sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Fragmentei meu coração na Rua Iracema Carvão Nunes e no Trapiche Eliezer Levy

Trapiche Eliezer Levy, em Macapá, cidade que se debruça para o rio
Amazonas, na confluência da Linha Imaginária do Equador, na
Amazônia Caribenha (foto reproduzida do Facebook)
 
BRASÍLIA, 25 de janeiro de 2013 – Os tucujus a habitavam e Carlos V de Espanha a chamou, em 1544, de Adelantado de Nueva Andaluzia e a deu ao navegador Francisco de Orellana. Em 1738, foi instalado, ali, no cruzamento da Linha Imaginária do Equador com o Amazonas, um destacamento militar, no local preciso onde hoje é a antiga Praça São Sebastião, atual Veiga Cabral. Em 4 de fevereiro de 1758, o capitão-general do Estado do Grão-Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, fundou a Vila de São José de Macapá, que se debruça sobre o maior rio do mundo, não muito distante do Atlântico. Na maré alta, o gigante avança sobre a cidade, entre o açoite do vento e o muro de arrimo, onde estaca, recua e arremete com mais ímpeto. Em meio à agitação, o Trapiche Eliezer Levy emerge, indiferente. Lá, deixei também meu coração. Eu tinha 17 anos, e, quando entregamos o coração nessa idade, é com o fervor cego da entrega total. Entre as cidades que amo, e cada uma delas é um abismo de rosas, Macapá é como a mulher que desejamos por muito tempo e que inesperadamente está diante de nós, nua. Macapá emerge do rio como uma miragem, e só acredito que estou nela quando a cidade me engole. Entro no santuário, despido de todas as feridas, mergulho num mundo prenhe de jasmineiros que choram nas noites tórridas, merengue, mulheres que recendem a maresia e Chanel número 5, o embalar de uma rede no rio da tarde, tacacá, Cerpinha, e lhe oferto rosas, pedras preciosas, luz, toda a minha riqueza. É nesse mergulho que sempre me perco em ti, e sempre de propósito, numa vertigem da qual só me recupero em Brasília, dias depois. As viagens que fazemos no coração são vertiginosas demais para o pobre corpo. A casa da minha infância, cada palavra que garimpei em madrugadas eternas, cada gota de álcool com que encharquei meus nervos, cada mulher que amei nos meus trêmulos primeiros versos, cada busca do éter, nas noites alagadas de aguardente, o jardim da casa da Leila, no Igarapé das Mulheres, o Elesbão, a casa da Myrta Graciete, a casa do poeta Isnard Brandão Lima Filho, na Rua Mário Cruz, o Macapá Hotel, o Trapiche Eliezer Levy, pulsam para sempre no meu coração, que enterrei na Rua Iracema Carvão Nunes. Macapá, meu amor! Tudo o que posso te dar é o rubi que há no meu peito, e que já é teu.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Abismo azul

Liberdade é o domínio do espírito sobre o corpo, que é limitado,
Matéria, tão somente átomos; desintegra-se, deteriora-se,
Desmancha-se no ar.
O voo infinito só cabe na alma, livre de amarras, absoluto,
Agora e agora, no momento mesmo da vida.
Liberdade é sentir no nariz, na boca, nas mãos, no corpo todo,
O abismo de mistério que é uma mulher nua
E que não pertence a ninguém, como o azul do mar.
Liberdade é jasmineiros chorando, gemidos de madrugada,
Que se diluem, como música, no jardim.
Há liberdade no navio que parte do trapiche de Macapá,
No Boeing 737, no Gmail, no éter, que leva o pensamento a toda parte.
Liberdade é o sol, após uma noite ao frio na Rodoviária de Niterói
Ou na Estação Aeroviária de Buenos Aires
Quando a esperança quebrou-se como cristal fino,
Somos salvos do assassino e dormimos com a princesa.
Liberdade é a alegria que vejo nos teus olhos
Quatorze apoios antes de tomar banho
Café Três Corações, gourmet, com leite em pó,
Levantar-se todos os dias às 4 horas, para criar
Comer feijão com arroz como quem degusta camarão pitu com pirão de açaí
Tucunaré frito, tamuatá ao tucupi.
É não sentir ciúme, inveja, medo
Sentir as mãos da mãe no rosto
E a presença eterna do pai, forte como um touro, sereno
A plenitude do primeiro beijo
O triunfo da luz! 

Ray Cunha
Brasília, 20 de janeiro de 2013