estudantes fizeram forte pressão junto à Prefeitura de Macapá e ao Governo do Estado para que autorizassem abater a árvore, alegando risco de vida para quem por ali transitava. Foi então que o repórter da Rede Globo, Antônio de Pádua, solicitou a Luiz Façanha que fizesse uma gravação no local, para dar sua opinião sobre o caso. Após minuciosa inspeção, Façanha verificou que a árvore estava se recuperando do ferimento, embora muito lentamente, e em razão disso posicionou-se contrário ao abate. “É claro que pesou na minha decisão todo o histórico da nossa infância brincando em volta daquela árvore: Olivar, João, Chico e eu.” O fato é que a Rede Globo e Luiz Façanha salvaram a Seringueira. Minha convivência com o Olivar foi, basicamente, no nosso período de infância. Estudamos juntos no então Grupo Escolar Anexo da Escola Normal e lá fizemos todo o Curso Primário, nos idos dos anos 1950/1960. Após as aulas, dividíamos nosso tempo brincando pelos quintais do seu João (pai do Olivar), correndo por cima dos muros e se pendurando nas árvores do quintal. Tempo bom que não volta mais” – lembra Luiz Façanha.

“Olivar Cunha foi uma dessas crianças que as mulheres adoram apertar nos braços, beijar, acariciar. Não lembro quantos anos ele tinha quando sua então professora, que morava sozinha e que se manifesta, hoje, na minha memória, como uma mulata sensualíssima, se ofereceu para dar reforço escolar a ele na sua casa e ele não quis de jeito algum, porque, segundo pude intuir, mais tarde, de declarações suas, ela era exageradamente carinhosa para com ele, e ele ainda muito criança. O gênio do artista plástico começou a se revelar no curso primário; seus trabalhos eram formalmente impecáveis, e já revelavam criatividade. Encarava também os trabalhos de educação artística de sua irmã Lindomar Cunha, então se preparando para trabalhar no jardim de infância. Pré-adolescente, começou a brincar com seu pequeno prato de massas coloridas e pincéis de tamanhos variados.

“Aos 14 anos, em 1966, ele já pintava profissionalmente, saía à noite e bebia. Aos 15, expôs pela primeira vez, e andava na companhia dos artistas mais conhecidos da cidade: o poeta Isnard Brandão Lima Filho, o escritor Alcy Araújo e o pintor Raimundo Peixe, além do nosso irmão Pedro Cunha, então com 22 anos, e que era, naquele momento, uma espécie de guru para o Olivar.

“Olivar Cunha se tornou um rapaz muito bonito, apolíneo, ariano, bom de porrada que só ele mesmo, hedonista, e que cada vez mais dominava as cores e a luz. Sua filosofia era: “Viver é um tesão”. Podia tomar um litro de Run Bacardi sozinho ao longo de um bate-papo, podia sair para a porrada contra dois oponentes e se saía bem, podia fumar três maços de cigarros em uma noite, beber durante 48 horas seguidas, pintar madrugada adentro. Na juventude, era beberrão, machão, idealista, bom de porrada, belo, amado, adorado, incansável como Pablo Picasso e esquizofrênico como Van Gogh.

“Uma madrugada, um marchand francês acordou todo mundo, em casa, porque teria que viajar para a França naquela manhã e queria porque queria levar alguns quadros do Olivar, e levou o que estava disponível. Acho que foi mais ou menos por essa época que ele pintou os Beatles, 1969. Juntou na tela vários momentos diferentes do Beatles, recortando fotos de várias revistas, reproduzindo-as naquele óleo. Mais ou menos em 1970, vendeu o quadro dos Beatles para Luiz Façanha, que o mantém na casa dele, no Recife, onde mora.

