quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Os cariocas podem mudar o Rio de Janeiro de Meca da bandidagem para Cidade Maravilhosa

Bolsonaro e Ramagem (Foto: Carolina Antunes/PR/Divulgação/CP)

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 25 DE SETEMBRO DE 2024 – Que o Rio de Janeiro é a cidade mais bonita do planeta todo mundo sabe, mas sabe também que é a Meca da bandidagem. Todo chefe de facção quer pelo menos passar férias, lá. Mafiosos, então, adoram o Rio. E, de 2003 para cá, com exceção de 2019 a 2022, a bandidagem anda mais assanhada do que nunca, pois as polícias e as Forças Armadas estão proibidíssima de dar sequer tapa em bandido, quanto mais eliminar. Roubar celular e fuma-se maconha à vontade. Turista morrem na faca, na rua. 

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, está no terceiro mandato e é candidato a mais um. Ele é do PSD, Partido Social Democrático, número 55, o mesmo do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), aquele que quando vê uma toga fica logo babando. Trata-se de um partido que apoia qualquer regime, desde que esteja no poder. Pode ser até Nicolás Maduro. O PSD tem o maior cabide de emprego do planeta. Só no governo Lula ele tem três ministérios. 

Mas, nestas eleições municipais, surgiu a oportunidade de o carioca começar a limpar a sua cidade. Alexandre Ramagem (nascido no Rio, em 8 de maio de 1972), do Partido Liberal (PL), delegado da Polícia Federal, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Jair Bolsonaro, deputado federal pelo Rio de Janeiro, é também candidato. 

No caso de ganhar, é claro, há quatro ações que Ramagem poderá realizar, fundamentais para que o Rio de Janeiro volte a ser a Cidade Maravilhosa: 

1 – Criar um centro de inteligência (e isso ele sabe fazer) para ajudar as diversas forças policiais a encurralarem a bandidagem. 

2 – Ampliar a rede de água tratada para que todo carioca possa abrir a torneira e jorrar água cristalina e não lama. 

3 – Liderar um consórcio para a despoluição da Baía de Guanabara. 

4 – Liderar um consórcio para a construção da linha do Metrô Rio-Niterói sob a Baía de Guanabara, ligando a Praça XV à Praça Arariboia.

Pesquisas da a AtlasIntel, que entrevistou 1.610 eleitores cariocas, entre os dias 17 e 22 de setembro, mostra que Eduardo Paes lidera as intenções de voto, com 48,6%, seguido por Ramagem, com 32%. Mas Ramagem vem crescendo diariamente.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Linda, meu amor! Partiste para o azul!

Os sobrinhos Lili e Márcio, Linda, mamãe (Marina), o
artista plástico Olivar Cunha (
gênio da família) e Mel

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 24 DE SETEMBRO DE 2024 – Linda é uma das mulheres mais maravilhosas da minha vida. Luz, ela só faz o bem. Aqui, na Terra, sentiu as emoções humanas, inclusive as ruins, mas sempre amou, espargiu luz, e, agora, continua sua jornada no Astral. Partiu, ontem, para o azul. 

Nós dois sempre nos amamos, desde quando eu a chamava de mãe. Da nossa mãe, Marina Pereira Silva Cunha, a mais maravilhosa das mulheres, eu bebi leite; da Linda, o azul, a cor da poesia, o mergulho ascendente, o transporte quântico, a luz. 

Ela me acalantou, curou meus machucados de criança e, com a magia que só as mulheres possuem, incutiu-me serenidade, injetou-me entusiasmo e me deu exemplo de dignidade, coragem, força moral. Uma leoa, capaz de enfrentar qualquer coisa em defesa dos seus. Herdou da mãe, nossa Marina, fibra de nióbio, e do nosso pai, João Raimundo Cunha, a coragem dos que podem até cair, mas jamais se sentem derrotados. 

Linda nasceu em Belterra/PA, em 29 de julho de 1943, e chegou a Macapá/AP com 6 anos de idade. Professora, desenvolveu diversas atividades no Serviço Social do Comércio (Sesc) e na Secretaria  de Estado do Trabalho e Cidadania do Amapá, junto a idosos, e desenvolveu vários projetos sócio-educativos voltados para crianças, jovens, adultos e idosos. Também se dedicou a trabalhos espiritualistas. 

Aos nossos familiares devo esclarecer que tenho aberto meu terceiro olho. Nós, humanos, somos seres espirituais e a matéria é apenas um plano que nossa consciência habita. Aqui, desenvolvemos o que chamamos de mente, os pensamentos. 

A encarnação quer dizer que recebemos um trajo espacial, um corpo, adequado à atmosfera terrestre, com prazo de validade. Chega um momento que o trajo não funciona mais. Então, rompe-se o corpo etéreo, o fio de prata, e somos transportados para outro plano. Muitos permanecem algum tempo, às vezes, bastante tempo, no Umbral, mas os bons, iluminados, seguem diretamente para as cidades astrais. 

A vida carnal serve apenas para aprimorarmos nosso espírito, a centelha da vida. Daqui, seguimos para outros planos, para outros estados da matéria: o Astral, o Plano da Luz, o Plano dos Ascencionados e assim por diante. Abrir o terceiro olho é começar a perceber isso. 

Linda realizou, aqui na Terra, um trabalho social de tirar o chapéu. No Astral, há muito a fazer, e, estou certo disso, ela não vai descansar muito lá em cima (o Astral fica a 500 quilômetros da superfície da Terra e não o vemos porque é sutil e a luz o atravessa), pois os hospitais do Astral vivem cheios. 

Meu amor, se encontrares com mamãe, dê, por mim, um abraço apertado nela, e também no papai, e em todos.

Linda e Mel na Casa Amarela, ao lado do Colégio Amapaense

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Qual o partido político mais perigoso do Brasil?

Deputado Gustavo Gayer (PL/GO): gigante na luta pela democracia 

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 23 DE SETEMBRO DE 2024 – “A gente fica tão focado em PT, em partidos da extrema-esquerda, como sendo prejudiciais e perigosos para o Brasil; a verdade é que, hoje, no Brasil, o partido mais perigoso, o partido que mais prejudica a nação brasileira, e é por causa desse partido que o Brasil está virando uma ditadura, é o PSD” – declarou o deputado Gustavo Gayer (PL/GO). “O PSD, o partido de número 55, é hoje o partido mais perigoso para o Brasil. O PSD é o partido que dá sustentação para a ditadura do Judiciário.” 

Com efeito, o Partido Social Democrático (PSD) é o do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), que está sentado em cima de dezenas de pedidos de impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Gayer afirma que o PSD é responsável por sustentar a “ditadura do Judiciário”, referindo-se a Moraes, que vem agindo como vítima, acusador, polícia e juiz de primeira instância. 

Fundado em 2011, o PSD é o partido com mais senadores, o quarto com mais deputados federais e o terceiro com mais prefeitos e vereadores. São 15 os senadores do PSD: Sérgio Petecão (AC); Lucas Barreto (AP); Omar Aziz (AM), um dos mais encarniçados inimigos do ex-presidente Jair Bolsonaro; Otto Alencar (BA); Angelo Coronel (BA); Vanderlan Cardoso (GO); Carlos Fávaro (MT); Margareth Buzetti (MT); Nelsinho Trad (MS); Eliziane Gama (MA), que assinou o infame relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Atos de 8 de janeiro; Rodrigo Pacheco (MG), um dos políticos mais repulsivos da História do Brasil, por apoiar a censura no país; Daniella Ribeiro (PB); Jussara Lima (PI); Zenaide Maia (RN); Mara Gabrilli (SP); e Irajá Abreu (TO). 

O PSD se declara de Centro, mas está sempre colado no poder, seja de esquerda ou de direita. Para o partido, o negócio é ter ministérios e prefeituras, alimentando, assim, um cabide descomunal de empregos. Vem ocupando ministérios e secretarias em todos os governos, desde que foi fundado. Atualmente, ocupa três ministérios: Minas e Energia; Agricultura; e Pesca. 

Na fundação do partido, o presidente nacional da agremiação, Gilberto Kassab (SP), 64 anos, deixou claro: “Não será de direita, não será de esquerda, nem de centro”. De certa forma, esse é o perfil de Kassab. Economista, engenheiro civil, empresário, corretor de imóveis e político. Foi ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações na gestão do presidente Michel Temer, prefeito de São Paulo duas vezes, entre 2006 e 2012, e secretário da Casa Civil do Estado de São Paulo no governo de João Doria. Atualmente, é secretário de Governo e Relações Institucionais do Estado de São Paulo. O governador Tarcísio de Freitas precisa ter cuidado. 

