sábado, 30 de dezembro de 2017

Na Boca do Jacaré-Açu fecha trilogia de contos ambientados em Belém, Manaus e Macapá


O livro de contos NA BOCA DO JACARÉ-AÇU – A AMAZÔNIA COMO ELA É (Ler Editora/Libri Editorial, Brasília, 2013, 153 páginas) fecha a trilogia que começou com A GRANDE FARRA (edição do autor, Brasília, 1992, esgotado) e prosseguiu com TRÓPICO ÚMIDO – TRÊS CONTOS AMAZÔNICOS (edição do autor, Brasília, 2000, 116 páginas), e que tem como espinha dorsal as metrópoles da Hileia. NA BOCA DO JACARÉ reúne 14 histórias curtas, ambientadas em Belém, a quem o autor dedica o livro: “Cidades são como mulheres. Este livro é para Santa Maria de Belém do Grão Pará”.

O LUGAR ERRADO  Sobre o livro, conta Ray Cunha: “A convite do jornalista Walmir Botelho, então diretor de redação de O Liberal, de Belém do Pará, trabalhei no jornal dos Maiorana durante os anos de 1996 e 1997, ao fim dos quais retornei a Brasília. Naquela ocasião, travei amizade com o editor da Cejup, Gengis Freire, que publicou a novela A Caça. Mas Gengis queria um romance, e eu tinha acabado de escrever O Lugar Errado, thriller psicológico que se passa em Belém e no Marajó. Entreguei, assim, ao editor, os originais. Gengis mandou digitá-los, fazer a revisão gramatical e publicou-o.

“De volta a Brasília, submeti O Lugar Errado ao jornalista e escritor Maurício Mello Júnior, que apresenta o programa Leituras, da TV Senado, e escreve resenhas para o jornal O Rascunho, de Curitiba. Ele me disse que algumas personagens se confundiam, pois falavam do mesmo jeito, e que o livro sofria de adiposidade. A mesma coisa me disse o escritor, mestre em Teoria Literária pela Universidade de Brasília e revisor Marcelo Larroyed.

“Com efeito, entregara os originais a Gengis Freire sem sequer fazer os ajustes necessários. Só então resolvi promover os cortes, e percebi, então, que havia duas novelas se entrecruzando. Cortei até o osso, seccionando toda a parte do encoxador, e vi que a história de Agostinho Castro, atormentado porque seu pai estuprou a tia pintora de Agostinho, e que morreu dias depois sem dar um pio, constituía-se, por si só, em uma novela, enxuta, condutora do verdadeiro argumento de O Lugar Errado.

“Dei à novela o título de NA BOCA DO JACARÉ e a publiquei juntamente com alguns contos, todos ambientados em Belém, fechando, com esse livro, a trilogia que começou com A GRANDE FARRA, seguido de TRÓPICO ÚMIDO. NA BOCA DO JACARÉ-AÇU – A AMAZÔNIA COMO ELA É, como intitulei o volume, foi autografado também em Macapá, quando doei para a Biblioteca Pública Elcy Lacerda alguns exemplares do livro.

“O blog Amapá, minha amada terra!!! publicou uma resenha escandalizada (pareceu-me escrita por estudante do Bartolomeia, escola de freiras para moças em Macapá) sobre O Lugar Errado, que retirei da minha bibliografia, e NA BOCA DO JACARÉ, chamando a atenção para a parte do encoxador. Com efeito, a depravação, nessa parte, a que foi extirpada, é digna do Marquês de Sade. Pois bem, nos meus cortes, restaram apenas a ossatura, músculos e nervos; o resultado foi NA BOCA DO JACARÉ”.

A AMAZÔNIA DE RAY CUNHA  Sobre o trabalho do escritor macapaense, especialmente NA BOCA DO JACARÉ, diz Marcelo Larroyed, mestre em Teoria Literária pela Universidade de Brasília: “O fim da tarde, imobilizada por nuvens imóveis, e pesada como chumbo, lembrava um tumor...” A médica pressionou o botão, e a máquina me deslizou para dentro do seu túnel branco, onde eu ficaria imóvel por vinte minutos, enquanto me escaneavam o crânio. Então, decidi por escrever esta resenha.

“O fim da tarde, imobilizada por nuvens imóveis, e pesada como chumbo, lembrava um tumor...” Assim começa o primeiro conto de Na Boca do Jacaré-Açu, uma tomografia da Amazônia, que tem como resultado imagens em verde tisnadas de coloração humana.

“Não é bem o túnel tomográfico: parecemos presos na boca verde do jacaré simbólico, mas a imensidão da floresta e seu universo esplendoroso e ilimitado em fauna e flora são pequenos para conter as paixões e dramas do ser humano.

“Na máquina de tomografia, ficamos encapsulados no túnel branco. Vistos do espaço, na Terra somos prisioneiros gravitacionais da esfera azul. Mas a Amazônia de Ray Cunha é o Inferno Verde.

“É certo, não há o coaxar repetitivo da máquina-mata, com seus sapos-bois roufenhos e metálicos. Nem a natureza esplêndida e glamourosa da National Geografic, “macumba pra turista”. Mas eis que a chuva vem e volta nas páginas amazônicas de Ray. É o Trópico Úmido chorando, suando, gozando sobre, pelos e com os humanos que se intrometem, abruptos, na obra.

“Os personagens dessa outra dimensão, amazônica, surgem familiarizados conosco e ao mesmo tempo estranhos, desafiadores, ridículos ou exóticos. Pois não estão ali o atormentado Agostinho, o dr. Magalhães e seus impagáveis mugidos, a saborosa Frênia, lânguida desde a pia batismal? E a mitológica fauna humana: um menino com “olhinhos de tubarão e nariz de porco”; a mulher “com aspecto de lobo”; outra mulher “que cacareja”? Humanos, demasiado... Contra o pano verde do cenário vegetal vemos a selvageria urbana do tráfico de meninas intercalada com dramas freudianos/shakesperianos, e de súbito, mas suavemente, nos acaricia a narrativa de pequenos flertes e sutis amores.

“Para entrar na Amazônia e no mundo fantástico de Ray Cunha há que se acolher seus símbolos mais caros: as zínias coloridas, as rosas colombianas, o  perfume inconfundível do Chanel nº 5, a tapioquinha e Cerpinha enevoada, o Ver-O-Peso. O autor planta esses elementos exóticos no Inferno Verde, e nele planta o próprio homem. Como se fosse difícil para o humano ser amazônico. Ou se forçasse a escolha: humano ou amazônico? O ser humano viceja, mas há algo errado, desconexo ou incompleto.

"A Amazônia não é “o” mundo todo, mas “um” mundo todo. Um outro mundo. O planeta Amazônia que não é azul como a Terra, mas verde, terrivelmente verde, ou branco tal qual o medo de um tumor. Com sua natureza fascinante e temível, e seus habitantes inconclusos, os contos têm entre si uma espécie de amarração oculta, um cipoal encoberto pela floresta de palavras, e onde se esconde o temível jacaré-açu.

Na juventude, o escritor Ray foi pugilista amador. Certamente não era o mão de marreta. Vejo em suas luvas ágeis o estilo da pena do escritor: jabs repetitivos, incansáveis – não há nocaute, mas desgaste. Uma sequência contínua, bem encaixada, pode minar o adversário e lhe impor a derrota silenciosa. O tumor. O jacaré-açu”.

PING-PONG – Larroyed também produziu uma entrevista com Ray Cunha:

Como e por que você escolheu o título NA BOCA DO JACARÉ-AÇU?

Trata-se da história que dá título ao livro. Jacaré-açu é o grande réptil amazônico, que atinge mais de 6 metros de comprimento e meia tonelada de peso. No caso do conto, que se passa em Belém e na ilha de Marajó, representa a simbologia da morte. A personagem central da novela, o arqueólogo Agostinho Castro, é filho de um homem forte, dominador e suicida, Castro e Castro, que o leva à boca do jacaré-açu.

Em que período você escreveu os contos que compõem a obra?

Todos eles foram produzidos nos anos 1980/1990. Alguns já foram publicados; outros, são inéditos.

Os contos têm alguma ligação, um fio temático que os una e justifique, formando uma obra única?

Sim. Todas as histórias são ambientadas em Belém do Pará, a quem eu dedico o livro; algumas delas têm sequências no Ver-O-Peso, a maior feira livre da Ibero-América. O conto que dá título ao livro, Na Boca do Jacaré-Açu, como já disse, é também ambientado no Marajó, a maior ilha flúvio-marítima do planeta, situada no que eu chamo Mundo das Águas, especialmente o Amazonas, o maior rio do planeta, e que despeja no Atlântico pelo menos 200 mil metros cúbicos de água por segundo.

Quais escritores influenciaram sua obra e em quê?

Os escritores que me influenciaram – alguns ainda me influenciam – são muitos, mas há os mais importantes, os que abrem a porta para outras dimensões, como Antoine de Saint-Exupéry, Ernest Hemingway, Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa, William Faulkner, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha, e, no caso da Amazônia, Benedicto Monteiro, o mago de Verde Vagomundo. Todos eles me ensinaram, e continuam ensinando, coisas simples, mas fundamentais, como, por exemplo, enxergar uma rosa nua, extrair gemidos femininos das palavras, montar a luz, mergulhar como leão de asas, ver com o coração e garimpar rubis verdes.

Seus livros têm elementos autobiográficos? Quais?

Tudo o que fazemos é autobiográfico, o que não quer dizer que os livros que escrevemos são autobiográficos. Trata-se de um paradoxo, estou ciente disso. O que fazemos é autobiográfico porque o fazemos; contudo, a realidade carnal não existe, porque é limitada por altura, largura, espessura, gravidade e tempo. Só existe, permanentemente, a realidade absoluta, Deus. Assim, as autobiografias são romanticamente heroicas e jornalismo, às vezes, é mentira pura. Nesse aspecto, quando se fala em ficção verdadeira é porque o autor deu à luz. Deixando a filosofia de lado, há muitos elementos autobiográficos no meu trabalho, especialmente cidades, como Belém, Macapá, Manaus e Rio de Janeiro.

E os personagens dos contos? Foram baseados em pessoas conhecidas ou são criações da imaginação do escritor Ray Cunha?

Há personagens que nascem prontas; outras, são retalhos de várias pessoas; algumas, ainda, apresentam-se em sonhos e por meio de sons e visões.

Explique uma de suas marcas como escritor: a repetição, em diferentes obras, de elementos emblemáticos, como Chanel 5 e a personagem Frênia.

Tu bem o disseste: emblemáticos. Chanel 5 simboliza, para mim, sensualidade; o Caribe; noites tórridas, encharcadas de jasmim, em Macapá; maresia; o azul, tão azul que sangra; o perfume das virgens ruivas; rosas nuas; o primeiro beijo; colostro; negra em vestido de seda; mulher na chuva; espilantol. Daí porque são elementos recorrentes no meu trabalho de criação. Mais de uma pessoa querida já me alertou para o que lhes parece falta de criatividade. Mas certos elementos na escrita de um autor são como fases na produção de um pintor: passam. Quanto à Frênia, trata-se de um nome feminino danado de sensual; remete-me a frêmito, frenesi, frenética. Frênia soa como a uma certa noite em que nos dedicamos a mergulhar o mais fundo possível na mulher mais sensual do mundo; ela é lindíssima porque a desejamos, e está na nossa frente, nua.