“Nas décadas de 1970/1980, casado com Maria da Glória Nascimento Cunha, o artista morou em Belém, quando produziu algumas dezenas de telas que o colocam como um dos mais importantes artistas plásticos contemporâneos: seus mendigos do Guamá, subúrbio da Cidade das Mangueiras, são chocantes. Olivar e Glória namoraram durante 7 anos e foram casados por 7 anos. Ela partiu cedo para o mundo espiritual. Em Belém, Olivar ganhou um novo nome: Lili, batizado pela sua filha Tatiana, assim que ela aprendeu a falar, e que lhe deu um neto: Bernardo Cunha Barros. Lili teve outra princesa com Glória: Taiana, que lhe deu um neto: Alexandre Cunha de Sousa.

“Viúvo, Lili foi para o Rio de Janeiro, estudar artes plásticas no Parque Lage. De volta a Macapá, conhece a capixaba Célia Maria Rocha Cunha, em 1986, casam-se no ano seguinte, e, em agosto de 1988, mudam para o Espírito Santo, onde nascem os filhos Ângelo Ticiano Rocha Cunha e Luciano Rocha Cunha.

“Nos anos de 1990, consolida sua posição como um dos grandes expressionistas contemporâneos, com a série de animais agonizando nos esgotos das grandes cidades, como na impressionante acrílica sobre tela Tuiuiú Crucificado, sobre a baía de Guanabara – talvez o berro mais fovista, o grito mais expressionista de Olivar Cunha. Ele pintou esse quadro em três meses, em 1992, em seu apartamento na praia atlântica de Jacaraípe, distrito do município de Serra, na grande Vitória do Espírito Santo. Trata-se de uma acrílica sobre tela, em espátula e pincel, de 120 por 100 centímetros. Pertence à fase que o pintor chama de Habitat Transform, desenvolvida no Rio de Janeiro e em Jacaraípe, após pesquisa sobre a devastação da flora e da fauna do Amapá, do Pará e do Pantanal. Depois que se mudou para Jacaraípe, começou também a recuperar obras sacras de igrejas da região.

“Apesar de contar com o mar onde foi fisgado o maior marlim azul do mundo, o Atlântico ao largo do Espírito Santo, é a Amazônia que pulsa nas telas do gênio, recriada à base de espilantol, o princípio ativo do jambu. O tacacá, que leva jambu, é gostoso servido naquele momento de transição em que a tarde escoa como um rio de planície, que vai se esvaindo, lentamente, ao mergulhar nas luzes do anoitecer. É o espilantol que dá aquela sensação de dormência nas papilas gustativas, ativando as papilas da alma. Então, sentimos gosto de Cerpinha, Run Bacardi, a vertigem do beijo, som de merengue.

“O gênio pinta a alma das suas criaturas, sejam elas pessoas ou paisagens. Assim, as telas de Olivar Cunha gritam como o coração das trevas, mas também pulsam no rio da tarde, prenhes do perfume dos jasmineiros noturnos. O artista dá à luz a Amazônia eternamente viva, a Hileia que só os cabocos entendem – os apreciadores de merengue, de mapará assado na brasa servido com pirão de açaí, os que se emocionam com o trotar da mulher amazônida no calor equatorial, o mergulho no rio que deságua na tarde, os segredos que se encerram na Fortaleza de São José de Macapá, no Trapiche Eliezer Levy, no Ver-O-Peso, na Estação das Docas, em Mosqueiro, em Salinas, no Bailique, em Caiena.

“A presença dele, sua simples lembrança, me causa sempre alegria, uma espécie de sensação de coisa nova, de descoberta, de novas possibilidades, de viagem, de aventura. Ele emana uma força poderosa até no repouso, no silêncio, na simplicidade. Mas seu grande poder se manifesta ao usar a paleta, o pincel e a espátula, ao conceder à luz o triunfo”.