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, 54 anos, que lidera as pesquisas na corrida eleitoral para um quarto mandato, é um dos prefeitos do PSD. Bacharel em Direito, foi subprefeito da Zona Oeste do Rio de Janeiro e secretário do Meio Ambiente do então prefeito Cesar Maia, vereador, deputado federal e militante do ex-governador Sérgio Cabral Filho, que limpou a burra do Rio de Janeiro. 

Três vezes prefeito, Eduardo Paes não ataca quatro problemas cruciais do carioca: Segurança – Poderia criar um centro de inteligência para combater a corrupção e ajudar as polícias na identificação e prisão de bandidos, já que o Rio se tornou a Meca da bandidagem. 

Abastecimento de água: o carioca vive às voltas com falta de água, mas rios não faltam no município. 

Poluição: além dos rios, a Baía de Guanabara precisa passar por uma despoluição completa. 

Metrô: a Terceira Linha do Metrô, Rio-Niterói, sob a Baía de Guanabara, é urgente. 

Hoje, pode-se ir fundo sobre a vida pregressa, ou, às vezes, folha corrida, mesmo, dos candidatos. Quem entende o que está se passando atualmente no país, não tem rabo preso e ama a democracia sabe o que fazer. Quem manda é o povo e se as urnas falharem há sempre um meio de pressionar, inclusive nas ruas.

domingo, 22 de setembro de 2024

Amazônia

O autor e capa de AMAZÔNIA na edição do Clube de Autores

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 21 DE SETEMBRO DE 2024 – Um dos escritores fundamentais para se entender a Amazônia, o manauara Márcio Souza, autor de Mad Maria, escreveu o ensaio História da Amazônia: Do período pré-colombiano aos desafios do século XXI, uma pesquisa de fôlego sobre a Hileia. Assim é com meus romances e contos ambientados na Amazônia. Passo longe do folclore, lendas e causos, e me concentro na ciência, história e dramas urbanos. A ação, na minha ficção, é jornalística e se desenrola nas maiores cidades da Amazônia: Manaus/AM, Belém do Pará, Rio Branco/AC e Macapá/AP, minha cidade natal. 

Considero Macapá a cidade mais emblemática da Amazônia por duas razões. A primeira é que a cidade é o portão de entrada da Hileia, pois é banhada pela margem esquerda do Canal do Norte do maior rio do mundo, o Amazonas, que corta a Amazônia em toda a sua extensão de Oeste para Leste. Macapá foi erguida justamente na esquina do Amazonas com a Linha Imaginária do Equador, o centro do Trópico Úmido, que secciona a cidade. 

A segunda razão é que em Macapá ergue-se o maior símbolo da Amazônia portuguesa: a Fortaleza de São José de Macapá, construída pelos lusitanos com mão de obra escrava, africanos e índios. O resultado é que nas ruas de Macapá, hoje, transitam descendentes de portugueses, índios, negros, mulatos, mamelucos e cafuzos, falando uma mistura de português chiado de Lisboa com tupi e crioulo. 

Coube a um dos mais incensados escritores do Amapá, o contista, poeta e compositor Fernando Canto – presidente da Academia Amapaense de Letras (AAL), doutor com formação em Sociologia, professor na Universidade Federal do Amapá (Unifap), decifrador do Amapá –, um mergulho descomunal para entendermos a Fortaleza, como simplesmente a chamamos. 

Fernando escreveu, como tese de mestrado, Fortaleza de São José de Macapá: vertentes discursivas e as cartas dos construtores (Editora do Senado Federal, Brasília, 2021, 512 páginas), e, como tese de doutorado, Literatura das Pedras – A Fortaleza de São José de Macapá como locus das identidades amapaenses (Editora da Universidade Federal do Amapá, Macapá, 2017, 312 páginas). 

Na mesma linha, porém no âmbito ficcional, publiquei os romances A CASA AMARELA e JAMBU, e o conto LATITUDE ZERO, que decifram Macapá e, por conseguinte, a Amazônia, inclusive a caribenha. 

A Amazônia povoa o imaginário das pessoas em todo o planeta. Porém, geralmente, é uma Amazônia irreal. Trata-se do subcontinente mais fascinante do planeta e, ao mesmo tempo, o mais inóspito. Não à toa, é chamado de Inferno Verde. E eu o chamo, às vezes, de Coração das Trevas. Trata-se de um legado lusitano, a região mais rica da Terra, razão pela qual as potências hegemônicas estão de olho nela. E, nestes tempos comunistas, os chineses só não se apossaram da Amazônia porque estamos no quintal dos Estados Unidos. 

Quanto a mim, além do romance ensaístico JAMBU, que é um painel da Amazônia, a partir de Macapá, recentemente publiquei AMAZÔNIA, essencial para se entender não só o Trópico Úmido, mas também a alma do amazônida – o caboco, o ribeirinho, o índio, o quilombola, o descendente do europeu que vive no Coração das Trevas, onde a escravidão é tão aterrorizante quanto malária, inclusive a escravidão sexual, de crianças, e para a venda de órgãos. 

AMAZÔNIA enfeixa 29 contos em 363 páginas, todos ambientados na região. Algumas dessas histórias curtas são inéditas, mas a maioria compõe a reunião da trilogia homônima, publicada nos livros: A GRANDE FARRA, TRÓPICO ÚMIDO e NA BOCA DO JACARÉ. 

Este livro despe a Amazônia de qualquer enfeite, exibindo-a como ela é, em toda a sua nudez e realidade – tanto a Hileia quanto as grandes cidades incrustadas na selva. Quanto às personagens ou situações destes contos, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência, pois são apenas frutos da criação do autor. Segue-se o conto LATITUDE ZERO.

 

O DEPÓSITO de madeira estava adormecido como tudo o mais na madrugada, exceto a luz do poste debatendo-se para escapar da névoa. A claridade lutava para libertar-se da neblina pegajosa, e, como carnicão rompendo a pelica do tumor, vazava, arrastando-se até o depósito de madeira, infiltrava-se por uma fresta e incidia sobre o cenho franzido de Alexandre. Ele parecia morto, pois respirava imperceptivelmente.

A luz do poste, agora, agonizava na claridade dúbia do amanhecer. Uma chuva pôs-se a cair, adensando o ar saturado de umidade. Alexandre se mexeu, em um gesto instintivo de quem está sentindo frio. Encolheu-se mais, agasalhando as mãos entre as coxas. As tábuas sobre as quais se deitara machucavam-no. Isso o despertou. Abriu os olhos como uma boneca: só as pestanas se mexeram. O resto todo ficou imóvel. Depois procurou alguém com o olhar. Viu-o um pouco abaixo. Moacir Canto dormia ainda. Alexandre se levantou, estremunhado, e ficou olhando para Moacir Canto. Apalpou o bolso traseiro à procura da carteira porta-cédula e não a encontrou. Meteu o polegar e o indicador no bolsinho da calça e puxou uma nota de cinquenta cruzeiros. Neste momento Moacir Canto despertou.

– Perdi a bolsa – disse Alexandre. – Mas tinha guardado cinquenta cruzeiros no bolsinho da calça.

– Porra... – disse o outro.

Olharam-se e depois cada qual olhou para si próprio. A farra começara no GEN, o bar do ex-policial, na Rua Tiradentes. Alexandre ganhara as obras completas dos irmãos Grimm em um concurso de contos e as vendeu para a tia de Moacir Canto por duzentos cruzeiros. Separou uma nota de cinquenta, pô-la no bolsinho da calça e foram para o GEN. Tavares, o ex-tira, estava lá no lugar de sempre, diligente, servindo bebida a dois caras. Alexandre pediu meiota de Pitú. Tavares serviu-os com tira-gosto de genipapo. Limitavam-se a beber. Moacir Canto incrustara-se no silêncio. Livrava-se do rancor que levava consigo cagando em cima dos outros. Certa vez, trepado numa árvore da Praça Veiga Cabral, deu uma cagada tão potente na cabeça de um homem que o derrubou ao chão. Quando o tipo se recobrou, Moacir Canto já tinha se jogado de um galho mais baixo e pôs-se ao fresco quase caindo de tanto rir. Certa noite, pediu a Alexandre para segui-lo de bicicleta. Moacir Canto ia na garupa de outra bicicleta, pilotada por Grosseiro. Ficaram andando um pouco pela Praça Nossa Senhora da Conceição até que passaram por uma moça e uma menina. Grosseiro fez a volta, pedalando sem pressa, e tirou o fino da menina. Moacir Canto se ajeitou e deu tal soco nas costas dela que o barulho ecoou na praça inteira. Mas engraçado foi quando uma noite Moacir Canto achou uma folha de coqueiro e saiu à procura de vítimas com Grosseiro. Alexandre foi atrás para ver. Iam a certa altura da Rua Leopoldo Machado quando avistaram seis estudantes, uma ao lado da outra, ocupando a largura do passeio público e parte da pista. O tronco da folha de coqueiro ia pegar no pescoço dela. Era a mais alta; uma moça rosada e vigorosa. Ela se abaixou na hora e a folha de coqueiro passou voando por cima da sua cabeça. Moacir canto perdeu o equilíbrio e caiu. A moça pegou a folha de coqueiro e desferiu um golpe no queixo de Moacir Canto, que ia se levantando do asfalto. Grosseiro havia estacionado adiante e morria de rir. Alexandre passou por perto de Moacir Canto e salvou-o de seis mulheres furiosas. Para se vingar, Moacir Canto foi à sua casa, pegou um fio elétrico e saiu atrás das moças. Como não as encontrou, atacou uma velha, dando-lhe tal lambada no pescoço que a velha caiu com um grito horripilante.