Atenção livreiros, peçam NA BOCA DO JACARÉ-AÇU – A AMAZÔNIA COMO ELA É ao editor pelos e-mails:



Ou pelo telefone: (55-61) 3362-0008

Endereço da Ler Editora/Libri Editorial: SIG (Setor de Indústrias Gráficas), Quadra 3, Lote 49, Bloco B, Loja 59 – Brasília/DF – CEP 70610-430


Quem mora em Brasília pode adquiri-lo na Estante dos Jornalistas-Escritores, instalada no hall de entrada do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), no Setor de Indústrias Gráficas (SIG), Quadra 2, Lotes 420/440, Edifício City Offices, Cobertura.

A Biblioteca Pública Elcy Lacerda dispõe de alguns títulos do escritor macapaense Ray Cunha.



Veja entrevista de Ray Cunha ao programa Tirando de Letra, da UnB TV, sobre NA BOCA DO JACARÉ-AÇU:

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

O acupunturista Giovanni Maciocia aparece no romance FOGO NO CORAÇÃO, de Ray Cunha

Capa da edição da Amazon.com.br
Aqui, você lerá o Capítulo III do romance de Ray CunhaFOGO NO CORAÇÃO, trabalho de conclusão do curso de Medicina Tradicional Chinesa pela Escola Nacional de Acupuntura (ENAc). Você pode adquirir este livro na Amazon.com.br ou no Clube de Autores.
A reunião, na sala do diretor da Fundação Holística, Marcelo Quintela, começou às 19h40. Além do diretor, Marcelo Quintela, Emanoel Vorcaro e Ricardo Larroyed, estavam presentes mais quatro professores: Bartolomeu Amado; Maurício Couto; Ana Maria Castro, uma carioquinha linda como o mar; e Walkiria Góes, uma goiana sessentona, conhecida como “galinha”, porque aninhava todos os seus alunos debaixo das asas; também era conhecida como “mãe Joana”, porque nas suas aulas os alunos faziam o que bem entendiam, tanto que suas aulas pareciam concerto de rock, daqueles mais vagabundos. Quando Ricardo Larroyed entrou na sala, todos estavam curvados sobre seus celulares, com exceção de Emanoel Vorcaro.
A questão a ser discutida era precisamente que os professores Bartolomeu Amado e Maurício Couto, que ensinavam várias disciplinas específicas de medicina tradicional chinesa, estavam confundindo os alunos, os quais foram orientados, quando entraram na Fundação Holística, a basear-se em Giovanni Maciocia, enquanto os dois professores falavam mal do acupunturista e escritor italiano. Houve várias reclamações de alunos que não concordavam com Bartolomeu Amado e Maurício Couto, que também fizera curso de acupuntura na China, embora curso técnico.
– Meus amigos, a questão é a seguinte: desde o início, a Fundação Holística adotou Giovanni Maciocia como teórico nos nossos cursos, mas de uns tempos para cá os professores Bartolomeu Amado e Maurício Couto vêm ignorando a posição da escola e até desaconselhando os alunos a lerem Maciocia. Quero esclarecer, logo de início, que não se trata, aqui, de pôr em dúvida os conhecimentos dos professores Bartolomeu Amado e Maurício Couto, os quais, todos aqui sabem, são mestres em medicina tradicional chinesa. Pois bem, o que queremos, com essa reunião, é adotar uma linha de raciocínio na escola, para não confundir os alunos, que já andam às voltas com questões comezinhas, que vão desde a profundidade das agulhas até o tempo de permanência delas. Como sabemos, a medicina tradicional chinesa é um universo infinito de conhecimentos, mas nós, como escola, precisamos dar um direcionamento aos alunos; depois, cada qual seguirá sua própria intuição. Assim, gostaríamos de ouvir inicialmente o professor Bartolomeu Amado – Marcelo Quintela discursou.
Maria das Dores Craveiro serviu café e chá de erva cidreira. Ricardo Larroyed gostava do café da escola, um blend encorpado e de aroma forte; serviu-se de uma xícara. Cada qual serviu-se de café ou chá, antes de Bartolomeu Amado começar sua fala. Deu uma golada de chá de erva cidreira, espremeu uma excrescência no queixo, sob a barba rala, e começou a falar.
– Durante minha estada na China, e foi muito tempo, nunca ouvi falar em Giovanni Maciocia. Depois que entrei aqui para a Fundação Holística tentei ler Maciocia, mas não consegui. Ele dá muitas voltas, é repetitivo, e além do mais passou muito pouco tempo na China. Tudo o que aprendi de medicina tradicional chinesa, e não é pouca coisa, foi dos clássicos e de grandes mestres que tive na China. Assim, não vejo por que adotar alguém que desconhece o que é realmente a medicina chinesa. Mas, e que isso fique claro, farei qualquer coisa pela escola – disse Bartolomeu Amado, calando-se a seguir.
– Professor Maurício Couto, por favor – convocou Marcelo Quintela.
– Bem, eu também nunca ouvi falar de Giovanni Maciocia na China; já vim ouvir falar no nome dele aqui no Brasil, e também nunca me interessei em ler algum livro dele, embora eu tenha o Fundamentos, que tentei ler mas achei maçante – disse. – É só o que tenho a dizer. Acatarei a posição da escola.
– Bem, pedimos ao professor Emanoel Vorcaro para fazer a defesa de Giovanni Maciocia, em nome dos que não colocam objeção na adoção do ilustre italiano. Professor! – convocou Marcelo Quintela.
Emanoel Vorcaro trajava-se em indefectível terno; escolhera um de linho preto, camisa de algodão, de branco imaculado, e gravata de seda azul claro.
– Como os senhores sabem, leio, falo e escrevo fluentemente em mandarim, inclusive o clássico, e fiz curso superior de medicina chinesa na China, onde vivi parte da minha vida e aonde retorno de vez em quando. Posso dizer que três coisas me interessam nesta vida, além do meu país: a China, e sua cultura milenar, ternos e rabada (todos riram), especialmente a rabada do Café e Restaurante Dona Neide, na Feira do Guará. Assim, tenho conhecimento suficiente, acredito nisso, para saber o que é adequado ou não a este Instituto Holístico, meu segundo lar. Li toda a obra do professor Giovanni Maciocia, além de ter assistido a uma conferência do grande homem, em Londres, há muito tempo. Giovani Maciocia, no meu julgamento, fez mais pela acupuntura no Ocidente do que todos os professores de medicina chinesa, de todos os países ocidentais, que nunca publicaram um livro, ou que jamais publicarão uma obra como a de Giovani Maciocia; obra fantástica, porque ele leu os clássicos em mandarim, estudou-os à exaustão, compreendeu a filosofia que alicerça a medicina chinesa, e traduziu esse oceano para o inglês, o mandarim do Ocidente, proporcionando a todos, gostem ou não dele, muito embora, às vezes, sem ter a necessária paciência chinesa para o ler, proporcionando a todos, como eu dizia, a oportunidade de entrar nesse mar, seguindo uma hidrovia organizada e sinalizada. Como aqui se trata de uma questão prática, sugiro aos professores Bartolomeu Amado e Maurício Couto que comecem já a ler Giovanni Maciocia, até porque, professores, ensinamos medicina chinesa, porém não estamos na China, mas em Brasília, que, com a China, só tem algo em comum: escorpiões. Com a diferença de que aqui não os comemos – disse.
Todos estavam admirados, pois nunca viram o professor Emanoel Vorcaro falar tanto.
A reunião não demorou, talvez por conta das palavras do professor Vorcaro, firmes e certeiras, pegando desprevenidos os professores Bartolomeu Amado e Maurício Couto. Vorcaro não topava com nenhum dos dois, e o destino havia lhe dado a oportunidade de aplicar um soco elegantíssimo nas caras espinhenta do bafo de onça e lambida de Maurício Couto, o professor sem ética, pois não era ele que aconselhava seus seguidores a não curarem logo o paciente, para terem a oportunidade de meter a mão na sua carteira? Talvez aquela reunião estivesse destinada a prolongar-se mais um pouco, inclusive com bate-boca, mas a posição do professor Emanoel Vorcaro, e sobretudo o brilho nos seus olhos, brilho que jamais viram no zumbi, lançou um balde de água fria em qualquer predisposição a esticar mais o colóquio. A dupla concordou em não mais depreciar Giovanni Maciocia diante dos alunos, o que para Marcelo Quintela era fundamental.
– O acupunturista dispõe de inúmeras técnicas, que ele vai conhecendo ao longo do caminho, mas será a intuição e a prudência que determinarão o que deve ser feito. Questões como se abrir meridiano vivifica ou mata, ou se somente deve-se comer abóbora entre 9 e 11 horas da manhã, horário do baço, ou se devemos defecar entre as 5 e 7 horas, na concentração máxima de energia no meridiano do intestino grosso, por exemplo, são subjetivas, mas é necessário que sigamos, digamos assim, uma escola, e nossa escola básica é Giovanni Maciocia – Quintela comentou com Ricardo Larroyed e Emanoel Vorcaro, os últimos a saíram da Fundação Holística, além de Maria das Dores Craveiro, que fechava a porta. Quintela tinha um compromisso e se mandou. Era cedo, 20h30. Ricardo Larroyed e Emanoel Vorcaro seguiram para o Sushi San, na 211 Sul. Ambos já haviam ido lá e concordavam numa coisa: “Trata-se da melhor comida japonesa de Brasília”. Escolheram uma mesa no térreo e pediram uma garrafa de saquê japonês.
– O que está acontecendo? – Ricardo perguntou ao seu sócio.
– Você notou? – ele respondeu. – Atendi, hoje, na clínica, uma modelo ruiva, com o útero tomado de mioma, ampliado em quatro vezes. É uma das mulheres mais lindas que já vi na minha vida. Hoje, comecei a compreender o que é vampirismo. Você sabe, Larroyed, que não espero mais nada desta vida, pois morri naquela manhã. Na verdade, comecei a morrer um dia antes daquela manhã, quando pensei com tanto furor na mulher amada, que naquele momento era a mulher odiada, e o ódio, que a tudo destrói, destrói inclusive seu condutor, destruiu a mulher amada, e, com ela, toda a luz que me conduzia. Mas hoje, apenas por ver uma faceta do belo, uma amostra, microscópica, da luz, é como se eu houvesse ressuscitado. Não sei quanto tempo isso durará, mas estou eternizando essa sensação ao infinito.