No palco, Uirapuru, de Heitor Villa-Lobos. Trata-se de um poema ou balé sinfônico, composto em 1917 e concluído em 1934, com 20 minutos e 33 segundos de duração, que teve sua gênese em um poema sinfônico de 15 minutos, intitulado Tédio de Alvorada, composto em 1916. Uirapuru foi incluído no programa do último concerto de Villa-Lobos, em 12 de julho de 1959, no Empire State Music Festival, em Nova York. O impressionante é que quem conhece a selva amazônica profunda, sente, nesta composição de Villa-Lobos, o tédio que a grande floresta pode provocar, pela mesmice do terror que o Inferno Verde impõe a quem não se familiariza com o ventre da besta. Mas, para quem ama o abismo, ouvir o próprio uirapuru, na eternidade da grande floresta, é como ouvir Mozart, o som da Terra girando sobre si mesma, gravitando em torno do Sol a 108 mil quilômetros por hora, o sistema solar girando em volta do núcleo da Via Láctea a 830 mil quilômetros por hora, a Via Láctea indo para o Grupo Local a 144 mil quilômetros por hora, o Grupo Local voando para o aglomerado de Virgem a 900 mil quilômetros por hora, tudo isso seguindo em direção ao Grande Atrator, a 2,2 milhões de quilômetros por hora; o Grande Atrator fica para além de Centauro, a 137 milhões de anos-luz da Terra. Walkíria Lima deixou o palco e voltou sob uma avalanche de aplauso.

A Seringueira, símbolo da família Cunha, é imortalizada na capa do romance A CASA AMARELA, ambientado na Macapá dos anos 1960

quarta-feira, 22 de março de 2023

Olivar Cunha: um dos maiores expressionistas brasileiros restaura imagens sacras no ES

Olivar Cunha e Santa Rita de Cássia, em Cachoeiro de Itapemirim/ES

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 22 DE MARÇO DE 2023 – Era 31 de março de 1952 quando João Raimundo Cunha comemorou o nascimento do seu filho, Olivar Cunha, naquele dia, plantando uma seringueira no quintal de sua casa, na Rua Iracema Carvão Nunes, esquina com a Rua Eliezer Levy, uma casa amarela, remanescente do antigo aeroporto, ao lado do Colégio Amapaense, em Macapá/AP. 

Em 1983, a casa amarela já não existia mais e João Raimundo Cunha falecera. Das árvores do quintal, só sobreviveu a seringueira, que agora interceptava o muro oeste do Colégio Amapaense, na Rua Eliezer Levy, e apresentava uma grande lesão no tronco. Debilitada, foi atacada por fungos e insetos. Estudantes pressionaram então a Prefeitura de Macapá e o Governo do Estado para que autorizassem abater a árvore, alegando risco de vida para quem por ali transitava. 

Após minuciosa inspeção, o engenheiro florestal Luiz Guilherme Dias Façanha, nascido em 18 de julho de 1952 e amigo de infância de Olivar Cunha, especialista em seringueira (Hevea brasiliensis) na extinta Superintendência da Borracha (Sudhevea), um dos órgãos federais absorvidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), verificou que a árvore estava se recuperando do ferimento, embora muito lentamente, e em razão disso posicionou-se contrário ao abate. 

Então, solicitou ao repórter Antônio de Pádua, da Rede Globo, que gravasse com ele uma matéria junto à seringueira para dar sua opinião sobre o caso. “É claro que pesou na minha decisão todo o histórico da nossa infância brincando em volta daquela árvore: Olivar, João, Chico e eu” – disse, referindo-se a Olivar Cunha e dois de seus irmãos, os gêmeos Francisco e João. Conclusão: a Rede Globo e Luiz Façanha salvaram a seringueira. 

Tombei-a a meu modo, no romance A CASA AMARELA, no qual ela se torna personagem e assume sentimentos humanos. Quando o protagonista do romance, Alexandre Picanço Cardoso, é assassinado nos porões da Fortaleza de São José de Macapá, a seringueira verte látex e suas folhas se agitam, mesmo sem vento. 

Mas a seringueira está à espera de um vereador que apresente um projeto de seu tombamento, pois está ligada à história de um dos maiores artistas do Amapá e vem sendo agredida, servindo, seu tronco, com o ferimento já sarado, de lixeira. Quanto a Olivar Cunha, tornou-se um dos maiores expressionistas do país. 