Ele era um cara assim mesmo. Seu ódio provinha da condição em que o pai deixara a família, na miséria, para enrabichar-se por uma menina de quinze anos, mas que o manobrava como uma puta experiente. No Dia dos Pais, Moacir Canto entrou lá e deu uma paulada na venta do velho, arrancando-lhe pelo menos um dente. O pai de Moacir Canto era policial. Telefonou para a polícia a fim de que pegassem o rapazinho, que devia estar drogado para fazer um negócio daqueles. Ficou por isso mesmo. A sorte de Moacir Canto era sua beleza. Tinha um belo queixo quadrado, o rosto oval, sobrancelhas bem feitas e cabeleira leonina. Seus olhos, entretanto, despertavam medo, sobretudo quando estava estupidificado de maconha. Certa vez, Alexandre, Moacir Canto, Grosseiro e Galego Demônio amanheceram na Praia do Barbosa. Alexandre e Grosseiro dormiam ainda. Moacir Canto e Galego Demônio já haviam acordado há algum tempo quando avistaram a menina. Correram em cima dela, agarraram-na e arrastaram-na para detrás de um aturiá. Alexandre e Grosseiro acordaram com os gritos, correram para lá e viram Moacir Canto tentando penetrar a menina por trás, enquanto Galego Demônio segurava-a pelos cabelos, pelejando para a menina chupar o pênis grande, mole e purulento que lhe empurrava no rosto. De todos eles, Alexandre era o único que tinha um pouco de sensatez, e Grosseiro o atendia como a um cão. E assim livraram dos répteis a menina.

– Está na hora de a gente se escafeder – disse Moacir Canto, no GEN.

Pegaram a Rua Cândido Mendes e seguiram em direção ao Igarapé das Mulheres. Todas as noites, Alexandre ia à casa de Angélica, Sílvia e Graciette. Angélica estava no portão da varanda. Era pequena e fofa. Usava os cabelos, de cor indefinida, bem curtos. Tinha os olhos da cor dos cabelos e era estrábica, e tudo chamava a atenção no seu rosto: o nariz arrebitado e os lábios vermelhos e entreabertos, como rosa despedaçada e sumarenta. Viam-se seus dentes sob os lábios entreabertos. Isso, e os olhos, davam-lhe um ar de avidez ninfomaníaca. Sílvia parecia uma fada morena. Tinha a pele cor de leite, os cabelos negríssimos e longos, e os olhos azuis, da cor dos olhos do pai. Vivia sorrindo, com seus lábios rosados. Tinha os dedos longos, ágeis ao piano. Era bem mais alta do que Graciette. Os olhos de Graciette ficavam entre castanho e verde. Usava unhas longas, que pintava de vermelho, e punha uma língua tão comprida na boca dos rapazes que os sufocava. Era ruiva. Puxava a mãe, uma potra ainda jovem que tinha o mesmo olhar canibalesco de Angélica.

As duas outras garotas estavam na sala ouvindo os Beatles. Nem bem os dois chegaram, Sílvia foi logo convidando Alexandre para dançar. Ele ficou excitado. Sabia o jogo. Ela se encostava nele, os longos cabelos negros caindo pelo rosto e pelos ombros de Alexandre. Ela não usava soutien; os seios duros espetavam-no, e ele, de vez em quando, via os bicos rosados dos peitos através da blusa meio desabotoada. Alexandre ia ficando cada vez mais descontrolado. Ela batia com o púbis sobre o pênis de Alexandre, rijo como um osso, e ele aparava as batidas, prestes a gozar.

– Vamos para o quarto? – disse Alexandre.

Ela não falou nada. Puxou-o pela mão em direção ao quarto, amplo e bem arrumado. Sílvia era tão delicada! Abriu-lhe o cinto e o zíper – ele não usava cueca –, pôs o pênis duro para fora. Ela, com seus olhos azuis, fitava maravilhada o pênis.

– Caralinho lindo! – disse, e desceu, suavemente, seus lábios rosa sobre a glande vermelho-escura. Ele não aguentou muito tempo. Logo se desintegrou em um gozo suculento, inundando aquela boca de fada, respingando de esperma os lábios sedentos.

Três pares de olhos acompanhavam tudo, sem perder nada. Ao ver o suco espermático escorrendo da boca da irmã, Angélica se despiu em um piscar de olhos. Tinha a bundinha mais linda do mundo. Estava gozando só de ver. Possuía o dom dos gozos múltiplos. Pegou os cabelos de Alexandre e puxou-o para seu púbis. Cheirava a Mateus Rosé, e o líquido que escorria pela sua coxa tinha sabor de acme. Ao ver o traseiro de Angélica, Moacir Canto enfiou-se ali. Graciette masturbava-se com seus dedos de garras e chorava.

Era meia-noite. Os cinco estavam banhados, na sala, bebendo vodka e ouvindo os Beatles, quando a mãe das meninas chegou. O pai delas, como sempre, estava em Belém. Dona Frênia deu um alô para os garotos, a caminho do seu quarto.

– A velha está bêbeda – Moacir Canto cochichou para Alexandre.

Foi neste momento que a garrafa de Wyborowa do pai das meninas, que Alexandre bebeu, subiu de uma vez para a cabeça dele.

– Vou fodê-la – disse, ensaiando ir para o quarto da dona Frênia.

Moacir Canto estava em melhor estado. Atirou-se de cabeça nele. As meninas jogaram-se também em cima dele. Acabou tudo numa risada geral.

Quando Alexandre voltou a si estava deitado no meio da Rua Cândido Mendes, de braços estendidos como Jesus Cristo na cruz, gritando: fodam-se seus filhos da puta. Então começou a chover. O chofer do táxi não estava vendo as coisas muito bem e pegou um susto ao vislumbrar aquele vulto erguer-se do asfalto quase em cima do carro. Parou para averiguar do que se tratava. Alexandre entrou no táxi. Moacir Canto veio correndo da calçada, onde estivera vomitando, e entrou no carro.

– Bar Caboclo – Alexandre disse ao motorista.

A chuva engrossara. Da mesa onde estavam podiam ver a chuva estalar na calçada. Bebiam em silêncio a meiota, em pequenos goles de apreciadores de bebida.

– Vamos voltar à casa das meninas? – Alexandre sugeriu. Moacir Canto levantou-se incontinenti.

– Desta vez quem vai comer a velha sou eu – disse.

– Está bem – Alexandre concordou, chamando o garçom e pagando a meiota.

Saíram do bar na chuva, que estava mais fina agora. Atravessaram a Rua Cândido Mendes na altura do antigo Igarapé da Fortaleza. Escorregaram em uma poça d’água no outro lado da rua. Chapinharam lá dentro, até que Moacir Canto conseguiu levantar-se e arrastar Alexandre para fora da poça. Andaram em direção ao rio Amazonas, mas pararam logo adiante, ao verem que alguém passava a chuva debaixo de uma marquise. Aproximaram-se. Era uma moça. Moacir Canto disse alguma coisa para a moça. Ela tentou falar, mas era muda. Moacir Canto pegou-a e começou a se esfregar nela. A moça tentava afastá-lo. Moacir Canto subiu a saia dela e depois desceu a calcinha. A muda começou a rir e depois procurou beijar Moacir Canto. Ele se desviava dos seus beijos e aquilo fazia Alexandre se torcer de rir. Quando parou de rir não viu mais a muda. Moacir Canto estava com uma calcinha na mão. De quem diabo era aquilo? Subiram por uma escada lá mesmo naquele prédio.

– Conheço um cara que mora em um apartamento lá em cima – disse Moacir Canto. – É da polícia e é veado.

Bateram lá e logo um sujeito branquela meteu a cara na porta entreaberta.