– Uma modelo com mioma? – Ricardo perguntou, degustando o saquê.
– Modelo, linda como a minha Eliana, e em vias de ficar estéril, porque seu útero poderá ser removido, a menos que eu consiga debelar a tara da sua família: todas as mulheres da família dela são atingidas por miomas, e até onde pude perceber todas elas foram operadas, mas nenhuma perdeu o útero, até agora. E eu sei, pelo cheiro, que ela é daquele tipo que fica sempre virgem, embora tenha sido estuprada e usada inúmeras vezes; ela tem a natureza das rosas: frágeis, mas inexpugnáveis.
– Como é que essa paciente foi parar nas suas mãos? – Ricardo perguntou.
– Aquela PM que estuda no Instituto Holístico, Cecília, recomendou ao irmão da modelo, que é também da PM, me procurar, e foram lá esta manhã. Comprei, hoje, inclusive, babosa, para fazer xarope, ainda hoje à noite, para ela começar a tomar amanhã.
– Por acaso ela é da Agência Modelo Cerrado?
– Não sei; sei que ela é modelo.
– Ela será atendida a que horas, amanhã?
– Às 10 horas; sempre às 10 horas.
– O caso dela não é muito comum – disse Ricardo, mergulhando com o hashi no shoyu um naco de salmão.
– Não! O útero aumentou quatro vezes de tamanho!
– Você já pegou algum caso parecido?
– Não, igual a esse caso, não!
– Eu também nunca peguei um caso desses, nem no Instituto, nem na clínica. Aparecem casos de mioma, mas não tão grandes como esse. Tenho notado que é uma doença muito comum; aparecem muitos casos no ambulatório do Instituto? – Larroyed sondou.
– Sim, sim! Sou capaz de me lembrar, inclusive, no que diz respeito a modelo, pois já atendi na Fundação duas pacientes modelos. Foram uma vez e não voltaram mais, ambas com mioma no início. Suponho que tenham resolvido a coisa com uma raspagem. Minha vida é uma sucessão de aparições de modelos; não sei se isso é real ou se é sonho. Mas o que é real e o que é sonho!
– A Cecília o acompanha desde sempre no ambulatório do Instituto; ela é talentosa?
– Você está pensando em dar uma oportunidade a ela na clínica? Não! Ela é medíocre no diagnóstico, mas é a melhor aplicadora de agulha entre meus alunos; é só dizer onde é o ponto. Ela sabe o nome de todos os pontos anatômicos, embora não tenha noção do que esteja fazendo. Estão ensinando os alunos de maneira errada. Muitos, lá, que já acabaram inclusive as matérias teóricas, quando vão aplicar agulha banham o paciente com álcool e antes de aplicar cada agulha orientam o paciente a respirar fundo. Assim, eles são preparados para sentir dor, e a sentem, claro. Após dez agulhas eles ficam estressados. Lembro-me que atendi uma paciente que não suportava agulha e dizia sentir dor até se a triscássemos; apliquei nela 10 agulhas e quando terminei ela me olhou com olhos esbugalhados exclamando: o senhor já colocou as agulhas? Sim! Disse-lhe. Doeu? Ela: Não! Nem um pouquinho! Nossa! Pensei que isso doeria! Os alunos que estavam me acompanhando ficaram boquiabertos, especialmente os que aprenderam essa besteira de banhar o paciente com álcool e alertá-los para uma sequência de punhaladas. Mas como eu ia dizendo, comecei a duvidar se estou vivendo ou sonhando, ou nem um nem outro, já estou morto mesmo – disse o professor Emanoel Vorcaro, comendo um naco de sushi.
– Pode ser que nenhum de nós esteja vivo; de qualquer jeito, quando sair daqui irei para a casa da Greta, e, morto ou não, pretendo meditar nela – disse Ricardo Larroyed. – Mas esse negócio é intrigante, se a vida, na dimensão da Terra, é real ou fictícia, ou melhor, se a própria dimensão, altura, largura, espessura e tempo, além da força de gravidade, é verdadeira ou é ilusão.
– Seja como for, este excelente Kamoizumi, fabricado em Hiroshima, a mim parece bem real – disse Vorcaro, tomando um grande trago da bebida.
– Só conheço Tókio – disse Ricardo.
– Conheço razoavelmente o Japão – volveu o professor Vorcaro. – Gosto de lá, especialmente de Tókio, que é realmente uma cidade grande, cosmopolita, como São Paulo. Foi lá que aprendi a lidar com adagas. Posso cravar uma adaga na outra a 30 metros de distância. Acho que daria um bom cirurgião, pois além de manejar com destreza ferramentas cortantes, como navalha, por exemplo, conheço minuciosamente a anatomia humana. Certa vez, conversando com um doutor em anatomia, ele se surpreendeu com meus conhecimentos. Posso descrever minuciosamente, e de forma erudita, a região de cada acuponto – disse Vorcaro. O jorro de conhecimentos que ele vertia minava como água das pedras; talvez se originasse disso parte da sua elegância, que é o oposto da pose.
– Você é capaz de auscultar um baço? Se você quisesse golpear um baço, seria capaz de alojar um punhal exatamente nele?
– Até a 30 metros de distância; com mais do que isso talvez errasse e atingisse o pâncreas – disse Vorcaro, com o que Larroyed já havia detectado nele: humor negro. – O intrigante é que tenho esse poder, mas, com relação à minha querida Eliana, não pude ajudá-la; nunca pude perceber o que estava acontecendo com ela, nem se quando a conheci ela já mergulhara naquele vício. O que desencadeou o vício? Por que ela me escolheu? Por que ela morreu antes de confessar sua tragédia? Por que não conversei com ela naquela noite? Por que um gato me entregou o diário dela? Por quê? Por quê? Só há por quês!
– É o caminho! – disse Larroyed. – Acho que devemos prestar atenção apenas no agora; agora é a eternidade, e a eternidade pode ser uma modelo ruiva – disse.
Os olhos de Vorcaro voltaram a se iluminar.
– Agora é a eternidade! Mortos ou não, temos muito, ainda, o que viver. A eternidade pode estar nesse Kamoizumi – disse, bebendo um gole. – Preciso preparar o xarope daquele anjo. Ela pode muito bem ser o avatar da minha Eliana. A Eliana só não era ruiva, mas era toda simétrica; eu a medi toda. Tínhamos esse jogo: mediamo-nos. Eu sou praticamente aleijado, ou pelo menos completamente assimétrico, enquanto ela era perfeita; em vez de lavas de rubi, o que escorria da sua cabeça era mel, mel e lava de ouro, e sua boca lembrava uma rosa colombiana, esmigalhada, como a boca da Aline Moraes. Ela era perfeita, exceto por não poder ter filhos, e por se comportar como cadela no cio. Mas cadela no cio é apenas um animal irresistível aos cães, e todos eles enlouquecem quando sentem o cheiro. Eu também enlouquecia; Eliana me levava à loucura, e assim foi durante uma década, uma década inteira. Eu pensei que ela não quisesse ter filhos e não a forçava, até porque ela era aquela cadela no cio, e, como Rosa Nolasco, ela tinha bezerro; seu sexo sugava o meu como uma ventosa, e era sempre apertado, e cada vez era como se eu rompesse seu hímen; ela era sempre virgem, e tinha o perfume das virgens ruivas o tempo todo. Sei disso porque a primeira mulher da minha vida era ruiva. Eu tinha 14 anos e ela, 16. Era virgem, e ruiva. Foi também meu primeiro beijo na boca. Ah! Foi um cataclismo aquele beijo. Pela primeira vez senti que, realmente, estamos girando no espaço, a velocidades inacreditáveis. Foi um terremoto, seguido de uma queda para cima. Caí num abismo sem fundo, pois rompi o hímen do abismo, até chegar ao fundo, e então me vi num labirinto sem fim, e comecei a caminhar nele, a correr, a voar, até ver uma luz insuportavelmente branca na boca do túnel onde me encontrava: era o acme – disse Vorcaro, que tinha bebido pelo menos três quartos do saquê. – Vá e mergulhe na Greta; quanto a mim, preciso preparar o xarope para aquele raio de luz, para aquele Pequeno Príncipe, que parece ter vindo me resgatar do mundo das trevas. Dê, por mim, um abraço na Greta; o resto é por sua conta – disse, sinalizando ao garçom para levar-lhe a conta. – Este jantar é meu; você pagará nosso almoço, amanhã. Poderemos nos encontrar na clínica, você conhecerá a Rosa Nolasco e então decidiremos onde vamos almoçar.
– Vorcaro, há uma coisa que precisamos conversar – disse Larroyed. E então contou tudo sobre a investigação que começara naquele dia.
Do Sushi San, Ricardo Larroyed se dirigiu para o apartamento de Greta Cantanhede. Gostava de ir lá. Já passava das 23 horas quando subiu para o apartamento, de três quartos, no último andar de um prédio próximo à panificadora e confeitaria Pão Dourado, na Primeira Avenida do Sudoeste. Quando não mergulhava no trabalho, pesquisas, cursos e viagens ao exterior, Greta adorava cozinhar, ouvir música, ler e curtir Ricardo Larroyed. “Por que não casamos ainda?” – pensava. “Será que ela está aguardando que a peça em casamento? Mas ela não é desse tipo, de ficar aguardando pelos outros. Ela, quando quer alguma coisa, vai lá e pega. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer, como canta Geraldo Vandré! Mas ela é mulher, e mulheres não pedem homens em casamento, pelo contrário, deixam-se caçar, pois essa é a natureza delas. Contudo, se ela quisesse já teria pelo menos insinuado que quer se casar comigo. E depois, será que eu não iria atrapalhá-la profissionalmente? E também será que não ocorreria a síndrome de Mara? Não, no caso de Mara era diferente: ela estava sempre disponível, e me queria disponível também; além do mais, Mara é dessas mulheres que querem fornicar todos os dias, e eu passava até uma semana para bater ponto; ela não aguentou. Poderia sair por aí, como a esposa do Vorcaro, mas não, era fiel a mim. Depois não sou Vorcaro, sou cana!” – pensava. Quando a porta do elevador se abriu lá estava “o anjo que povoa meus sonhos”. Apreciava tudo em Greta, inclusive seu nome, que lhe evocava púbis angelical, greta, fenda, grota, rio de mistérios, voo na luz, como no poema Viagem Dentro de Ti, de Emanoel Vorcaro.