Capa da edição de A CASA AMARELA na amazon.com.br

Aluno do pintor Raimundo Peixe na Escola de Artes Cândido Portinari, de Macapá, em 1968, aos 16 anos de idade, Olivar Cunha expôs sua primeira individual, na sede da Associação Comercial do Amapá, então na Rua General Rondon com a Avenida FAB. Durante o tempo em que a exposição ficou aberta, o salão da Associação Comercial se transformou no ponto de encontro de artistas e intelectuais de Macapá, entre os quais Raimundo Peixe, o jornalista e cronista Alcy Araújo e o poeta e cronista Isnard Brandão Lima Filho. 

Eu não perdia uma noite e participava como ouvinte atento dos papos entre esses pesos-pesados da história artística de Macapá, pois tinha 14 anos, mas já me movimentava nos meios literários locais, dando os primeiros passos, ao lado de Fernando Canto, Alcinéa Maria Cavalcante, José Edson dos Santos, Binga, Rodrigues de Souza (Galego), e por aí vai. No meu romance JAMBU faço uma homenagem a estes dois gigantes: Olivar Cunha e Isnard Brandão Lima Filho. 

Fernando Canto é o maior colecionador de trabalhos de Olivar Cunha e já chegou inclusive a abrir sua casa para uma mostra do pintor. Poeta, contista, ensaísta, presidente da Academia Amapaense de Letras, é também o mais capacitado a escrever sobre a obra do gênio amapaense.

"Os 71 anos do pintor O. Cunha é um acontecimento que jamais deveria passar em branco, pelo menos em sua própria terra, pois ele representa a ponta criativa de uma geração de artistas dos quais poucos sobreviveram, ainda que deixassem um espólio significativo para as artes locais" – diz Fernando Canto.

"Olivar Cunha, como é conhecido pelos amigos, pinta a resistência de um povo e incorpora os problemas sócio-ambientais, transportando para a tela o inenarrável dilema das grandes metrópoles, ao lado da miséria das periferias das cidades amazônicas, de que foi testemunha ocular nas suas andanças observacionais.

"E com esse olhar aguçado retrata o mundo desconhecido da nossa região ao lidar com seus pincéis e tinta acrílica com animais em extinção e sentimentos impiedosos, denunciando, assim, o caos da destruição criado pelo não-sentimento e pela ganância do capital.

"O artista passou por diversas fases na sua trajetória vitoriosa. Escolheu (ou foi escolhido por Atena, a deusa grega das Artes) para representar com veemência, e por meio da escola expressionista, um universo temático tão perto de todos, mas perceptível apenas pelos artistas. Então sua vida é um mosaico de brilho intenso que envolve mistérios e enlua os apreciadores de sua arte. Por isso eu brindo com vinho do Porto à saúde do meu amigo Olivar Cunha. Feliz aniversário!" – brinda Fernando Canto.

Depois de Macapá, Olivar Cunha estudou no Rio de Janeiro, no Parque Lage, onde foi aluno de Charles Watson, e na Museu Nacional de Belas Artes, onde fez um curso de restauração. Mora, atualmente, em Conduru, distrito de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, onde vem restaurando pinturas e esculturas sacras em vários municípios do estado.

Tuiuiú Crucificado, de 1992: a Baía de Guanabara sob os miasmas do Rio de Janeiro antes dos aterros com o entulho do Morro do Castelo e sob descargas de dejetos. Ao fundo, os arcos da Lapa e o Pão de Açúcar


sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Independência ou morte de Bolsonaro. Márcio Souza acriano. O escritor mais representativo do Amapá: Manoel Bispo ou Fernando Canto?