– Oh! Você! – disse para Moacir Canto, olhando também para Alexandre. – Entrem! Entrem! Vou preparar um drink para vocês. Por que vocês não tomam banho?

Serviu duas doses generosas de whisky e foi ver o frango que pusera no fogo. O cheiro da canja empestava o ambiente, mas para os bêbedos nada importava. Sentaram-se, com o whisky ao lado, e puseram-se a bater papo.

– Tenho roupas secas... – interrompeu o escrivão, tentando atrair a atenção deles.

– Basta o teu whisky – disse Moacir Canto.

– Isto aqui é um buraco – dizia Alexandre, deixando o escrivão desconfiado. – Uma merda! Senão vejamos: que escritor temos aqui? Nenhum! Há o R. Lima, mas o R. Lima não escreveu mais do que um livro de poemas, que teve uma tiragem ridícula de quinhentos exemplares. E por que? Porque não há editora, porque não há público, porque não há aplauso.

O escrivão ficou menos preocupado ao perceber que não falavam do seu apartamento.

– É uma sepultura... – disse Moacir Canto.

– Uma sepultura e uma fábrica de poetastros – disse Alexandre. – Vês o caso do Galego Demônio, que lança um livro mimeografado por semana...

– Não sei como aquele traficante que banca as baboseiras dele ainda não percebeu que se trata de um psicopata mitômano e megalomaníaco.

– No seu livro mais recente ele relata os últimos estupros que cometeu – disse Alexandre.

– Nem a irmã dele escapou – disse Moacir Canto. – E com aquela gonorreia crônica...

– Quis comer o diretor do Colégio Amapaense, o professor Olhudo.

No dia em que isso aconteceu, Alexandre estava estudando em casa para fazer quatro provas logo mais à noite quando Galego Demônio chegou com seu livro “Eu Imortal” debaixo do braço.

– Vamos já para Serra do Navio – disse a Alexandre.

– Tenho quatro provas hoje à noite.

– O estudo formal embota os neurônios. Já está tudo certo: vagão-leito especial no trem, suíte no hotel e duas professoras mineiras para uma bacanal.

Alexandre ficou calado.

– Partamos já para a aventura! A rotina é um veneno lento. O bar nos espera. Serra do Navio é um apelo irresistível com suas fêmeas mineiras.

– Resolvi ir, mas não porque Galego Demônio tivesse me convencido a ir, com aquele papo dele. Estava entediado só de pensar nas quatro provas.

Moacir Canto serviu novas doses de whisky e Alexandre pôs-se a contar o resto do caso. Já anoitecia quando ele e Galego Demônio saíram da casa de Alexandre, entraram no bar da esquina e pediram uma meiota. Não demoraram lá e foram a seguir para o Picolé Amigo, um bar onde R. Lima bebia de vez em quando. Com efeito, encontraram-no lá.

– Lembro-me que no Picolé Amigo houve uma discussão entre R. Lima e Galego Demônio. Galego Demônio estava botando muita banca e R. Lima disse que seu livro deveria se chamar “Eu Idiota”, porque ao ler os originais de “Eu Imortal” encontrara jacaré com g.

– Do ponto de vista da linguística é possível – Galego Demônio se defendeu. – Sobretudo para um niilista igual a mim.

– E foi com o niilismo dele que eu tomei no rabo – disse Alexandre para Moacir Canto. Acabara resolvendo, no Picolé Amigo, que deveria fazer as quatro provas, e não teve quem o dissuadisse da idéia. Galego Demônio foi com Alexandre para matar algumas questões. Ao chegarem ao Colégio Amapaense um inspetor disse-lhes que não podiam entrar senão uniformizados. Alexandre pediu para falar com o diretor. Impressionado, ou melhor, narcotizado com o bafo de bebida, o inspetor não opôs objeção em anunciá-los ao diretor, que estava ali perto fiscalizando ele próprio se os seus meninos encontravam-se devidamente uniformizados. Quando Alexandre e Galego Demônio se aproximaram do diretor ele estava atendendo um recruta do Exército que saíra do quartel diretamente para o Colégio Amapaense, de modo que não pudera vestir o uniforme de estudante. Levado pelo hábito, o rapaz se perfilou.

– Ô idiota! Esse gajo não passa de um professor de História! – observou Alexandre para o recruta.

– O quê?! – gaguejou o diretor.

– Seu merda, foste tu que levaste “A Galinha” para o governador, aquele ditador do caralho – disse Alexandre, referindo-se ao jornalzinho que lhe rendera dez dias de suspensão.

– Vou chamar a polícia – disse o diretor, com seus olhos que eram esbugalhados de nascença.

Galego Demônio tinha visto umas fêmeas gostosas e tentou pegar no rabo de uma delas. A moça deu um grito que chamou a atenção do diretor; ele passou uma reprimenda em Galego Demônio. A reprimenda foi mesmo que nada. Galego Demônio já estava com o pau para fora e tentou metê-lo no diretor.

– Foi uma cena muito engraçada aquele veado de uma figa correndo com o Galego Demônio atrás, com aquele pau mole dele, pingando gonorreia. Descemos correndo a escada, pois a polícia já fora chamada, e voltamos ao bar onde deixáramos R. Lima. Pedimos mais uma garrafa de Pitú. Iríamos cedo para Santana e de lá embarcaríamos para Serra do Navio. Mais ou menos à meia-noite R. Lima foi embora e ficamos só nós dois no bar. Tomamos mais duas e zarpamos. Daí não me lembro de mais nada.

Alexandre cochilou. Acordou com uns respingos quentes no braço. Moacir Canto tinha ido à cozinha, aberto a panela de canja e levou-a para a sala, quando a panela virou, espalhando canja pelo chão. O escrivão cantava alegremente no banheiro. Moacir Canto pegou o que ainda restava da canja na panela, foi até a porta do banheiro e jogou a canja lá para dentro. O escrivão deu um berro. Ao ouvir o grito, Alexandre levantou-se rapidamente pronto para correr. Antes de ir embora Moacir Canto olhou em volta e depois, como se lembrasse de algo, pegou a chave da porta. Nestas alturas o escrivão saiu do banheiro chorando e todo melado de canja. Moacir Canto saiu e fechou a porta por fora. Lá embaixo, jogou a chave na vala do esgoto que cortava a rua longitudinalmente.

– Vamos pegar um ar lá na amurada? – disse Alexandre.

– Vamos pegar um rato podre no pescoço? – disse Moacir Canto, atirando nas costas de Alexandre uma ratazana morta, que encontrara na calçada, correndo depois para a amurada que dava  para o rio Amazonas, ao lado da Fortaleza de São José de Macapá.

Alexandre se abaixou numa poça de água e lavou o pescoço. Depois andou em direção a um depósito de madeira. Moacir Canto veio também e entrou no depósito. Alexandre adormeceu recordando “A Galinha”, o jornalzinho que não passou do primeiro número. Havia, em sala de aula, um ricaço. O pai era dono de boa parte da cidade. Ele se ofereceu para financiar o jornal. Foram, então, uma noite, para a casa do ricaço. O filho dele os levou para o gabinete de trabalho do velho. Lá pelas tantas Alexandre tirou o telefone do gancho e discou um número qualquer. Nessas alturas, o velho estava tomando soro no quarto dele e apanhou a extensão para saber do que se tratava àquela hora da noite, quase onze horas.

– Alô! – disse uma voz de mulher, sonolenta.

– Quem é?

– Solange – disse a voz.

– Oh! Solange! Minha doce cadelinha, vaquinha linda, minha bocetinha fedendo a merda, vou já aí para empurrar meu caralho na doçura do teu jardim de trás...

O ricaço arrancou a agulha da veia, pegou um cinto e irrompeu no escritório. O velho entrou dando lambada no filho dele. Havia, além de Alexandre, outro redator, um garotão de cabeça raspada, que montou na sua bicicleta e se evaporou.

O primeiro número do jornal, e único, saiu com uma matéria sobre o governador, o general ditador do Amapá. Dizia que ele passava o dia de binóculos por trás das persianas da sua sala, no Palácio do Setentrião, tentando ver, do outro lado da Praça da Bandeira, as calcinhas das estudantes que se sentavam sobre o muro do Colégio Amapaense. Sobre o diretor do educandário dizia que tinha um acordo tácito com algumas de suas alunas, de modo que lhes dava nota dez se elas se arreganhassem e o deixassem ver suas calcinhas nas aulas de História. Na mesma edição foram escolhidos os dez mais punheteiros. O diretor enviou um exemplar do jornal ao secretário de Educação, que o despachou para o governador. Mas nesse trâmite o exemplar desapareceu. Houve um inquérito e os responsáveis por “A Galinha”, que na expectativa dos rapazes deveria pôr ovos de ouro, acabou rendendo-lhes dez dias de suspensão.