Estou pronto para ti
Sereno como um homem deve ser diante de uma mulher nua
Pegar-te-ei com tanta suavidade, e firmeza,
Que lamentarás o prazer, intenso como o voo do orgasmo
Tocarei cada ponto dos teus meridianos
No fundo mais recôndito dos teus abismos insondáveis
Cavalgar-te-ei, preso em ti, na tua boca, nos teus seios, no teu sexo
Como a Terra gravitando em torno do Sol
A 108 mil quilômetros por hora
O sistema solar girando em volta do núcleo da Via Láctea
A 830 mil quilômetros por hora
A Via Láctea indo para o Grupo Local
A 144 mil quilômetros por hora
O Grupo Local voando para o aglomerado de Virgem
A 900 mil quilômetros por hora
E tudo isso seguindo em direção ao Grande Atrator
A 2,2 milhões de quilômetros por hora
O Grande Atrator fica para além de Centauro
A 137 milhões de anos-luz da Terra

A madrugada instalara-se. É interessante a madrugada. Seu som é um não som, ou, simplesmente, silêncio, mas som, som que somente os iniciados ouvem. É como o som das rosas, pulsar da música de Mozart, a regularidade da maresia, injeção de espilantol; assim, o som da madrugada pode ser ouvido pelos nervos, e é um som que também tem cheiro, às vezes, da mulher amada. O cheiro da mulher amada é o das rosas nuas; só pode ser inalado pelo coração. O som da madrugada, também, às vezes, é um gemido, uma sequência de gemidos, acme, um beijo, profundo e prolongado, pois o caminho de um beijo assim é como um tobogã que nunca termina, só termina no momento em que tudo se transforma em luz, um deslizar, o colchão, lençóis perfumados, o contato acetinado, infinito, do corpo de uma mulher. O corpo de uma mulher é sempre redentor, pois uma mulher é sempre mãe. E, como disse seu dileto mestre e amigo Emanoel Vorcaro: haverá obra de arte mais sublime do que uma mulher muito linda, nua? Oh! Não! Greta era a própria eternidade do acme, um voo que nunca termina, como o latejar da música de Mozart, uma vibração sutil, a mesma vibração da mulher de Vorcaro, simétrica. As pessoas simétricas são assim. Os outros gravitam em torno das pessoas simétricas, e, às vezes, voam para a luz, voo cego, como o dos cães ao farejarem o cio, e se queimam na luz, a menos que oscilem na mesma intensidade, que é quando se dá a sintonia. É o mesmo princípio do Tao, da acupuntura, do Universo: harmonia. Haverá diferença entre harmonia e equilíbrio? Ou será o equilíbrio a harmonia? O equilíbrio está sempre à beira do abismo; um passo em falso e dá-se a queda. Na harmonia, nada pode ser imperfeito. O assassino é desequilibrado; a harmonia é simétrica; o golpe no baço é perfeito; o púbis é ruivo; a manhã de sábado recende a pupunha.
Ricardo Larroyed costumava levantar-se às 5 horas; não quando dormia no apartamento de Greta. Acordou às 7 horas sentindo cheiro de café, um café encorpado, um Antonello Monardo, e um cheiro indefinido, mas que conhecia. Apurou o nariz; não conseguiu definir o cheiro. Saiu da cama, foi ao banheiro, onde não se demorou, e entrou na cozinha. Na mesa havia um alguidar cheio de pupunhas, vermelhas e grandes.
– Pupunha? Não acredito! – disse Ricardo Larroyed, com água na boca.
– Chegou ontem de Macapá, e quis te fazer uma surpresa. Não vai te empanzinar; você tem o almoço de sábado com o Vorcaro!
– Até lá, já estarei novamente com fome.
Bebeu meio copo de água, beijou Greta e sentou-se à mesa. Sentia-se satisfeito. Seria isso o casamento? Anos e anos duas pessoas se encontrando o tempo todo dentro de quatro paredes, às vezes na companhia de uma prole. Seria isso o casamento, uma sequência de manhãs e noites, de cafés da manhã e de noites, televisão, filmes americanos, pupunha, cuscuz, tapioquinha? Era isso o que queria, ver Greta no vaso, Greta encaixando absorvente, Greta retirando absorvente com mênstruo, Greta doente, Greta amassando o tubo de pasta dental no meio, criança chorando, cachorro latindo, gato empestando a casa toda com pelo e mais pelo? Greta monitorando suas saídas, suas roupas, suas palavras; Greta envelhecendo.
– Você está preocupado com alguma coisa – ela disse, servindo-lhe café.
Ele degustava uma enorme pupunha; soltou um suspiro.
– Comecei ontem a investigar o assassinato de três modelos; uma delas parece que foi suicídio, mas não está descartado assassinato, e ontem mesmo surgiram pistas que podem esclarecer mais rapidamente do que eu esperava o que parece assassinatos em série, e isso me perturbou um pouco – explicou. Costumava sondar Greta quando algo o perturbava.
– Fale mais sobre o caso – ela pediu, descascando uma pupunha.
– O caso é o seguinte: a primeira modelo foi assassinada, ou se suicidou, em janeiro deste ano. Você deve ter ouvido falar neste caso: uma modelo paraense que se jogou, ou foi jogada, do décimo primeiro andar do Grande Hotel. O segundo caso ocorreu em fevereiro, quando num banheiro do primeiro subsolo do Grande Hotel foi encontrada uma modelo com uma punhalada no baço e uma no útero. O terceiro caso ocorreu agora em dezembro. Outra modelo foi encontrada no apartamento onde morava, na Asa Sul, morta com uma punhalada no útero; estava estupidificada de boa noite Cinderela quando foi atacada, e morreu de hemorragia. As três eram da Modelo Cerrado, sediada no complexo arquitetônico do Grande Hotel, e todas as três sofriam de mioma e se tratavam com acupuntura; duas delas chegaram a ser atendidas, uma vez somente, no Instituto Holístico, pelo professor Emanoel Vorcaro, que começou a atender ontem, na Clínica de Terapias Holísticas, uma quarta manequim, a qual eu ainda não sei se é da Modelo Cerrado. Falar nisso, preciso estar na clínica às 10 horas, pois o Vorcaro quer meu parecer no caso da modelo, que está com o útero aumentado quatro vezes de tamanho, tomado de miomas. Não consigo ver o Vorcaro assassinando alguém, embora o que eu veja, ou não, seja irrelevante. Mas estou ainda no nível das cogitações; tudo o que tenho são cogitações, cogitações e mais cogitações! Ainda bem que posso contar com elas. Mas terei um dia promissor: além da modelo às 10 horas e do almoço com Vorcaro, terei uma conversa com um suspeito às 16 horas e com o delegado que investigou os assassinatos às 19 horas, lá no Grande Hotel – disse Larroyed, descascando uma pupunha.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Terapeuta promove saúde no corpo e na alma

RAY CUNHA é terapeuta e jornalista especializado em Medicina Tradicional Chinesa (MTC), que abrange Acupuntura, Massagem Terapêutica Chinesa (Tuiná), Auriculoterapia, Fitoterapia e Alimentação Energética. As técnicas em MTC equilibram o corpo e a mente; extinguem dores; tratam as síndromes físicas e psicológicas, como, por exemplo: ansiedade, depressão, síndrome do pânico, insônia, fibromialgia, desejos suicidas; emagrecem com segurança; aumentam a defesa imunológica; e previnem doenças etc. É também técnico em Massagem Modeladora.

Consultório na 707/907 Sul – Edifício San Marino (ao lado da Aliança Francesa) – Sala 321 – Brasília/DF.

Edição da Amazom.com.br
MAIS INFORMAÇÕES

Telefone (61) 99621-6425 

– Formado em Medicina Tradicional Chinesa pela Escola Nacional de Acupuntura (ENAc) – de 06/08/2013 a 12/07/2016 – com 2.080 horas de aulas presenciais e 440 horas de estágio no ambulatório da ENAc, num total de 2.520 horas/aula – Brasília.

– Formado em Auriculoterapia pela Escola Nacional de Acupuntura (ENAc) – de 07/02/2014 a 11/04/2014 – Brasília.

– Formado em Tuiná (massagem terapêutica chinesa) pela Escola Nacional de Acupuntura (ENAc) – de 14/10/2014 a 16/12/2014 – Brasília.
Edição do Clube de Autores

– Formado em Massagem Modeladora pelo Senac de Ceilândia/DF, em curso de 40 horas-aula, de 11 a 22 de setembro de 2017.

– Participou do I Workshop Internacional de Osteopatia, Terapias Manuais e TAD (Terapia Anti-Dor), promovido pelo Instituto de Biociências e Instituto Sacrum, e ministrado pelo posturopata Ángel Gil Estévez, do Instituto Sacrum (Espanha) – 24/01/2015, com duração de 10 horas – Brasília.

– Prestou atendimento em Acupuntura, Auriculoterapia e Massagem Terapêutica como aluno da Escola Nacional de Acupuntura (ENAc) por ocasião de congraçamento no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), nos dias 25 de abril e 1 de agosto de 2015, num total de 8 horas.

– Participou como aluno da Escola Nacional de Acupuntura (ENAc) de ação promovida pela Cipa – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, do Colégio Marista de Brasília (L2 Sul), prestando atendimento em Acupuntura, Auriculoterapia e Massagem Terapêutica, em 1 de outubro de 2015, num total de 4 horas.

– Participou como aluno da Escola Nacional de Acupuntura (ENAc) da Semana da Enfermagem do Hospital Sírio-Libanês Brasília, de 9 a 11 de maio de 2016, prestando atendimento num total de 12 horas em Tuiná (massagem terapêutica chinesa) e Auriculoterapia aos funcionários das três unidades do Hospital Sírio-Libanês em Brasília.

– Participou como aluno da Escola Nacional de Acupuntura (ENAc) do Teias – Tecnologia, Empreendedorismo, Inovação, Arte e Sustentabilidade, promovido pelos alunos do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), no dia 3 de junho de 2016, num total de 4 horas.

– Participou do I Workshop de Cuidados Paliativos, promovido pelo Centro de Oncologia Hospital Sírio-Libanês – Unidade de Brasília, no dia 18/06/2016, com duração de 8 horas.

– Realiza atendimento voluntário em Medicina Tradicional Chinesa no Centro Espírita André Luiz, no Guará I, todos os domingos, desde 2016.

– Jornalista especializado em Medicina Tradicional Chinesa.

– Autor do romance FOGO NO CORAÇÃO, ambientado no universo da Medicina Tradicional Chinesa em Brasília, à venda na Amazon.com.br e no Clube de Autores.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Os ETs estão entre nós

No Programa do Jô, Jorge Bessa falou também 
 sobre Medicina Tradicional Chinesa

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 29 DE NOVEMBRO DE 2017 – Provavelmente o livro mais importante publicado em 2017 no Brasil foi lançado no invisível mercado editorial brasiliense, no dia 14 de setembro, em um restaurante da capital, pela nanica annabel lee, de Brasília: Os discos voadores da Alemanha – Extraterrestres na Segunda Guerra Mundial, de um dos mais brilhantes intelectuais brasileiros: Jorge Bessa.

Bessa, paraense de Belém, economista, psicanalista e acupunturista, foi chefe da Divisão de Contra-Espionagem e Coordenador-Geral de Contra-Inteligência do Estado brasileiro. Participou de missões de Inteligência no exterior, principalmente na extinta União Soviética, e atuou na área de ensino de inteligência e relações internacionais em organizações civis e militares do país, autor de ensaios que vão de Medicina Tradicional Chinesa à presença de ETs entre nós, passando pela história da criação da raça humana.

Os discos voadores da Alemanha – Extraterrestres na Segunda Guerra Mundial vai muito além do título. Trata-se do mapeamento dos registros públicos e sigilosos da presença entre nós de seres de outros planetas, bons ou maus, e sempre mais adiantados tecnologicamente. Bessa explica por que eles não nos atacam em massa ou não se apresentam ao mundo, e o que querem. É o tipo do livro que a gente pega e lê de uma assentada. Quando os americanos souberem dele, lançarão imediatamente nos Estados Unidos.

Em 1977, quando OVNIs começaram a aparecer na Baía do Sol, próximo de Belém, eu trabalhava no extinto jornal O Estado do Pará, que fez uma bela cobertura do acontecimento. Jorge Bessa, então oficial de Inteligência do então SNI, também estava lá, juntamente com o capitão Uyrangê Bolivar Soares Nogueira de Hollanda Lima, que chefiava a Operação Prato.

Em abril de 2016, Bessa lançou Discos Voadores na Amazônia – A Operação Prato, pela Editora do Conhecimento. Em entrevista para a Rede Brasileira de Pesquisas Ufológicas, o pesquisador Edison Boaventura Júnior conversou com o escritor, que falou sobre a Operação Prato. Essa entrevista é indicativa do conhecimento de Bessa sobre ufologia, e uma pista do que o leitor devorará em Os discos voadores da Alemanha – Extraterrestres na Segunda Guerra Mundial. Vamos à entrevista:

Edison Boaventura Jr – Como escritor de vários livros e ex-oficial da Inteligência do extinto SNI, o senhor é o primeiro a vir a público admitindo em sua recente obra que participou como coadjuvante na Operação Prato, coordenada pela Aeronáutica. Qual foi a sua motivação para escrever o livro Discos Voadores na Amazônia – A Operação Prato?

Jorge Bessa – Em primeiro lugar, porque muitas pessoas ligadas à ufologia procuravam-me entrevistar para ter minha opinião sobre os fatos, uma vez que eu tinha participado como oficial de Inteligência. Eu sempre dizia que não tinha quase nada a acrescentar ao que foi dito pelo coronel Hollanda, mas, dado a insistência de alguns, resolvi que seria melhor colocar tudo em um livro.