Fernando Canto, Ray Cunha e Manoel Bispo (2022)

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 23 DE SETEMBRO DE 2022 – A jornalista Basília Rodrigues, da CNN, afirmou, no ar, ao criticar os milhões de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que foram às ruas no 7 de Setembro, que na Bandeira do Brasil está escrito “independência ou morte”, e não “Ordem e Progresso”. Anteriormente, ela já havia afirmado que o Chile e o Equador não são países da América do Sul. Essas coisas acontecem. O blog de Pâmela Carbonari, hospedado no site da revista mensal Superinteressante, afirmou que o famoso escritor amazonense Márcio Souza é acriano. E ainda que o escritor que melhor representa o Amapá é Manoel Bispo. Bom, aqui a coisa é subjetiva. Acho que o escritor que melhor representa o Amapá é Fernando Canto. 

Pâmela Carbonari publicou um guia com os escritores que melhor representam cada um dos estados brasileiros. Para ela, Márcio Souza, o autor de Mad Maria, é o que melhor representa o Acre. Márcio adora sua cidade natal, Manaus, a capital do Amazonas. Só passou temporadas longas fora de lá em São Paulo, no Rio de Janeiro e nos Estados Unidos, mas assim que pôde retornou para a terrinha. De certa forma, Pâmela tem razão. Márcio pode representar qualquer Estado da Amazônia. 

Quanto ao Amapá, o pintor e poeta Manoel Bispo é velho amigo meu. De vez em quando pego sua Obra Reunida, um calhamaço de 450 páginas, editado pela Prefeitura de Macapá, em 2019, e leio alguma coisa. Para ler dezenas de poemas, um depois do outro, é preciso ser fanático por poesia, o que não é meu caso. Além disso a poesia do Bispo não é épica, é intimista. Assim, revela mais da alma humana do que do espírito Tucuju, os índios que habitavam Macapá antes da chegada dos portugueses, que os varreram do mapa. 

Poderia ser o poeta e cronista Isnard Brandão Lima Filho, ou Alcy Araújo. Mas acredito que Fernando Canto se encaixe melhor no mapa de Pâmela Carbonari. Ele nasceu em Óbidos, Pará, mas todos nós, amapaenses, somos paraenses, porque o Amapá é um naco do Pará. E todos comemos a mesma comida. Mas Fernando Canto foi para Macapá ainda criança e se tornou macapaense da gema. Poeta, contista e ensaísta, é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará, mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amapá e doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. 

Seu ensaio Fortaleza de São José de Macapá: Vertentes Discursivas e as Cartas dos Construtores, editado pelo Senado Federal, é uma das mais profundas incursões em busca da identidade Tucuju. Macapá é facilmente identificada no mapa-múndi porque se debruça na margem esquerda do maior rio do planeta, o Amazonas, no ponto em que é seccionada pela Linha Imaginária do Equador. Mas seu maior ícone, como o Cristo Redentor para os cariocas, é a Fortaleza de São José de Macapá. 

Fernando Canto entende que “a Fortaleza desenvolve nos amapaenses uma espécie de sentido de pertencimento, bem expresso na produção literária contemporânea local, nas artes plásticas e visuais e nos discursos políticos”. Com efeito, os artistas plásticos amapaenses vivem recriando a Fortaleza nas suas telas, que é cenário no meu romance A Casa Amarela. Para mim, a maior contribuição da Fortaleza para a identidade amapaense foi sua construção. 

As pedras da Fortaleza foram arrancadas da Cachoeira das Pedrinhas, no rio Pedreira, distante 32 quilômetros de Macapá; descidas para o rio numa rampa em torno de 10 metros de declive, eram transportadas em embarcações pelo Amazonas até Macapá. Cada jagunço tomava conta de quatro escravos, que, fracos pelo trabalho impossível, eram rasgados a chicotadas. Muitos morreram supliciados, famintos, sem energia, e alguns conseguiram fugir para o quilombo do Ambé. Em 19 de março de 1782, dia do padroeiro de Macapá, São José, a Fortaleza foi inaugurada, 18 anos depois do início da sua construção. 