Naquele mesmo dia tropical úmido Galego Demônio entrou no Gato Azul e pediu uma dose de rum Montilla. Fazia aquilo ordinariamente e bebia até o anoitecer. Então voltava para casa, jantava e saía de novo. Naquele dia bebera além do normal. Ao retornar a casa não encontrou ninguém. Estava sozinho. O pai fora comprar açaí no arquipélago do Marajó; a mãe estava em Belém; a irmã, sabe Deus. Foi ao fogão. Comeu nas próprias panelas. Sentia-se pesado. Foi ao quarto. Deitou-se. Dormiu. Bunda de Breque, a irmã, estivera escondida, espreitando-o. A claridade da luminária do poste vencia o piche da noite sem estrelas e entrava no quarto, banhando os móveis com um manto irreal. Galego Demônio dormia de peito para cima. Assim, dormindo, era belo como qualquer jovem da sua idade. A primeira machadada pegou no lado do pescoço. Galego Demônio acordou como se estivesse impulsionado por molas. Tentou agarrar-se em alguma coisa e começou a gorgolejar como porco sangrando. Bunda de Breque ligou a lâmpada e olhou para Galego Demônio. Ergueu de novo o machado. Galego Demônio fitou-o aterrado e começou a arrastar-se para um dos lados da cama, já empapada de sangue. Bunda de Breque depôs o machado no chão, com o cabo encostado na cama, desafivelou o cinto de Galego Demônio e arriou sua calça, juntamente com a cueca. O pênis de Galego Demônio estava com os curativos purulentos como sempre. A machadada deixou-o apenas pendurado pela pele do escroto. A próxima machadada seccionou-o. Depois, Bunda de Breque aprumou bem o machado, como se fosse dar o golpe final em um tronco que estivera tentando partir ao meio, e desceu-o. A cabeça de Galego Demônio pulou e foi bater na parede. Bunda de Breque arrastou o corpo mutilado, desceu as escadas, caminhou até o monturo e atirou-o sobre o monte de caroços de açaí. Foi buscar a cabeça e jogou-a também no monte de caroços. Chovia como o diabo. Bunda de Breque voltou ao quarto de Galego Demônio, levando seu trompete, e pôs-se a tocar “O Silêncio”.

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

O Brasil pega fogo como o diabo mamando a teta de uma hiena no despautério do fim do mundo

TRÓPICO: o Brasil como ele é. Capa da edição do Clube de Autores

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 19 DE SETEMBRO DE 2024 Chão em Chamas, de Juan Rulfo, é uma coletânea de 17 contos, publicada originalmente em 1953. Qualquer candidato a escritor deve ler esse livro, pois os contos atingem a perfeição. E qualquer pessoa que queira entender a fundo o México precisa o ler. 

O Brasil também está em chamas. Estão tocando fogo no país. Destruindo-o. O agro aguentará quanto tempo? As grandes empresas irão embora? O que o governo pretende fazer com as terras? Entregará para os chineses? 

Brasília está pegando fogo juntamente com o país. Há dias em que não dá nem para respirar direito, pois a fumaça se mistura ao calor e à secura. Há um livro de contos que retrata bem essa situação: TRÓPICO, deste jornalista; grita como uma profecia de muitas coisas que estão ocorrendo agora. 

Em TRÓPICO também sente-se que o chão está em chamas, que o Planalto está em chamas. Mas o incêndio é muito mais profundo, pois já atingiu a liberdade. O ar sufoca, não só pela fumaça, mas ainda pela mordaça. Segue-se o conto PLANALTO EM CHAMAS. 

ASSIM QUE FOI absolvido na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados abriu um grande sorriso e elevou a mão direita fechada, como fazia Pelé. A diferença é que Pelé é o maior atleta de todos os tempos. E não deverá ser ultrapassado. Ao passo que o braço peludo do deputado corpulento e branco, quase albino, remetia à pata de um porco Yorkshire. O gesto continha alguma coisa indecente. Os “trouxas”, como ele chamava a todos que não fossem da organização à qual pertencia, iludiram-se pensando que o pegariam com míseros 10 mil reais. Fora flagrado com um depósito de 10 mil reais na sua conta bancária, feito por um dos operadores da sangria na Petrobras. A oposição – aquilo era oposição, mesmo? – fez a maior grita e ele teve que enfrentar, enfrentar não, apenas teve que passar por aquele tédio, que era a encenação da Comissão de Ética. Não havia o que temer, o país estava todo aparelhado; os três poderes, inclusive as Forças Armadas, já estavam beijando as mãos do presidente da República e do ministro da Defesa. O Supremo, a Receita, o BNDES, tudo estava aparelhado. Temer o quê? O poder, especialmente o poder de esmagar quem atravessasse seu caminho, excitava-o. Lembrou-se da sua sobrinha, gostosa que só ela, 17 anos. Seu irmão caipira enviara-a para fazer o vestibular na UnB. Sua esposa teve que passar uma semana fora, ele dispensou a empregada e no primeiro dia sozinho com a sobrinha imobilizou-a e em meio a uma tonelada de “não, titio” estuprou-a durante aquela semana inteira, deixando bem claro que se desse com a língua nos dentes seria morta. Simples assim. Quando a esposa do Yorkshire chegou, a menina disse que precisava ir à sua casa, conseguiu dinheiro, foi-se embora, e, em casa, se matou. Ironia, havia furtado o revólver do bicho e se matou com ele. Ficou por isso mesmo, pois ela não deixou um bilhete sequer, mas somente o revólver. E depois ele era da cúpula da organização, pois o projeto para calar a imprensa não era dele, tanto o que tramitava na Câmara quanto o de calar a boca da mídia por meio de verba pública? “A esmagadora maioria dos jornalistas, especialmente donos de empresas jornalísticas, é de putas, daquelas que chupam durante três horas seguidas e ainda perguntam se estão chupando direito” – dizia. Chegava a Brasília terça-feira à tarde e retornava para São Paulo quinta-feira à noite. Às quintas-feiras à tarde já só ficavam ele e o chefe de gabinete. Estavam os dois, lá, e o Yorkshire começou a arrumar sua maleta. Era uma maleta especial. Embutidos no seu couro, o porco traficava, a cada saída de Brasília, 10 mil dólares, em cédulas de 1 mil dólares, lavados na agência de publicidade do seu cunhado, em São Paulo. 

Os três estudantes chegaram por volta das 14 horas, pela entrada do Senado. A segurança, uma senhora de nariz empinado, olhou suas carteiras de identidade e perguntou a cada um deles aonde iam. À biblioteca, responderam. Passaram pelo detector de metais, sempre sob o olhar vigilante do magote de seguranças, que pareciam se esforçar para parecerem policiais de verdade, e foram diretamente para a Câmara, tomaram a esteira rolante para o Anexo IV e pouco depois entraram no corredor do pavimento onde ficava o gabinete do deputado Yorkshire. Quase não havia movimento naquela hora. Um deles se atrasou e ficou em um ponto de onde podia ver o hall e o corredor. Os outros dois foram entrando no gabinete. Enquanto um cumprimentava o chefe de gabinete e lhe desferia, com a mão esquerda, forte pancada na nuca, o outro estava prestes a fazer a mesma coisa com o deputado. Corpulento, com pescoço de touro, o Yorkshire ficou apenas tonto, mas quando ia reagir recebeu tremenda estocada de caneta Bic na glote e começou a estrebuchar. Lembrava porco morto na roça; depois de uma porretada na cabeça levou uma peixeirada no pescoço. Ele se levantou, guinchando pela glote, derrubou tudo ao seu redor, recebeu um telefone nas orelhas e desabou na sua grande mesa, sempre guinchando, até ficar quieto. O assassino tirou da sua mochila uma faixa e a abriu sobre a mesa, na frente do cadáver, que se tornara ainda mais monstruoso. A faixa dizia: “Comando de Caça aos Corruptos. Este canalha é o primeiro de muitos que irão tombar!” Quando o assassino saiu da sala do deputado o chefe de gabinete começava a recobrar os sentidos, então o atingiu no bulbo occipital, próximo ao nervo vago; quem conhece acupuntura sabe que se trata do ponto da viúva, o VG-15. 

Ligaram para o que ficara no corredor. Tudo tranquilo. Tomaram novamente as escadas e saíram pela portaria do Anexo IV, onde um automóvel negro já os aguardava. Dentro do carro tiraram as perucas, barbichas e óculos escuros. Estavam na faixa dos 30 anos. O do volante parecia ter o dobro da idade deles. Entraram no túnel do Itamaraty e pegaram o Eixo Monumental, ladearam a Praça dos Três Poderes até o Palácio do Planalto e dobraram à esquerda, seguindo novamente pelo Eixo Monumental. Antes de chegarem à Rodoviária do Plano Piloto, dobraram à esquerda, em direção ao Setor de Autarquias Sul. A temperatura ficara insuportável e o chão de concreto do Conjunto Cultural da República parecia em chamas.