O Segundo motivo foi a observação de que muitas obras e trabalhos sobre ufologia não davam nenhuma importância ao aspecto espiritual da questão. Ora, se o Velho Testamento e outros livros religiosos de diversas outras culturas religiosas antigas fazem referências aos OVNIs, e os resultados das pesquisas mais recentes sobre a civilização suméria falam de seres do espaço que criaram as religiões e mesmo aprimoraram a espécie humana, achei por bem ligar os dois assuntos e apresentá-los em um livro.

Edison Boaventura Jr – Os capítulos de sua obra estão muito ricos em informação ufológica e abordam outros aspectos também e até a questão da ufologia e a espiritualidade. Qual é a principal mensagem do seu livro?

Jorge Bessa – Creio que a humanidade atingiu, em um prazo de 50 anos, um nível de desenvolvimento técnico-científico que não aconteceu ao longo dos últimos 4 mil anos. No entanto, no que diz respeito à realidade do espírito e do universo que o cerca, o homem encontra-se aprisionado em um paradigma newtoniano-cartesiano que o impede de raciocinar e pesquisar além da matéria. No campo religioso a prevalência desse paradigma e a separação entre ciência e religião o torna prisioneiro da pregação irresponsável e infantil de líderes religiosos inescrupulosos e retrógrados, que engordam suas contas bancárias com o dinheiro extorquido dos pobres fiéis, que ainda pagam para obter um pedacinho do céu ou para ver um deus iracundo praticando prodígios de toda ordem.

Portanto, é chegada a hora de as pessoas abandonarem as crenças infantis e se prepararem para esse importante momento de transição planetária que estamos vivendo, e no qual o principado do espírito imortal deve ser difundido. Os extraterrestres – os deuses dos mitos – e os discos voadores que os transportam, fazem parte desse esforço, acostumando aos poucos as populações terrestres com a sua presença, para, em momento não muito distante, apresentarem-se publicamente e trazerem sua contribuição tecnológica e espiritual para nossa humanidade.

Edison Boaventura Jr – Qual foi a intenção de abordar a Espiritualidade atrelada à ufologia em seu livro?

Jorge Bessa – Sem acreditar na sobrevivência do espírito depois da morte, na sua permanente evolução em outros recantos do universo, e na ocorrência dos chamados eventos apocalípticos, fica difícil entender as visitas dos nossos irmãos das estrelas.

Edison Boaventura Jr – O senhor observou OVNIs na Baia do Sol durante as vigílias realizadas pelos integrantes do I Comar (Pará)? Conte-nos a sua experiência.

Jorge Bessa – Foi uma experiência única e inesquecível. Ao chegamos à Baia do Sol, cerca de quinze minutos para as 20 horas, assim que nos reunimos com o pessoal da Aeronáutica, uma imensa bola de luz, parecendo uma lua cheia bem próxima, pairou sobre nós, aparentemente para se exibir, como se as pessoas que a controlavam quisessem se apresentar para quem as procuravam. Esforcei-me por tentar um contato telepático, mas hoje creio que não tinha nenhuma condição de fazê-lo.

Depois de piscar por três vezes, o objeto disparou com grande velocidade, desaparecendo na direção do município de Vigia. O Hollanda acreditava que, de alguma forma, eles sabiam de nossa missão, coisa que não duvido.

Edison Boaventura Jr – O Coronel Filemon Menezes, chefe do extinto SNI em Belém – PA também participava das vigílias noturnas? Como era a sua interação com o capitão Uyrangê Hollanda e o sargento Flávio Costa? Vocês chegaram a fotografar ou filmar os objetos voadores luminosos avistados?

Jorge Bessa – O Filemon nunca participou de nenhuma vigília, pois à época não chefiava a Agência. Tive contato com o coronel Hollanda (à época capitão) em três oportunidades, facilitadas por um outro companheiro do SNI, que tinha sido seu colega na Academia da Aeronáutica, o dr. Maury Eudo Barros Pereira, e que também participou na primeira missão. Tínhamos também a companhia de um capitão da Polícia Militar, que à época estava servindo no SNI, e que realizou as filmagens e fotografias, sendo todo material remetido para a Agência Central, em Brasília. Quanto aos sargentos com os quais fizemos contato, não lembro os nomes.

Edison Boaventura Jr – Antes de sua participação como testemunha desses fenômenos ufológicos, durante a Operação Prato, houve algum interesse seu por ufologia ou vivenciou algum avistamento anterior?

Jorge Bessa – Havia o interesse pelo assunto, mas nem sonhava com avistamentos. Durante o curso das operações, os avistamentos tornaram-se visíveis para qualquer um, e tanto em Belém como nos municípios vizinhos, tornaram-se comuns. Por ocasião das aparições, apresentei-me ao chefe da Agência como voluntário, haja vista meu interesse pessoal pelo assunto.

Edison Boaventura Jr – Qual era a relação do extinto SNI (hoje Abin) e o fenômeno OVNI? Seriam esses aparelhos voadores uma ameaça à segurança nacional?

Jorge Bessa – Na verdade não houve essa preocupação com a segurança nacional. Nós insistimos com o chefe que deveríamos acompanhar o fenômeno, pois Brasília poderia pedir alguma coisa e tínhamos que estar cientes do que se passava. Pareceu-me que a chefia não levou muito a sério a questão, até ver os filmes e possivelmente ter tratado do tema com o brigadeiro Protásio Lopes de Oliveira, comandante do 1º Comar e que assistiu aos filmes, ficando muito impressionado.

Edison Boaventura Jr – Os relatórios oficiais das investigações ufológicas que foram gerados por sua equipe eram remetidos para qual órgão governamental? Na sua opinião, a Abin coleta esse tipo de informação na atualidade? Que metodologia era utilizada na coleta de informações no ano de 1977 e hoje como são os procedimentos? O que mudou?

Jorge Bessa – Os relatórios produzidos foram enviados para a Agência Central, em Brasília/DF; parece que não despertaram muito interesse; a fenomenologia ufológica estava muito distante das preocupações da Inteligência naquela época, mais voltada para as questões relativas à expansão do movimento comunista e com os movimentos armados contra o regime. Também não havia nenhum setor encarregado desse tipo de assunto, que era acompanhado apenas pelos interessados no tema. Não havia nem determinação de acompanhamento, nem metodologia a empregar.

Esclareço que, quando assumi a chefia da Contra-Inteligência da então Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, apresentei ao general Alberto Cardoso, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional e que era o responsável pelo órgão de Inteligência, um documento mostrando a importância de se criar um setor encarregado do acompanhamento dos fenômenos ufológicos, pois os principais serviços de Inteligência do mundo já acompanhavam esse assunto. O general Cardoso autorizou, pedindo apenas que o setor não fosse incluído oficialmente no organograma do órgão. Além disso, me proporcionou contatos excelentes no campo militar, com oficiais generais que tinham experiência com o assunto.

O setor foi criado de forma muito simples em 1996, apenas com duas pessoas que gostavam do tema.  O trabalho inicial foi juntar todo material possível sobre o assunto – livros, jornais e revistas – organizando-o e classificando-o. Também procuramos estabelecer contatos com pessoas ligadas aos diferentes grupos ufológicos para juntarmos experiências e trocarmos experiências, além das organizações militares.

Ocorreu que, pouco tempo depois, por questões internas, pedi exoneração do cargo, e os que me substituíram se apressaram em extinguir o recém-criado setor, pois faziam muitas críticas à essa ideia, considerando-a uma grande besteira. Hoje, desconheço se o assunto voltou a despertar o interesse dos atuais chefes e analistas da Inteligência, mas acho pouco provável que isso tenha acontecido.

Edison Boaventura Jr – Qual foi a conclusão da sua equipe de Inteligência à respeito das luzes não identificadas que apareceram no estado do Pará e circunvizinhanças na década de 70? Qual era o objetivo desse fenômeno em relação às populações ribeirinhas?

Jorge Bessa – A conclusão óbvia é que, à semelhança do que acontecia em outra partes do mundo, o avanço tecnológico de voo que esses objetos demonstravam possuir indicava se tratar de artefatos extraterrestres, embora saibamos que os cientistas de Hitler e mesmo os norte-americanos estivessem desenvolvendo artefatos parecidos. Quanto aos objetivos dos alienígenas, várias hipóteses foram levantadas: levantamento geoestratégico, geoeconômico, população, recursos minerais, ambiente ecológico etc.,  mas nada de concreto poderíamos afirmar.

Edison Boaventura Jr – Quando o senhor criou o setor de investigação e análise de fenômenos ufológicos em 1996, qual era a dinâmica de trabalho e quando foram extintas as atividades do setor e por que? Para onde foram os documentos?

Jorge Bessa – Já respondi anteriormente sobre a dinâmica e a extinção do setor. Pelo que soube, todos os documentos teriam sido enviados ao Arquivo Nacional.

Edison Boaventura Jr – Muito obrigado pelos esclarecimentos e deixe agora as suas considerações finais.

Jorge Bessa – Agradeço pela gentileza da entrevista e aproveito para novamente alertar para a seriedade do momento que atravessamos, de encerramento de um ciclo cósmico para o planeta Terra, conhecido como Juízo Final ou Transição Planetária, conforme tenho abordado em meus livros: Decifrando as Profecias de Daniel, Decifrando as Profecias de João, O Aquecimento Global – Uma Visão Espiritualista, dentre outros.

Conforme preconizado por Jesus de Nazaré, considerado o governador espiritual do planeta Terra, no Final dos Tempos, ou Tempos Chegados, toda a verdade seria revelada. Nossa humanidade já atingiu um patamar de evolução que lhe habilita a passar de um mundo de provas e expiações para um mundo de regeneração, e entender melhor o que os profetas e videntes do passado queriam nos dizer, com palavras simples. Também a física quântica nos abre uma grande janela para a compreensão do mundo espiritual, dos universos paralelos e de toda uma fenomenologia que até recentemente ficava por conta do milagroso e maravilhoso.

Diversas obras de cunho espiritualistas vêm trazendo uma série de revelações sobre o passado de nosso planeta, e sobre a colaboração dos extraterrestres – os deuses do passado – no desenvolvimento do chamado Homo Sapiens. Também falam de seu retorno nesse momento atual de transição, para colaborar com a nossa humanidade nos momentos difíceis dessa transição, bem como na reconstrução do planeta após os grandes abalos geológicos causadas pelos eventos cósmicos que já haviam sido alertados por Jesus há mais de 2 mil anos, quando ditou a João Evangelista os pormenores que ficaram  registrados no Livro do Apocalipse.

Preparemo-nos para grandes revelações, sem temores religiosos infundados, ou com desesperos infantis, balizando-nos pela ciência, pela inteligência e pela intuição. Mas, a única forma de passarmos incólumes por isso ainda é a velha e sábia recomendação do “Amai-vos uns aos outros”.

sábado, 18 de novembro de 2017

Como o delegado Ricardo Larroyed, da Homicídios, também se tornou acupunturista


Segundo capítulo do romance de Ray Cunha, FOGO NO CORAÇÃO, trabalho de conclusão do curso de Medicina Tradicional Chinesa na Escola Nacional de Acupuntura (ENAc). FOGO NO CORAÇÃO está à venda na Amazon.com.br e no Clube de Autores.