Construída para resistir a uma força semelhante à da marinha inglesa do século XIX, nunca foi atacada, exceto por um dos flagelos da Amazônia, a malária. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), foi classificada como fortificação de terceira classe, e abandonada na primeira metade do século XX. 

Assim, a Fortaleza, maior ícone dos macapaenses, é a tradução perfeita de Macapá. Construída por escravos, negros e índios, sob o obsessivo domínio português, foi o cadinho no qual se forjou a etnia macapaense. Os portugueses cruzaram com os africanos e geraram mulatos, e fornicaram com os índios, formando uma população de mamelucos; os africanos fundaram o distrito de Curiaú e o bairro do Laguinho, misturaram-se com os índios e legaram cafuzos; e mulatos, cafuzos e mamelucos misturaram-se, fechando o círculo, numa diversidade étnica viva nas ruas de Macapá, nas nuanças de peles que vão do alabastro ao ébano, passando pelo bronze e jambo maduro, unidos pelo sotaque caboco: a fusão do português falado em Lisboa, doces palavras tupis, línguas africanas, patoá das Guianas, tudo triturado em corruptela.

Além disso, a ficção de Fernando Canto contém aquele tempero que Gabriel García Márquez tão bem preparava no seu cadinho de alquimista: o realismo mágico. Nos seus poemas, crônicas e contos há sons de merengue e de mambo, comida paraense, a presença da floresta, como uma sombra, e muitas, muitas mulheres capazes de levantar defunto.

Bastião da Fortaleza de São José de Macapá e tambores de
marabaxo na espátula do pintor amapaense Olivar Cunha

sexta-feira, 25 de março de 2022

Amapá comemora um dos mais criativos artistas plásticos da Amazônia Caribenha: Olivar Cunha

A Última Ceia recriada por Olivar Cunha: o primeiro
apóstolo, à esquerda, é o próprio artista, e o sexto
apóstolo, também à esquerda e junto a Jesus Cristo,
é o 
ensaísta, ficcionista e poeta Fernando Canto

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 25 DE MARÇO DE 2022 – O escritor Fernando Canto, maior colecionador do trabalho do artista plástico Olivar Cunha, prepara, com a presença do pintor em Macapá/AP, em julho, uma exposição em comemoração aos 70 anos do artista e 55 anos de profissão. Em 31 de março de 1952, João Raimundo Cunha plantou uma seringueira no quintal. Na casa, nascia Olivar Cunha, na Rua Iracema Carvão Nunes, esquina com a Rua Eliezer Levy, um prédio de alvenaria pintado de amarelo, remanescente do antigo Aeroporto de Macapá, ao lado do Colégio Amapaense, que, à época, só tinha metade do que é hoje. 

Atualmente, a seringueira intercepta o muro oeste do Colégio Amapaense, na Rua Eliezer Levy, e bem que merece ser melhor tratada pela Prefeitura de Macapá, pois se tornou um ícone da cidade, por representar um dos maiores artistas plásticos amazônidas. Amazônida no sentido do termo atribuído pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto: o caboco, o ribeirinho, o nativo da Hileia. 

A seringueira já escapou de ser decepada graças à intervenção do engenheiro florestal Luiz Guilherme Dias Façanha, nascido em 18 de julho de 1952, amigo de infância de Olivar Cunha. Em 1983, Luiz Façanha trabalhava como especialista em seringueira (Hevea brasiliensis) na extinta Superintendência da Borracha (Sudhevea), um dos órgãos federais absorvidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A seringueira apresentava uma grande lesão no tronco. Debilitada, foi atacada por fungos e insetos. 

Segundo Luiz Façanha, estudantes fizeram forte pressão junto à Prefeitura de Macapá e ao Governo do Estado para que autorizassem abater a árvore, alegando risco de vida para quem por ali transitava. Foi então que o repórter da Rede Globo, Antônio de Pádua, solicitou a Luiz Façanha que fizesse uma gravação no local, para dar sua opinião sobre o caso. Após minuciosa inspeção, Façanha verificou que a árvore estava se recuperando do ferimento, embora muito lentamente, e em razão disso posicionou-se contrário ao abate. 