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Os sabiás pedem a Elon Musk para os livrarem da mordaça. Só que Musk terá que enfrentar Randolfe Rodrigues. Pacheco já foi a nocaute

Edição do Clube de Autores. O volume II será lançado em 2025

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 13 DE SETEMBRO DE 2024 – Os sabiás começam a cantar, em Brasília, no início de agosto, mas, este ano, começaram para valer só em setembro. Hoje, pela primeira vez, começaram a cantar às 4 horas, que é quando me levanto para escrever. Estou trabalhando no segundo volume de O CLUBE DOS ONIPOTENTES. Já tem título, mas só vou divulgá-lo quando entrar para venda na Amazon e no Clube de Autores, provavelmente no início do próximo ano. 

Quanto aos sabiás, tenho uma tese. Acho que a umidade relativa do ar em Brasília está tão baixa que afetou os machos da espécie. Já não chove, aqui, há quatro meses, e há dias em que fica mais seco do que no Saara. Isso, com o calor, manda muita gente para o hospital. Por isso, os sabiás devem ter brochado. 

Eles se reproduzem na primavera e atraem as fêmeas com seu canto. Sempre gostei do canto dos sabiás. Ainda bem que o ministro Alexandre de Moraes não pode amordaçar os sabiás. Só amordaça a mídia, incluindo sua aliada, a velha imprensa, que, aliás, nem precisa ser amordaçada, pois só divulga mentiras. Xandão tenta amordaçar o trilionário Elon Musk. Sem sucesso, diga-se, pois Musk é dono de milhares de satélites e sabe utilizar a internet como ninguém. 

O Senado, que é quem pode frear Xandão, é presidido por um sujeito tão asqueroso quanto carniça humana, mas os senadores já sabem como passar por cima de Rodrigo Pacheco. Só que para defenestrar Xandão a conta ainda não fechou. No Amapá, meu torrão natal, o senador Lucas Barreto, do PSD, deverá votar pela cabeça do Xandão, mas Davi Alcolumbre, do União, e o pestista Randolfe Rodrigues, líder de Lula no Senado, são pela mordaça. 

Lula e Alexandre de Moraes sentem ódio de Musk e querem impeachá-lo. Só que Musk, além de trilionário (se ainda não for está chegando lá; em dólares, claro), faz parte de um clube, muito pequeno, que reúne os maiores fornecedores de tecnologia para os Estados Unidos e com acesso a uma tecnologia capaz de ver, ouvir e ler tudo o que estão fazendo, para o bem e para o mal. 

Eles são capazes de saber e obter prova se alguém está chantageando, batendo em mulher, usando o poder público para perseguir, se estão estuprando, dando o derriere, conspirando, mandando matar, enfim, é um BBB completo, sem a punheta da Globo Lixo. 

O Amapá é famoso por acolher e se curvar a aventureiros. O mais famoso deles foi Jeca Sarney. Quando o ex-presidente, que não se elegeria mais nem para síndico no Maranhão, correu para o Amapá, os amapaenses ficaram encantados. Sarney inventou uma tal de Zona Franca de Macapá, atraindo dezenas de milhares de maranhenses desempregados e inchando Macapá. 

Agora temos Randolfe Rodrigues, que é de Garanhuns/PE, a mesma cidade natal de Lula. Ele e Davi Alcolumbre são os ídolos da intelectualidade e juventude amapaenses. Se depender deles, teremos Alexandre de Moraes indefinidamente. Só Musk na causa.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

É tão calma a noite. A noite é de nós dois. Ninguém amou assim, nem há de amar depois

Tudo acaba, mas as coisas que acontecem no coração são para sempre

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 6 DE SETEMBRO DE 2024 – Certa noite de 1976, o poeta Jorge Tufic e eu bebíamos a inesquecível Antarctica manauara, enevoada, em taças, como era comum no bar Nathalia. 

– Só lemos tudo o que precisamos ler na juventude. Depois disso, não lemos mais – disse-me o poeta, que tinha, então, 46 anos de idade. 

De certa forma, o poeta tinha razão. No meu caso, aprendi a ler aos 5 anos e nunca mais parei. Era tão viciado que durante certo tempo da minha vida lia até dicionário, bula de remédio e catálogo telefônico. Comecei, aos 5 anos, lendo gibis e revistas ilustradas, do meu irmão mais velho, Paulo Cunha, e, pré-adolescente, passei para literatura pesada e livros técnicos, também do Paulo. Adolescente, já havia lido alguns clássicos, entre os quais Tender is the Night, Suave é a Noite, de um dos gigantes da literatura norte-americana, Francis Scott Fitzgerald. 

Quarto e último romance de Fitzgerald, lançado em 1934, Suave é a Noite é ambientado na Europa, especialmente na França, onde os americanos da geração perdida gastavam seus dólares. Conta a história de Richard Diver, psiquiatra que comete o erro de se apaixonar por uma paciente, Nicole Warren. 

E é isso. As mais de 300 páginas do romance marcam o contraste entre a velha Europa e o modo de pensar e de viver dos norte-americanos da Geração Perdida do pós-Primeira Guerra Mundial. 

Para um garoto macapaense, no fim dos anos 1960, tudo aquilo era um mundo novo que se abria. Aliás, tudo para mim era novidade. Vivi em Macapá até os 17 anos e quando saí de lá fui a Belém. Levei um choque. Ainda aos 17 anos fui para o Rio de Janeiro. Mais choque. 

Passei uma década vivendo para lá e para cá, até que comecei, em 1982, a fazer faculdade de Jornalismo na Universidade Federal do Pará, em Belém. E haja leitura. Sempre foi uma das coisas mais prazerosas da minha vida. Ler, para mim, é como viajar com um cartão de crédito ilimitado. 

Mas essa conversa toda é para dizer o seguinte: a imersão e compreensão de um livro são relativas à nossa experiência. Já não consigo mais ler alguns livros. Vejam o caso de O Jogo da Amarelinha, de Julio Cortázar. Passei a juventude ouvindo falar no romance e só o adquiri na velhice. Comecei a ler O Jogo com avidez, mas broxei rapidamente. Os longos diálogos entre os personagens já não significavam nada para mim. Na minha juventude, quando passava horas bebendo e batendo todo tipo de papo, teriam significado, mas, agora, não. 

Quando li Suave é a Noite fiquei encantado com a Côte D’azur, aquelas mulheres longilíneas, as bebidas sofisticadas, os hotéis, a psiquiatria, a paixão. Esta semana, voltei a ler Suave é a Noite e não conseguir mais. Aos 70 anos, tudo aquilo se foi. Comecei a me interessar mais por autores do nosso tempo, como John Grisan e Stieg Larsson, por física quântica e o espírito etc. 

A verdade é que os grandes escritores escrevem coisas do seu tempo, e quando são realmente grandes, escrevem coisas que servem para qualquer tempo. Assim é que alguns escritores envelhecem, como Fitzgerald em Suave é a Noite, ou Ernest Hemingway em Adeus às Armas, mas serão sempre os que melhor captaram seu tempo, de modo que se quisermos saber como eram as coisas em determinado lugar e tempo basta procurarmos grandes romances que se passam nesse lugar e tempo. 

Assim é com Machado de Assis. Se quisermos ter uma visão viva do que foi o Rio de Janeiro entre os séculos 19 e 20, Machado é um dos escritores capazes de nos mostrar a Cidade Maravilhosa como em um documentário dirigido por um grande cineasta. 

É claro que meu ponto de vista é limitado a mim. Cada pessoa é um universo e imerge em um romance com lentes subjetivas, de modo que, além de mim, Suave é a Noite terá sempre sabor de champagne e perfume de rosas, e Adeus às Armas, armistício pessoal. 