O relógio despertou às 5 horas. Ricardo Larroyed desligou-o; o sabiá estava cantando. Ergueu-se da cama e olhou pela janela. Chovera. A madrugada quedava-se quieta como ave encharcada. Do seu quarto dava para ver as mangueiras à luz das luminárias públicas. Não dormira muito, pois deitara-se tarde. Levantou-se e foi ao banheiro; sentou-se no vaso e ficou lá um certo tempo. Habituara-se a urinar sentado quando ainda vivia com Mara. Levantou-se, acionou a descarga, lavou as mãos e o rosto, sacudiu água na boca e passou as mãos úmidas na cabeça. Era bastante calvo na frente e usava os cabelos aparados à máquina. Ajeitou o pijama, saiu do banheiro e se dirigiu à cozinha. Pôs água para ferver e preparou uma xícara média de Antonello Monardo, encorpado e sem açúcar. Excedera-se um pouco na noite anterior; devia ter tomado quase meia garrafa de Anísio Santiago. Dali da cozinha foi para a biblioteca. Herdara a casa de seu pai. Mais uma semelhança com seu sócio, Emanoel Vorcaro. Quando separara-se, Mara fora para o Rio, sua cidade natal e onde conhecera o novo marido, próspero empresário da área de alimentação, dono de três restaurantes na Cidade Maravilhosa. Ricardo sentia profunda gratidão por ela. Amigos de infância, começaram a namorar adolescentes. Naquela época, o talento, que não sabia ainda para quê, começava, de alguma forma, a agitá-lo, e ele não tinha o necessário direcionamento para canalizar aquela tremenda energia. Foi aí que Mara entrou, conduzindo-o, por circunstâncias que nunca lhe ficaram claras, aos cursos que Ricardo fizera. Casaram-se e logo depois sua missão se revelou com clareza solar. O gatilho que o levou a compreender sua missão deixara uma lembrança na sua barriga: uma cicatriz. Anos depois soube que tudo o que queria era seguir a carreira de policial. Três anos após seu casamento com Mara, ela se queixou de que não conseguia gozar com o travesseiro, desejou-lhe felicidade na polícia e se mandou para o Rio. Chefe de cozinha competente, conquistou não só a clientela do seu futuro marido, como principalmente a ele mesmo. No início, a dor da perda queria estrangular o coração de Larroyed; mas que policial seria se não conseguisse ignorar agulhadas em nervos expostos? O caso é que policiais não podem ter nervos expostos. Sua trama nervosa tem que estar agasalhada em meridianos de liga de aço e nióbio. Mas ainda pensou nela durante anos, até conhecer Greta Cantanhede.
Enquanto se vestia, Ricardo Larroyed olhava pela janela as mangueiras da rua. Morava sozinho, no coração do Cruzeiro Velho. Adorava mangueiras, e, naturalmente, manga era sua fruta predileta, daí que ficava possesso quando via, impotente, pessoas açoitando mangueiras, os frutos ainda verdes. As mangueiras públicas sempre o deixavam com um sentimento ambíguo, de prazer e revolta: prazer porque as amava, e de revolta porque estavam sempre podadas só de um lado, por causa da fiação elétrica, “que deveria estar debaixo do solo”.
Ricardo Larroyed era um espanto. Delegado especial da Polícia Civil, lotado na Coordenação de Repressão a Homicídios, fizera graduação simultânea em direito e medicina, com pós-graduação em medicina legal, além da graduação em programação em informática. Fora também alpinista, e quase perdera o joelho direito tentando escalar o Pico da Neblina, o que jamais conseguiu. Um ortopedista, amigo da família, lhe deu um conselho:
– Procura um acupunturista, agora! – e lhe forneceu o número de telefone do dr. Emanoel Vorcaro.
Não só foi curado, como fez o curso de medicina tradicional chinesa no Instituto Holístico e se tornou professor da instituição, além de fazer uma amizade tão sólida com Emanoel Vorcaro a ponto de em determinado momento passarem a almoçar juntos todo sábado, a menos, é claro, que motivos de força maior os impedissem. Acabaram abrindo a Clínica de Terapias Holísticas. Tanto a amizade quanto a sociedade eram inabaláveis, pois alicerçavam-se na empatia, na medicina chinesa e no mandarim. Estudioso de antigas confrarias, Larroyed lia em pelo menos doze idiomas, entre os quais o mandarim, e até línguas mortas, como latim e aramaico. Media 1,90 metro e pesava 90 quilos e fora pugilista amador na juventude. Aos 41 anos, evocava um boa-vida, com o devido ar cínico. Nada mais enganoso, pois cultivava disciplina espartana. Ao levantar-se e ao deitar-se fazia religiosamente a Meditação Shinsokan, criada pelo filósofo japonês Masaharu Taniguchi, fundador da Seicho-No-Ie, e vivia no que chamava de “a eternidade do agora”, filosofia que empregava ao extremo nos pegas amorosos com sua gata, a oncologista e urologista Greta Cantanhede, “a negra mais bonita do planeta, incluindo-se, para ficar mesmo redundante, a África!”
Começaram a namorar a partir de um check-up. Ricardo estava com sintomas de herpes simples no pênis e ainda não sabia o que era.
– Você já viu todo tipo de pinto, mas se apaixonou por mim quando viu o pinto mais bonito do mundo – dizia-lhe, rindo.
– Deixas de ser besta, rapaz, para a tua altura és quase aleijado; eu me apaixonei porque desde que te vi senti um cataclismo! – ela lhe respondia, no seu sotaque macapaense, rindo também com seus olhos grandes e escancarados, brilhando como uma prece, negros como o azul do céu ao anoitecer em julho em Macapá, e o beijava como na primeira vez. Era dessa parte que ele gostava.
Greta era filha de uma descendente de escravos usados na construção da Fortaleza de São José de Macapá, dona Joana, e de um pesquisador italiano, ginecologista e obstetra, que foi à Amazônia para estudar as parteiras e as condições em que nasciam ribeirinhos e índios. Era tão belo e tinha os olhos tão azuis que as mulheres, inclusive casadas, chegavam a se ajoelhar aos seus pés suplicando que as possuíssem. Até chegar em dona Joana, uma pérola autêntica, uma dessas mulheres que encerram a redenção de todos os homens. Aí terminou a pesquisa. O dr. Catanhede voltou casado para Roma, mas os romanos não aceitaram dona Joana; então, o casal mudou-se para Macapá. Greta tinha 17 anos quando o dr. Cantanhede foi chamado ao Ministério da Saúde, em Brasília, para criar e assumir o Departamento Nacional de Ginecologia e Obstetrícia. Greta já estava terminando a faculdade de medicina da Universidade Católica de Brasília quando o dr. Cantanhede foi diagnosticado com câncer na próstata. Foi então que a planejada residência em ginecologia e obstetrícia mudou para oncologia, além de uma especialização em urologia, na esperança de salvar o pai.
– Deus escreve por linhas tortas, minha filha! – foram as últimas palavras do cientista. Greta se tornou uma referência, uma luz para os pacientes acometidos de câncer ou das doenças horripilantes que se alojam no sexo masculino.
Dona Joana morreu na semana seguinte, simplesmente porque queria encontrar-se com seu querido no mundo espiritual. Morreu como um passarinho, que tomba de um momento para outro. Então Greta fez mais uma especialização: acolhimento de pacientes e familiares, também conhecido como paliativismo. Foi quando conheceu Ricardo Larroyed; o policial internara sua mãe, viúva, no Hospital Sírio-Libanês, e foram acolhidos pela dra. Greta Cantanhede. A gota d’água foi o herpes simples, e deu-se a magia das almas gêmeas.
            Uma hora depois Ricardo Larroyed entrou na sua sala na Coordenação de Repressão a Homicídios, na sede da Polícia Civil, Parque da Cidade, defronte para o Sudoeste, bairro de Brasília. Recebera uma demanda nova e começaria naquela manhã a inteirar-se do caso. Três modelos foram assassinadas ao longo daquele ano e havia indícios de ligação entre os crimes. Ricardo começou a ler o primeiro caso, ocorrido em janeiro. Patrícia Montenegro, 21 anos, de Belém do Pará, hospedada na suíte 1.134, décimo primeiro andar do Grande Hotel, foi encontrada morta, por volta das 6h30 do dia 7 de janeiro, no jardim do cinco estrelas, no Setor Hoteleiro Sul, coração de Brasília. O caso foi investigado pela Primeira Delegacia de Polícia. Havia uma foto de corpo inteiro de Patrícia Montenegro. Com 1,73 de altura, 60 quilos de peso, morena de olhos verdes, fora eleita Musa Verão de Mosqueiro 2014, e iria concorrer ao Miss Pará no concurso Beleza Brasil. Sonhava com o Miss Brasil 2015. Por volta das 21 horas do dia 6 de janeiro, Patrícia ligou para sua irmã ao telefone celular. Estava chorosa e pediu à irmã que guardasse as fotos de sua carreira de modelo. Às 5 horas do dia seguinte, Patrícia voltou a telefonar para casa e pediu à sua mãe que viesse buscá-la. Às 6h30, o corpo foi encontrado num pequeno jardim na frente do hotel, na direção do estacionamento de táxi no outro lado da rua, de onde ouviram gritos e o som da queda. Patrícia Montenegro morava no Sudoeste há um mês e fazia o famoso curso de modelo da qualificada agência Modelo Cerrado. Em torno das 6 horas do dia 7 de janeiro, o porteiro da noite teria visto um homem magro, de terno, panamá e óculos escuros tomar um dos elevadores, descendo no décimo primeiro andar, o que foi confirmado por uma camareira; o homem foi visto saindo meia hora depois.
As outras duas modelos eram da mesma agência. Em fevereiro, Roberta de Castro e Silva foi encontrada num dos banheiros do estacionamento do primeiro subsolo do Grande Hotel. Recebera uma punhalada no baço; coisa de cirurgião, e uma no púbis, perfurando o útero. Também não havia sinal de esperma. O terceiro caso ocorreu no início de dezembro. Dessa vez a estudante e modelo Gabriela Costa Médici fora encontrada na sua kitnet na Asa Sul, onde morava sozinha. Era ruiva e estava nua na cama, os cabelos espalhados em torno de um corpo que mesmo morto ainda exalava luz, especialmente os pelos pubianos, salpicados de sangue. Não havia indício de esperma, mas seu útero fora perfurado por punhal. Estava entupida de rupinol, o boa noite Cinderela, e morrera devido à hemorragia do ferimento no útero; sangrara até morrer, anestesiada pela grande quantidade de rupinol que ingerira.
Ricardo Larroyed pegou o telefone e ligou para o delegado Mariano Braga, da Primeira DP, que investigara os três casos. Ele estava lá. Identificou-se ao agente que atendera ao telefone e esperou um pouco.
– Delegado Mariano Braga – ouviu do outro lado da linha.
– Ricardo Larroyed, da Homicídios. Recebi o caso de três modelos assassinadas, uma das quais parece suicídio, e os três casos foram investigados por você. As modelos são Patrícia Montenegro, Roberta de Castro e Silva e Gabriela Costa Médici. Queria conversar com você sobre isso.
O delegado Mariano Braga pensou um pouco.
– Acho que o conheço da academia – disse. – Fiz o máximo que pude nos três casos, como você pode ver nos relatórios.
– De qualquer modo, se não se importa, eu gostaria de conversar com você; quem sabe não encontro mais alguma coisa que ligue os três casos? As três frequentavam a agência Modelo Cerrado, que fica no Grande Hotel.
– Poderemos conversar amanhã, o que lhe parece? – propôs o delegado Mariano Braga.
– Ótimo! Aí ou fora daí?