– É claro que pesou na minha decisão todo o histórico da nossa infância brincando em volta daquela árvore: Olivar, João, Chico, Ray Cunha e eu. Minha convivência com o Olivar foi, basicamente, no nosso período de infância. Estudamos juntos no então Grupo Escolar Anexo da Escola Normal e lá fizemos todo o Curso Primário, nos idos dos anos 1950/1960. Após as aulas, dividíamos nosso tempo brincando pelos quintais do seu João (pai do Olivar), correndo por cima dos muros e se pendurando nas árvores do quintal – lembra Luiz Façanha. O fato é que a Rede Globo e Luiz Façanha salvaram a Seringueira. 

Em 2004, a Editora Cejup, de Belém do Pará, publicou meu romance A CASA AMARELA, ambientado em Macapá, a partir do ano de 1964. Nele, a Seringueira, já com inicial maiúscula, se tornou personagem do romance, com atitudes humanas, como, ao se emocionar, sacudir as folhas sem vento e verter leite sem golpe no tronco. 

O gênio do artista plástico começou a se revelar no curso primário; seus trabalhos eram formalmente impecáveis e já revelavam criatividade. Pré-adolescente, começou a brincar com seu pequeno prato de massas coloridas e pincéis de tamanhos variados. Aos 14 anos, em 1966, Olivar Cunha já pintava profissionalmente e aos 15 expôs pela primeira vez. Uma madrugada, um marchand francês acordou todo mundo, em casa, porque teria que viajar para a França naquela manhã e queria porque queria levar alguns quadros do Olivar, e levou o que estava disponível. 

Nas décadas de 1970/1980, casado com Maria da Glória Nascimento Cunha, o artista morou em Belém, quando produziu algumas dezenas de telas que o colocam como um dos mais importantes artistas plásticos contemporâneos: seus mendigos do Guamá, subúrbio da Cidade das Mangueiras, são chocantes. Olivar e Glória namoraram durante 7 anos e foram casados por 7 anos. Ela partiu cedo para o mundo espiritual. 

Em Belém, Olivar Cunha ganhou um novo nome: Lili, batizado pela sua filha Tatiana, assim que ela aprendeu a falar, e que lhe deu um neto: Bernardo Cunha Barros. Lili teve outra princesa com Glória: Taiana, que também lhe deu um neto: Alexandre Cunha de Sousa. 

Viúvo, Lili foi para o Rio de Janeiro estudar artes plásticas no Parque Lage, onde foi aluno do professor Charles Watson. Também fez um curso de restauração no Museu Nacional de Belas Artes. De volta a Macapá, conhece a capixaba Célia Maria Rocha Cunha, em 1986, casam-se no ano seguinte, e, em agosto de 1988, mudam para o Espírito Santo. Do segundo casamento nasceram Ângelo Ticiano Rocha Cunha e Luciano Rocha Cunha. 

Nos anos de 1990, consolida sua posição como um dos grandes expressionistas contemporâneos, com a série de animais agonizando nos esgotos das grandes cidades, como na impressionante acrílica sobre tela Tuiuiú Crucificado, uma ave crucificada pairando sobre a Baía de Guanabara – talvez o berro mais fovista, o grito mais expressionista de Olivar Cunha. 

Ele pintou esse quadro em três meses, em 1992, em seu apartamento na praia atlântica de Jacaraípe, distrito do município de Serra, na grande Vitória do Espírito Santo. Trata-se de uma acrílica sobre tela, em espátula e pincel, de 120 por 100 centímetros. Pertence à fase que o pintor chama de Habitat Transform, desenvolvida no Rio de Janeiro e em Jacaraípe, após pesquisa sobre a devastação da flora e da fauna do Amapá, do Pará e do Pantanal. 