Além disso, alguns títulos são inesquecíveis de tão completos em si mesmos. Suave é a noite foi retirado do poema Ode a um Rouxinol, de John Keats. Em 1962, virou filme, Tender is the Night, dirigido por Henry King, e música, de Sammy Fain com letra de Paul Francis Webster, vertida para o português por Nazareno de Brito:


É tão calma a noite

A noite é de nós dois

Ninguém amou assim

Nem há de amar depois

 

Quando o amanhã nos separar

Em nossa lembrança hão de ficar

Beijos de verão

Ternuras de luar

A brisa a murmurar

Sua canção

 

Tudo tem suave encanto

Quando a noite vem

A noite é só nossa

No mundo não há mais ninguém

 

Beijos de verão

Ternuras de luar

A brisa a murmurar

Sua canção

 

Tudo tem suave encanto

Quando a noite vem

A noite é só nossa

No mundo não há mais ninguém

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Filosofia da Medicina Tradicional Chinesa

FOGO NO CORAÇÃO, thriller policial de Ray Cunha no qual as
personagens são acupunturistas que trabalham em Brasília/DF

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 3 DE SETEMBRO DE 2024 – Formei-me em Medicina Tradicional Chinesa pela Escola Nacional de Acupuntura (ENAc), em Brasília/DF, de 6 de agosto de 2013 a 12 de julho de 2016, com 2.080 horas/aulas presenciais e 440 horas de estágio nos ambulatórios da ENAc e Fernando Hessen, em um total de 2.520 horas/aula. Foi um curso técnico, ou tecnológico, então reconhecido pelo Ministério da Educação, tanto que a minha certificação foi publicada no Diário Oficial do DF. Fui preparado, por excelentes professores, para clinicar. Contudo, senti falta de uma disciplina: Filosofia da Medicina Tradicional Chinesa (MTC). Embora eu faça uso, o tempo todo, disto que é exclusivo do espírito: pensar. 

Pensar a Medicina Tradicional Chinesa, para o acupunturista, é fundamental, e muito importante. Alguns fatos, durante o curso, encaminharam-me a pensar a nova profissão que, então, estava abraçando (sou escritor e jornalista). Um dia, ouvi de um professor, um jovem brilhante, muito inteligente, que ele praticava a MTC clássica, ou seja, a acupuntura codificada no século 200 antes de Cristo, na China, país predominantemente frio. 

Obviamente que meu professor se referia à teoria da MTC, que, basicamente, diz o seguinte: o corpo humano, assim como a Terra, é movido à energia Qi, a energia vital, que se manifesta em duas polaridades: Yin e Yang. Essas polaridades são opostas, mas se complementam e se transformam uma na outra, em perfeito equilíbrio, o Tao. Mas o Taoismo é somente a base da acupuntura; quanto ao seu objeto, o homem, essa base é relativa. 

O homem da China clássica era primitivo, comparado ao homem de hoje, de 2024. Seus conhecimentos anatômicos, químicos e físicos eram escassos. De modo que a MTC significava, então, um tremendo avanço na medicina. Mas, raciocinar como um chinês de 2 mil anos atrás, em 2024, no Trópico, é insano. Começa que nos países frios nossos corpos não funcionam como no Trópico, que é uma zona geográfica quente. 

Mas, então, por que continuar praticando a MTC? Porque a base da MTC não muda de região para região; é apenas relativa. A base será sempre a mesma: a relação entra Yin e Yang e o meio ambiente. Mas há outra coisa entre 200 anos antes de Cristo e 2024: o avanço da Medicina Ocidental e tecnológico. Hoje, faz-se até cirurgia intrauterina, começou-se a compreender o mapa genético, sabe-se bastante como nosso corpo funciona, a Psicologia vem avançando na compreensão do comportamento humano e a parapsicologia vem comprovando a existência do espírito. 

Certa vez, um dos meus professores me contou que passara a noite em claro, pois sua filhinha estava gripada e com febre. Fez tudo o que podia no âmbito da MTC, mas, de madrugada, teve que levá-la a um pronto-socorro, onde o problema agudo foi rapidamente equacionado. 

Isso não quer dizer que devamos abandonar a MTC, mas que não existe uma terapia que resolva tudo. Comecei a clinicar em 2014, e, devido ao trabalho voluntário que realizo aos sábados e domingos, já atendi mais de mil pacientes, de todas as idades e com todo tipo de doença, inclusive de ordem espiritual, e o resultado é excelente. E a base do meu atendimento é a energia Qi, em suas polaridades Yin e Yang. Contudo, levo em consideração meus conhecimentos anatômicos, químicos, físicos e espirituais. 

Outra questão a que devemos atentar é para a fitoterapia. A fitoterapia chinesa é complexa; utiliza substâncias vegetais, animais e minerais, levando em consideração as polaridades Yin e Yang e os ciclos de geração e dominação dos cinco elementos: Fogo, Terra, Metal (Ar), Água e Madeira. Estudei fitoterapia chinesa na ENAc, mas apenas para passar na disciplina, pois utilizo fitoterapia brasileira, rica, resolutiva, muito mais simples do que a fitoterapia chinesa e à nossa disposição em qualquer região do país. 

Pensar é inerente ao ser humano, daí que pensamos tudo, ou filosofamos o tempo todo. Há pessoas que são eminentemente burocratas, isto é, seguem uma cartilha, não leem e não estudam, logo, não pensam. Mas nós, acupunturistas, temos o dever de pensar a acupuntura, nas coisas mais simples da profissão. 

Por exemplo, quando acabamos de atender um paciente idoso e muito doente, jamais o deixe levantar-se sozinho, pois ele pode cair da maca e morrer da queda. Aí, o terapeuta será acusado de crime culposo, e se não estiver com os papeis em dia, será acusado também de exercício ilegal da profissão. Apenas porque não pensou. Por isso, exercite-se em um dos fenômenos mais extraordinários da raça humana: pensar. Sem ansiedade. 

A bíblia do Taoismo é o Tao Te Ching, O Livro do Caminho e da Virtude, escrito entre 350 e 250 a.C., atribuído ao lendário Lao Tzi, literalmente, velho mestre. A obra inspirou, além do Taoismo, o Budismo Chan, da China, e sua versão japonesa, o Zen. 

E assim como a cultura judaico-cristã tem seus Dez Mandamentos, o Tao tem seus dez preceitos:

Não matar, mas sempre estar atento ao conjunto de seres vivos.

Não ser lascivo ou ter pensamentos depravados.

Não roubar ou receber riqueza injusta.

Não enganar ou deturpar o bem e o mal.

Não ficar inebriado, mas sempre pensar de conduta pura.

Vou manter a harmonia com os meus antepassados ​​e familiares e nunca desprezar a minha família.

Quando vejo alguém fazer uma boa ação, vou apoiá-lo com alegria e prazer.

Quando vejo alguém triste, vou apoiá-lo com dignidade para recuperar a boa fortuna.

Quando alguém vem fazer-me mal, eu não vou nutrir pensamentos de vingança.

Mesmo que todos os seres não tenham alcançado o Tao, não vou esperar para fazê-lo eu mesmo.

domingo, 1 de setembro de 2024

Atenção, políticos do Amapá: a Academia Amapaense de Letras merece ter sede própria

Palestras de Leão Zagury, Ray Cunha e Wilson Carvalho 

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 1 DE SETEMBRO DE 2024 – Convidado para falar dia 20 de junho de 2023, no auditório do Senac, na Avenida Henrique Galúcio 1999, Centro de Macapá/AP, em comemoração aos 70 anos da Academia Amapaense de Letras (AAL), fundada em 21 de junho de 1953, o gancho da minha palestra foi a sede própria do silogeu. Afirmei, na minha fala, que a Academia é a maior responsável pela produção, provisão e vigilância da cultura amapaense, ou seja, da identidade tucuju. Daí que deve reivindicar sede própria aos políticos locais. 

Contudo, adverti: aos políticos não pedimos, exigimos, e as promessas devem ser amplamente divulgadas e cobradas, olho no olho. Soube, depois, que as promessas são muitas, do governador ao deputado, e que já deram sinal verde para os acadêmicos escolherem um prédio. 

Sugiro aos acadêmicos se reunirem e procurarem conversar, juntos, com o governador e com o prefeito, sempre com a imprensa ao lado, para garantir um prédio ou um terreno no centro da cidade. Se for um terreno, podem fazer negócio com uma construtora e incorporadora e garantir parte de um edifício de vários andares, onde a Academia seria instalada e as demais salas, alugadas, para custear o funcionamento e trabalhos da instituição. 

Ray Cunha defronte ao Palácio Austregésilo de Athayde, no centro do Rio

Na palestra, dei como exemplo a criação da Academia Brasileira de Letras (ABL), fundada em 20 de julho de 1897, nas instalações do Pedagogium, prédio fronteiro ao Passeio Público, no centro do Rio de Janeiro, pelos escritores Machado de Assis, Lúcio de Mendonça, Inglês de Sousa, Olavo Bilac, Afonso Celso, Graça Aranha, Medeiros e Albuquerque, Joaquim Nabuco, Teixeira de Melo, Visconde de Taunay e Ruy Barbosa. 

Inspirada na Academia Francesa, é composta, atualmente, por quarenta membros efetivos e perpétuos, 25 dos quais devem morar no Rio de Janeiro, e 20 sócios correspondentes estrangeiros, com a missão de cultuar a língua portuguesa e a cultura nacional, especialmente a literatura brasileira. 