– Você gosta de café?
– Sou aficionado por café!
– Então vamos nos encontrar no Café Picasso, que fica no térreo do Grande Hotel? Às 19 horas? É lá que gosto de tomar um relaxante, e aí aproveitaremos para dar uma olhada no Grande Hotel.
– Fechado!
Ricardo Larroyed ligou para a Modelo Cerrado; identificou-se e pediu para falar com o diretor. Era diretora, Maíra da Matta. Marcaram para as 17 horas, na agência. Pegou o paletó e saiu. Pouco depois estacionava sua Chevrolet Blazer negra, modelo 2014, na Superquadra 410 Sul, por trás do restaurante Bali. Conseguiu uma mesa pequena e pediu tucunaré frito e arroz com espinafre. Frequentava o Bali por dois pratos: tucunaré e yakisoba, “os melhores de Brasília”. Gostava muito também da banana caramelada, mas raramente a pedia, pois um tucunaré com arroz, ou a tigela de yakisoba, que comia com gosto, não deixavam espaço para a banana.
Filho de um clínico médico carioca e que viveu durante dez anos na China, o dr. Reinaldo Larroyed, transferido do Rio para Brasília, onde conheceu a paraense Karina Monarcha, promotora pública, Ricardo Monarcha Larroyed se tornou apreciador da Amazônia Azul e dos rios da Hileia, e, naturalmente, de peixes e frutos do mar. Costumava ir a Belém duas vezes por ano, repetindo o que faziam seus pais. Ia em julho, auge do verão amazônico, quando as praias fluviais do subcontinente surgem em toda a sua exuberância, e durante o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em outubro. Também a família ia sempre que podia ao Rio e a Cabo Frio, e Ricardo repetia esse périplo, ano após ano. Outros lugares que lhe interessavam, e aonde ia de vez em quando, eram Hong Kong, Pequim, Tóquio, a Europa de um modo geral, o Caribe e os Estados Unidos, especialmente Nova Orleans e Miami. Em outras palavras, o planeta inteiro lhe despertava apetite. Era daquele tipo que curte tudo, e que pode trabalhar o dia inteiro, dia após dia, sem sentir-se cansado, e Greta não lhe dava descanso. Sabia, contudo, de onde vinha aquela energia. Seu pai fora uma espécie de missionário, pois fez da sua carreira médica uma missão; nunca deixava de atender um paciente, mesmo sabendo que ele não poderia pagá-lo, e fazia trabalho voluntário num centro de triagem no Rio, por onde passava todo tipo de derrotados: moradores de rua, vagabundos, alcoólatras, drogados de todas as espécies, suicidas, assassinos se escondendo, loucos varridos. Atendia cada um, não importando seu fedor, com a mesma atenção, e tinha sempre, na manga, uma palavra de conforto, um elogio, capaz de extrair luz do meio da podridão. Podia atender, ao longo do dia que reservava na semana para trabalhar ali, 10, 40, 70 pessoas, 100, se fosse preciso, e no fim mostrava a mesma energia inicial, o que deixava seus colegas intrigados e ciumentos. Quanto à dra. Karina Monarcha, quando investigava e fazia acusação a um bandido, dormia muito pouco, mas jamais Ricardo vira-a cochilando. Pensando bem, ele não se lembrava de ter contraído sequer um resfriado. Dava-se conta agora disso. Os únicos problemas de que se lembrava foram o joelho, na sua tentativa frustrada de escalar o Pico da Neblina (“Poderia ter escolhido o Pão de Açúcar, mas, não, fui logo ao Pico da Neblina!”), e herpes simples, “provavelmente contraída durante o encontro fortuito com uma loira escultural, e casada, num restaurante chique do Lago Sul, e que me inoculou uma carga de vírus capaz de atravessar a parede de aço e nióbio dos meus meridianos neuronais” – como dizia para si mesmo. Havia também a cicatriz na barriga, embora não fosse proveniente de doença. E depois, a autoacupuntura, a alimentação baseada em princípios da medicina tradicional chinesa, e a meditação, produziram-lhe um efeito paradoxal: ao mesmo tempo em que se sentia rijo como liga de aço e nióbio, experimentava a flexibilidade de um galho de goiabeira. Só perdia o humor quando se deparava com casos de discriminação, étnica, social, geográfica, de peso corporal, de gênero, de escolha sexual, financeira, qualquer tipo de discriminação. Para ele, discriminação era o ponto mais baixa da imbecilidade humana. Também sentia horror a ladrões. Mas o que o fez decidir-se a ser policial especializado em homicídios foi um caso que ainda o visitava em pesadelos, embora cada vez mais esparsos.
            Na época, era um fedelho, mas por ser alto, bem apessoado e intelectualmente brilhante, atraía as mulheres, e foi assim que se tornou confidente de uma professora que tivera no Elefante Branco. Ela apresentava olheiras e tristeza. Ele podia sentir isso. Até que um dia, depois da aula, foram para um motel no Núcleo Bandeirante.
            – Nunca tinha sentido o que senti hoje – ela disse. – Na noite de núpcias, quando meu marido pressentiu que eu ia... gozar, ele saiu de cima de mim e me olhou pela primeira vez com aquele olhar assassino e me bateu, bateu na boca, e depois me deu outros tapas até eu suplicar que não me batesse mais, e depois fez todas as coisas, torpes, que ele vem fazendo desde então. A minha lua de mel foi assim, uma lua de fel. Ele me bate quase todos os dias, e faz coisas repugnantes comigo. Quando o meu pai era vivo, não tinha coragem de contar para ele, porque era ele que batia em mim, antes de eu casar, e minha mãe fazia tudo o que meu pai mandasse ela fazer. A sorte é que, quando nos casamos, eu já era professora, embora o meu salário seja todo entregue a ele, apesar de que ele é um empresário cheio da grana. Já pensei em matá-lo! Mas como? – Ela o abraçou. Era uma mulher ainda bonita, apesar das marcas roxas pelo corpo todo, especialmente as de quem abandona a si mesma.
            Aquilo durou todo um trimestre, até o dia em que ela garantiu que seu marido viajara e que eles podiam ir à casa dela, no Lago Sul, naquele domingo, pois não haveria nenhum empregado. No domingo, Ricardo estava lá. Assim que ele chegou, no fim da manhã, foram imediatamente para a alcova. O rapaz já ia mergulhar no acme quando recebeu a cacetada na nuca. Acordou solidamente amarrado numa cadeira e com uma fita na boca.
            – Primeiro vou matar essa vagabunda e depois extirpar teus bagos – disse o sujeito à sua frente, empunhando uma faca de caça.
            Ricardo olhou para a cama e a viu. Estava fortemente amarrada e com uma fita na boca, os olhos arregalados, aterrorizados. Olhou novamente para o sujeito. Era um cara bombado, parecia mais jovem do que a esposa, e bem vestido.
            – Planejei tudo, sujeitinho escroto; ela pensou que eu tinha viajado mesmo. Nunca viajo. Segui vocês dois até me certificar que essa vagabunda dá até para cachorro – e aplicou a primeira facada na mulher, na vagina.
            Ricardo ergueu a cadeira e se arremessou contra o tipo, conseguindo atingi-lo com a cabeça no queixo; quando a cadeira caiu quebrou uma perna, afrouxando as amarras. Entupido de adrenalina, o rapaz livrou-se das amarras frouxas e da fita num urro leonino de agonia e partiu para cima do sujeito, que havia perdido a faca. Mas o cara sabia bater e o atingiu na boca do estômago. Ricardo dobrou-se em dois e quando recobrava-se levou um coice na boca. Sem dúvida, aquele empresário não sabia só ganhar dinheiro e bater na esposa; batia, e muito bem, nos fedelhos que ela levava para a cama. Um soco na nuca quase o pôs a nocaute pela segunda vez naquela manhã, mas a dor aguda que sentiu no ventre o acordou de vez. Pôs a mão em cima do ferimento onde fora esfaqueado e olhou para a cama. O corno estava degolando a mulher. Dessa vez o urro saiu-lhe da alma; voou para cima do sujeito e só parou de socá-lo quando ele desfaleceu. Na cama, a cena dantesca: a cabeça praticamente separada do corpo.
            O caso foi parar na Delegacia da Mulher e depois no Júri Popular, onde o assassino pegou pena máxima, mas não cumpriu sequer metade disso, pois encontrou na cadeia um sujeito ainda mais violento do que ele, e que não suportava o convívio com quem bate em mulher; se a mata, então, é porque já portava passagem só de ida para o inferno. Durante os processos policial e judicial, Ricardo tomou contato com o mundo dos assassinos, inclusive comprou um livro sobre a mente dos psicopatas e soube, então, que estava destinado a identificar e afastar do convívio da sociedade todos aqueles que atentam contra a obra de Deus e que atravessassem seu caminho.
            Do restaurante, foi fazer uma pesquisa nos arquivos da Polícia Civil e dar alguns telefonemas. Às 17 horas chegou à agência de modelos, que ocupava várias salas naquele misto de shopping, centro empresarial e hotel no Setor Hoteleiro Sul, o Grande Hotel, ponto de encontro de mariposas esculturais. Foi introduzido numa sala de espera onde havia pelo menos meia dúzia de garotas, todas lindas, conversando. Uma senhora de avental perguntou se ele aceitaria água e café. Sim. A água estava fresquinha e o café era um ótimo blend. Não demorou quase nada para que Ricardo Larroyed fosse chamado. Quando entrou na sala da senhora Maíra da Matta não havia ninguém. Sentou-se num sofá, de onde dava para ver a Torre de TV. Não demorou muito a diretora surgiu de uma entrada atrás da ampla escrivaninha. Ricardo se levantou para cumprimentá-la. A mulher lembrava uma ave de rapina e sua voz era aguda, quase uma sequência de piados.
             – Conforme eu disse à senhora ao telefone, a morte misteriosa de três modelos, e todas elas desta agência, nos levou a desconfiar que pode haver um assassino comum – disse o policial.
            – E o senhor acha que o assassino trabalha aqui, na agência! – ela exclamou.
            – Quando a senhora soube da morte das três modelos não achou estranho que três se foram só neste ano, e todas assassinadas? – Ricardo perguntou-lhe.
– Sim, achei. Li tudo sobre a investigação de cada caso, além de conversar longamente com familiares delas. A Patrícia Montenegro se envolveu com o professor de dança da nossa academia, o professor Sebastião Estrela, o que levou, inclusive, o noivo de Patrícia Montenegro a terminar com ela. Sei disso porque a mãe dela, que me ligava toda semana, estava preocupada e me falou sobre tudo isso, pormenorizadamente, em longo telefonema. O namorado dela era muito ciumento, e foi por uma besteira que ele pôs fim ao noivado; isso deixou a Patrícia deprimida. Parece que ela o amava e sofria por tê-lo perdido por causa do professor Sebastião Estrela, com quem havia apenas flertado, como de resto nos dois outros casos.
– O professor se envolveu também com as outras duas modelos mortas? – o policial perguntou.