Apesar de contar com o mar onde foi fisgado o maior marlim azul do mundo, o Atlântico ao largo do Espírito Santo, é a Amazônia que pulsa nas telas do gênio. Mas, depois que se mudou para Jacaraípe, começou também a recuperar obras sacras, esculturas com valor também histórico, de igrejas de vários municípios do Espírito Santo. 

O gênio pinta a alma das suas criaturas, sejam elas pessoas ou paisagens. Assim, as telas de Olivar Cunha gritam como o coração das trevas, mas também pulsam no rio da tarde, prenhes do perfume dos jasmineiros noturnos. O artista dá à luz a Amazônia eternamente viva, a Hileia que só os cabocos entendem – os apreciadores de merengue, de mapará assado na brasa servido com pirão de açaí, o trotar da mulher amazônida no calor equatorial, o mergulho no rio que deságua na tarde, os segredos que se encerram na Fortaleza de São José de Macapá, no Trapiche Eliezer Levy, no Ver-O-Peso, na Estação das Docas, em Mosqueiro, em Salinas, no Bailique, em Caiena, na Amazônia Caribenha. 

No romance JAMBU, que mistura personagens de ficção com pessoas reais, faço uma homenagem ao pintor Olivar Cunha, ao poeta e cronista Isnard Lima, pai da minha geração perdida, e à pianista Walkíria Lima, mãe de Isnard e pioneira das artes em Macapá. Segue-se trecho: 

“Além de estudantes e expectadores em geral, que disputaram uma das duas mil poltronas da luxuosa casa de espetáculos, a aristocracia amapaense estava em peso no Teatro Açaí, do Hotel Caranã, muitos deles em roupas de luxo, algumas, espalhafatosas, lembrando sapos encasacados, inchados de tanta comida e dinheiro, guardado em bancos e malas; se fossem postos de cabeça para baixo não cairia um níquel sequer, pois quem é viciado em dinheiro esconde-o. Alguns estavam tão inchados que se alguém ficasse olhando para eles esperaria ouvi-los coaxar. 

“Quando a professora Walkíria Ferreira Lima entrou no palco, os músicos da Orquestra da Escola de Música do Amapá levantaram-se e o público também, aplaudindo-a em pé. De porte frágil, agigantava-se no púlpito. Nascera em Manaus, onde se formou em música, começando os estudos de piano aos 10 anos de idade. Chegou a Macapá na década de 1950, e começou a lecionar canto orfeônico na Escola Barão do Rio Branco e na Escola Industrial do Amapá, antes da criação do Conservatório Amapaense de Música, onde ensinou piano e solfejo. 

“Walkíria Lima foi ainda uma das fundadoras da Academia de Letras do Amapá, patrocinando a cadeira 40. Casou-se com o mágico Isnard Brandão Lima e teve um único filho, o poeta manauara-macapaense Isnard Brandão Lima Filho, autor de Rosas Para a Madrugada e Malabar Azul. Isnard sentara-se na primeira fila. Pálido, olhos amendoados e olhar intenso, cabeleira penteada como a de Castro Alves, bigode, fumante inveterado e dipsomaníaco, lembrava um misto de toureiro e dançarino de tango. Ao lado dele, sentara-se o gênio do pincel e da espátula Olivar Cunha, que assinava os 21 painéis que compunham a exposição oficial do Festival de Gastronomia do Pará e Amapá”.

O lema de Olivar Cunha sempre foi “viver é um tesão”. A presença dele, sua simples lembrança, me causa alegria, uma espécie de sensação de coisa nova, de descoberta, de novas possibilidades, de viagem, de aventura. Ele emana uma força poderosa até no repouso, no silêncio, na simplicidade. Mas seu grande poder se manifesta ao usar a paleta, o pincel e a espátula, em busca do triunfo da luz.

Tuiuiú Crucificado sobre esgoto na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro

Klingerly, Márcio, Linda, Marina Cunha, Olivar Cunha e Mel

A Seringueira na capa de A CASA AMARELA, edição da Amazon