Sem sede própria nem dinheiro, as reuniões da ABL eram realizadas nas dependências do antigo Ginásio Nacional, no Salão Nobre do Ministério do Interior, no salão do Real Gabinete Português de Leitura e no escritório de advocacia do primeiro secretário, Rodrigo Octávio, na Rua da Quitanda 47. 

A partir de 1904, as reuniões passaram a acontecer no Silogeu Brasileiro, um prédio público que abrigava outras instituições culturais, até 1923, quando o governo francês doou à academia o prédio do Pavilhão Francês na Exposição do Centenário da Independência do Brasil, na Avenida Presidente Wilson 203, uma réplica do Petit Trianon de Versalhes, projetado pelo arquiteto Ange-Jacques Gabriel, entre 1762 e 1768. 

Em 1923, o governo francês doou à ABL o prédio do Pavilhão Francês, tombado, em 9 de novembro de 1987, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro. 

Desde a década de 1950, os acadêmicos tinham planos de demolir o Petit Trianon para erguer no terreno uma torre moderna, para o que precisavam conseguir financiamento na Caixa Econômica Federal. 

Pernambucano de Caruaru, Belarmino Maria Austregésilo Augusto de Athayde nasceu em 25 de setembro de 1898 e faleceu em 13 de setembro de 1993, no Rio de Janeiro. Graduado em Direito, trabalhava como jornalista. Fez oposição à Revolução de 1930 e apoiou o Movimento Constitucionalista de São Paulo, de 1932, o que o levou à prisão e ao exílio durante meses na Europa – Portugal, Espanha, França, Grã-Bretanha e Irlanda do Norte – e Buenos Aires, Argentina, onde morou por dois anos (1933-1934). 

Retorna ao Brasil e reassume no grupo Diários Associados, como articulista e diretor do Diário da Noite e redator-chefe de O Jornal, onde mantém a coluna diária Boletim Internacional. Cai o Estado Novo e Austregésilo de Athayde faz pressão para a abertura de inquérito policial e administrativo para apurar os crimes e desvio de verbas públicas do regime deposto. Ao convite do magnata da imprensa Assis Chateaubriand, torna-se CEO dos Diários Associados, então o maior conglomerado de mídia da América Latina. Após a morte de Assis Chateaubriand, em 1968, passa a integrar o condomínio proprietário dos Diários Associados. 

Em 1948, integra a delegação brasileira na III Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, e a comissão redatora da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Em 1953, é diplomado na Escola Superior de Guerra e passa a ser conferencista daquele centro. 

Em 17 de maio de 1958, recebe a comenda da Ordem Militar de Cristo; em 20 de dezembro de 1960, a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique; e, em 26 de novembro de 1987, é agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada de Portugal. 

Autor de Direitos Humanos no Século 21 (Austregésilo de Athayde e Daisaku Ikeda), Histórias Amargas (1921), A Influência Espiritual Americana (1938), Mestres do Liberalismo (1952), Vana verba (1966), Epístola aos Contemporâneos (1967), Conversas na Barbearia Sol (1971), Filosofia básica dos direitos humanos, ensaio (1976), e Alfa do Centauro, crônicas (1979), ingressa na Academia Brasileira de Letras, em 9 de agosto de 1951, para a cadeira 8, sucedendo a Oliveira Viana, e é recebido pelo acadêmico Múcio Leão, em 14 de novembro daquele ano. Em 1958, torna-se presidente do silogeu, o que exerce durante 34 anos, até sua morte, em 1993. 

Austregésilo de Athayde era contra a demolição do Petit Trianon e mudou o rumo da história. Pediu ao presidente Juscelino Kubitschek a doação do Pavilhão Inglês, anexo ao Petit Trianon, na Avenida Presidente Wilson com a Rua Santa Luzia e a Avenida Presidente Antônio Carlos, com o objetivo de demoli-lo e construir em seu lugar uma moderna torre. 

No último ano do seu mandato, 1960, Kubitscheck atende ao pedido e assina o decreto de doação. Contudo, no ano seguinte, o novo presidente da República, Jânio Quadros, revoga a doação feita pelo presidente Bossa Nova. 

A partir daí, Austregésilo de Athayde percorre um longo caminho pelos corredores da Ditadura dos Generais (1964-1985), conversando e trocando correspondência com militares graduados, como o coronel Jarbas Passarinho e o general Lira Tavares. Em abril de 1967, o presidente Castelo Branco assina o decreto de doação do Pavilhão Inglês, mas uma cláusula impedia qualquer modificação no edifício. 

Em agosto de 1969, o presidente Costa e Silva adoece e assume o comando do país uma junta militar, liderada por Lira Tavares. Morre o acadêmico Múcio Leão. Em 30 de dezembro daquele ano, Lira Tavares se candidata à vaga de Múcio Leão e vence o poeta alagoano Lêdo Ivo. Em 2 de junho de 1970, Lira Tavares toma posse na ABL. 

Em setembro de 1970, o presidente Garrastazu Médici derruba o impedimento de demolição do Pavilhão Inglês, resolução aprovada pelo Congresso Nacional em 3 de dezembro daquele ano. 

Em 1974, Austregésilo de Athayde se encontra com o presidente Ernest Geisel, que lhe dá sinal verde para pedir um empréstimo na Caixa Econômica Federal. O empréstimo sai em 15 de maio do ano seguinte. Em 16 de junho, falecia o acadêmico Ivan Lins. O ex-presidente Juscelino Kubitscheck se candidata à vaga, mas os militares não queriam Juscelino na academia. Outro candidato era o escritor baiano Bernardo Élis, que, assim como Juscelino, fora punido pela Revolução de 1964. Mas o que os militares não queriam na academia era Juscelino, que perdeu para Bernardo Élis. 

Em 1975, começam as obras do Edifício Centro Cultural do Brasil, o Palácio Austregésilo de Athayde, projetado pelo arquiteto carioca Maurício Roberto Doria Baptista (1921-1996), formado pela Escola Nacional de Belas Artes (1939-1944). Construído pela Ecisa Engenharia e inaugurado em 1979, o Palácio Austregésilo de Athayde é uma torre de 115 metros, 30 andares, 12 elevadores sociais, ar-condicionado central, 112 vagas de estacionamento, garagem com manobrista, salas de auditório com capacidade de 12 a 288 pessoas e brigada de incêndio 24 horas. A ABL ocupa somente algumas das dependências do edifício, que é sede de empresas nacionais e multinacionais. 

Parte do Palácio Austregésilo de Athayde é utilizada para as atividades culturais da ABL e parte é alugada para várias empresas. É daí que vem a renda da academia.

A Biblioteca Acadêmica Lúcio de Mendonça fica no segundo andar do Petit Trianon, ocupando uma área de 250 metros quadrados. Além de livros, seu acervo se constitui também de quadros de grandes pintores, esculturas e móveis de época. Remonta à criação da Academia Brasileira de Letras, com a doação do romance Flor de Sangue, pelo seu autor, Valentim Magalhães, em 28 de dezembro de 1896, mas foi criada em 13 de novembro de 1905, proposta por Rodrigo Octavio, seu primeiro diretor, ainda sob a presidência de Machado de Assis. 

Desde sua fundação, a academia recebe doações de coleções particulares de acadêmicos, escritores, intelectuais e bibliófilos, como do próprio Machado de Assis e escritores como Manuel Bandeira e Olavo Bilac. Seu acervo conta com primeiras edições de obras clássicas da literatura mundial, assim como obras raras, destacando-se a edição de Os Lusíadas, de Luís de Camões, de 1572. 

Em 1999, com 20 mil volumes, não havia mais espaço para ampliar o acervo, assim, por sugestão do acadêmico Josué Montello, na presidência do acadêmico Arnaldo Niskier, foi criada a Biblioteca Rodolfo Garcia, no Palácio Austregésilo de Athayde, visando o público em geral, enquanto a Biblioteca Acadêmico Lúcio de Mendonça atende aos acadêmicos e pesquisadores.

Ray Cunha autografa o romance JAMBU, nos 70 anos da AAL

Em 5 de abril deste 2024, fui eleito o primeiro sócio correspondente da Academia Amapaense de Letras, por unanimidade, conforme comunicado do secretário da AAL, Paulo Tarso Barros, confirmado pelo presidente do silogeu, Fernando Canto, pessoalmente, durante encontro, dois dias depois, no Aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília/DF, onde o escritor fez escala rumo a São Paulo.

Meu patrono na AAL é o poeta Isnard Brandão Lima Filho, que considero o pai da minha geração de escritores.