– Como eu disse, foram apenas flertes. O delegado que investigou todos os casos esquadrinhou a vida do professor, a ponto de Sebastião Estrela ter ficado com esgotamento nervoso. Mas não encontrou nada que pudesse comprometê-lo. Em todos os casos ele tinha álibi, que inclusive eu mesma chequei. Pessoalmente, estou certa de que o flerte entre o professor e minhas três meninas, e a morte delas, foi coincidência, uma infeliz coincidência. Mas voltando à Patrícia Montenegro, o quadro psicológico dela se agravou com o anúncio do casamento do ex-noivo, logo depois do rompimento deles. Parecia até que ele só estava esperando um motivo para terminar com ela. Isso a deixou agressiva, nervosa, quando, normalmente, era um doce de pessoa. Sabe, delegado, tenho o dom de atrair pessoas com necessidade de desabafar, e também de as ouvir e lhes dar conselhos. O que já ouvi das minhas meninas o senhor nem imagina; seria material farto para Honoré de Balzac. Porém o mais intrigante é que as três tinham mioma, e eram tratadas com acupuntura – a mulher lembrava um falcão, e seus olhos pareciam ocupar toda a sala.
O policial quase cai da cadeira, uma cadeira sólida, construída por marceneiro; ajeitou-se.
            – As três eram tratadas com acupuntura?         Então o assassino poderá ser acupunturista? – balbuciou.
            – Cabe ao senhor comprovar isso. Quanto a mim, vou lhe dar todo o apoio possível para que encontre esse psicopata. Uma das meninas, Gabriela Costa Médici, a última que foi morta, era filha de uma amiga minha, do Rio Grande do Sul, a quem eu devo muito; uma pessoa altruísta. Nunca a vi fazendo mal a alguém; minha amiga está sofrendo muito! Muito! Mas que não seja por isso; eram moças muito jovens, que estavam começando a vida, cheias de sonhos, e também de ilusões, como é comum nessa idade, sobretudo na profissão que elas haviam abraçado.
            – Naturalmente a senhora investigou para ver se há alguém, aqui na agência, que seja versado em acupuntura?
– Sim! Não há nenhum acupunturista aqui.
– Precisamos descobrir por quem as três eram tratadas.
            – A Patrícia Montenegro tratava-se em Belém, mas as duas daqui, eu sei onde foram tratadas – disse a mulher.
            – Onde? – Ricardo perguntou, ansioso.
– No Instituto Holístico.
Pela segunda vez Ricardo Larroyed quase cai da cadeira. Olhou para o relógio. Às 19 horas teria uma reunião de professores no Instituto Holístico.
– Gostaria de conversar com o professor Sebastião Estrela – disse à senhora Maíra da Matta.
– Pode ser amanhã à tarde, por volta das 16 horas? – os cabelos tingidos de negro, a blusa também negra e a saia branca da diretora a deixavam ainda mais parecida a um falcão-peregrino. – O senhor poderá conversar com ele aqui mesmo, na minha sala.
– Combinado! – ele disse, levantando-se.
Pouco depois encontrou vaga na 203 Sul, distante uns 500 metros da Fundação Holística, um prédio de dois andares e subsolo no Bloco A. Eram ainda 18 horas, o que lhe dava uma hora para dar uma olhada nos arquivos do ambulatório. A secretária-executiva da escola, dona Maria das Dores Craveiro, estava na portaria. Seu nome caía-lhe como uma luva. Era uma mulher empertigada e encarangada; sentia dores nas mãos, como se fossem transpassadas por cravos. Fora tratada por todos os professores, mas só encontrava alívio nas mãos do professor Bartolomeu Amado, o Bafo de Onça.
A Fundação Holística fora criada pelo professor Marcelo Quintela, um boa-vida de família endinheirada. Tinha 21 anos quando começou a perder massa muscular na coxa esquerda, após um acidente automobilístico. Nenhum tratamento estava dando certo quando foi encaminhado para um velho médico chinês, em São Paulo. Logo na primeira sessão o chinês deu uma espécie de beliscão na coxa do paciente e a perna deu um salto. Em dez sessões a perda de massa muscular cessou. Isso deixou o jovem empresário do ramo automobilístico tão empolgado que ele resolveu fazer o curso de medicina tradicional chinesa, com especialização na China. Ao assistir a uma conferência de Giovanni Maciocia em Londres, decidiu criar uma escola em Brasília. Ricardo Larroyed, que o conhecia desde o Elefante Branco, lembrou-se do dia em que foi convidado para lecionar na Fundação Holística. Naquele dia, foram almoçar num daqueles restaurantes da 404 Sul. Marcelo Quintela ainda não se convencera de que Ricardo Larroyed aceitara lecionar no Instituto Holístico, e puxava assunto; então, começou a contar uma história.
– Certo dia dos anos de 1960, o jornalista e escritor Joy Hyams almoçava com Bruce Lee num restaurante chinês no centro de Los Angeles. Não era sempre que Hyams tinha esse privilégio, de modo que aproveitou a oportunidade para queixar-se a Bruce, confessando-lhe que andava desanimado, sentindo-se velho, embora só tivesse 45 anos. Achava-se rígido demais para o Jeet Kune Do, a arte marcial criada por Bruce.
– Você jamais aprenderá nada de novo se não estiver disposto a aceitar-se com suas limitações – disse-lhe Bruce. – Você precisa aceitar o fato de que é capaz em algumas coisas e limitado em outras, e que precisa desenvolver suas aptidões.
Hyams retrucou que aos 35 anos podia facilmente aplicar um golpe de pé acima de sua cabeça. Bruce fez uma pausa na mastigação e olhou para Hyams.
– Isso foi há dez anos – disse Bruce. – Agora você está mais velho e seu corpo mudou. Todos têm limitações físicas a vencer.
Hyams continuou argumentando, comparando-se a Bruce.
– Isso é fácil para você dizer. Se alguma vez alguém nasceu com habilidade natural para as artes marciais, esse alguém é você – insistiu.
– Vou lhe contar algo que pouca gente sabe: tornei-me um praticante de arte marcial apesar das minhas limitações – confidenciou-lhe Bruce, com um sorriso. – Por certo você não se deu conta, mas minha perna direita é quase 2,5 centímetros mais curta que a esquerda. Isso determinou minha melhor postura: o comando do pé esquerdo. Percebi, então, que, devido à perna direita ser menor, eu levava vantagem em certos golpes de pé, pois a pisada desigual deva-me um impulso maior. Além disso, uso lentes de contato. Desde criança sou míope, o que significa que, quando estava sem óculos, tinha dificuldade em ver meu adversário à distância. No início, voltei-me para o estudo de wing chun, que é uma técnica ideal para a luta corpo-a-corpo. Aceitei minhas limitações como elas eram e tirei proveito delas. É isso que você precisa aprender. Você diz que é incapaz de dar golpes de pé acima da cabeça antes de longo aquecimento, mas o problema efetivo é: importa realmente dar golpes dessa altura? A verdade é que, até recentemente, os praticantes de artes marciais raramente davam golpes de pé acima dos joelhos. Esses golpes à altura da cabeça são em sua maioria para exibição. Por isso, aperfeiçoe seus golpes de pé no nível da cintura e eles se tornarão tão formidáveis que você nunca precisará de golpes mais altos. Em vez de tentar fazer tudo bem, faça com perfeição apenas as coisas que pode. Embora a maioria dos praticantes de artes marciais competentes tenha gasto anos dominando centenas de técnicas e movimentos, num ataque, ou kumite, um campeão não usa efetivamente mais do que quatro ou cinco técnicas, sempre. São essas técnicas que ele aperfeiçoou e das quais sabe que depende.
Hyams protestou.
– Mas permanece o fato de que o meu verdadeiro adversário é a idade – insistiu.
– Pare de se comparar, aos 45 anos, com o homem que você era aos 20 ou 30 – disse Bruce. – O passado é uma ilusão. Você precisa aprender a viver no presente, aceitando-se como você é agora. O que lhe falta em flexibilidade e agilidade cabe-lhe suprir com conhecimentos e exercício permanente.
– Depois dessa conversa, Hyams não perdeu mais tempo tentando golpear com os pés acima da cabeça; em vez disso, trabalhou golpes à altura da cintura, até agradarem ao próprio Bruce. Em fins de 1965, Bruce foi até a casa de Hyams, despedir-se, pois partiria para Hong Kong, onde pretendia se tornar um astro do cinema – disse Marcelo Quintela.
– Lembra-se da nossa conversa sobre limitações. Pois bem, estou limitado pelo meu tamanho e dificuldades no inglês, além de ser chinês e nunca ter havido um grande astro chinês nos filmes americanos. Gastei os últimos três anos estudando cinema e creio que chegou a hora para um bom filme de artes marciais, e eu sou o mais qualificado para estrelá-lo. Minhas aptidões superaram minhas limitações – disse Bruce.
– As aptidões de Bruce superaram efetivamente suas limitações, e, até sua morte prematura, ele foi um dos maiores astros do cinema. Sua carreira foi um exemplo perfeito do seu ensino: na medida em que descobrimos e desenvolvemos nossos pontos fortes, eles se impõem às nossas fraquezas – conclui Hyams, no seu livro O Zen nas Artes Marciais.
– Pois bem – disse Marcelo Quintela – quando fiz o curso de medicina chinesa em São Paulo, entre os meus extraordinários professores havia um, o professor Camarão, um japonês que era ouvido e procurado até pelos seus colegas de cátedra. Ele dominava um modo único de pegar as agulhas durante uma sessão, todas as dez de um pacotinho, colocando-as entre os dedos anelar e mindinho, e aplicando-as em questão de segundos. Tentei imitá-lo na minha primeira tentativa, tendo como paciente uma gata que eu estava comendo. Uma semana depois eu ainda encontrava agulhas no chão da sala do meu apê. Desisti de imitar o professor Camarão. Ele também introduz as agulhas numa batida seca, com a ponta do dedo médio, que apoia na unha do indicador, soltando-o como um martelo, bam!, e assim introduzindo a agulha, por meio do mandril, em milésimos de segundo. Isso eu tentei, gostei, e é o que faço – continuou Marcelo Quintela, que gostava muito de falar. – A medicina tradicional chinesa, que se baseia no Tao, o caminho, o equilíbrio entre yin e yang, conta com know-how em torno de 5 mil anos. Holística, trata o paciente como um todo, e considera a dimensão da matéria tão somente energia, como, aliás, confirmou o físico alemão Albert Einstein. Só as possibilidades com as agulhas já são ilimitadas, quando mais se considerarmos outros pilares da MTC, como alimentação correta, fitoterapia, tuiná, tai chi chuan, que é meditação em ação, e um mundo de conhecimentos terapêuticos da filosofia oriental, que é, também, religião. Assim, o acupunturista terá inesgotável manancial de possibilidades para tratar o paciente. E da mesma forma como pensava Bruce Lee, o acupunturista não deve perder tempo com algo que o Tao está a lhe dizer que não é importante; precisa somente concentrar-se naquilo em que mais sente fluir seu talento, mesmo que seja apenas sorrir – disse, entremeando o monólogo com grandes garfadas do saboroso bacalhau.
O prédio da Fundação Holística pertencia à família do professor Marcelo Quintela, e fora adaptado para a escola. Bem conservado e iluminado, o ambiente era silencioso e fresco. O arquivo ficava numa sala no térreo, pegada à secretaria. Maria das Dores Craveiro mostrou a Ricardo Larroyed o armário onde eram guardados todos os documentos do ambulatório. O policial remexeu o armário durante pelo menos meia hora. Às 19, Maria das Dores o avisou que Marcelo Quintela acabara de chegar. Ricardo guardou na sua pasta algumas cópias que fizera na impressora Xerox e se dirigiu para a sala dos professores. Estavam todos lá. Havia alguma coisa diferente em Emanoel Vorcaro. Os olhos dele brilhavam.