NAQUELE início de noite, quente e seco, um sabiá cantava com vigor em algum galho do majestoso ipê-amarelo, que tinha cerca de 30 metros de altura e 60 centímetros de diâmetro, e dourava, naquele primeiro dia da primavera, a frente do casarão. A casa lembrava um navio todo iluminado, ancorado nas imediações do Parque Ecológico Península Sul, na QL 12 do Lago, quadra mais conhecida como Península dos Ministros. A luz que saía da mansão vazava entre as árvores, palmeiras imperiais, uma grande mangueira, abacateiro, jambeiro, goiabeira, cajueiro, primaveras, jasmineiros, roseiras e o pau d’arco. A dona da casa, a magnata das telecomunicações Ana Castelo Branco Sá Dourado, ia receber dois convidados para um jantar restrito.
Ana Sá, viúva do bilionário José Clodovil Rosa Dourado, estava à frente
de um império empresarial composto de uma construtora, incorporadora e
imobiliária, mais de mil imóveis em Brasília, incluindo edifícios inteiros; uma
pequena empresa aérea, Céu de Brigadeiro; hotéis em várias cidades do país; uma
fazenda em Minas Gerais, uma em Goiás e uma no Marajó/PA, esta, herdada da sua
mãe, Maria Castelo Branco, e onde criava búfalos e produzia queijo de leite de
búfala, além de plantar e exportar açaí; o jornal diário Correio do Brasil e a revista semanal Excelência, ambos com circulação nacional; a TV Brasil, aberta, e
um canal a cabo, TV Brasil Notícias; e as rádios Brasil, uma de ondas curtas,
outra de ondas médias e seis FMs.
O dr. Clodovil a chamava de “o segundo piloti do grupo”, e seu filho,
Alex, a chamava de “meu piloti”. Nasceu em 20 de julho de 1969 no Edifício
Chopin, em Copacabana, marcada pela chegada do homem à Lua, o que despertou seu
interesse por voos espaciais e a influenciou a fazer o bacharelado em física,
com especialização em astrofísica, assim como Alfredo, diretor corporativo do
Grupo Sá Dourado. Era obsedada pela ideia de entrar na indústria aeroespacial e
colocar em órbita seus próprios satélites de comunicação. Passou a infância no
apartamento do Edifício Chopin, ao lado do Belmond Copacabana Palace, “o mais
tradicional hotel do Rio de Janeiro, inaugurado em 1923, com projeto
arquitetônico de Joseph Gire, que se inspirou no Hotel Negresco, de Nice, e no
Hotel Carlton, de Cannes, na França”. A Avenida Atlântica, a Princesinha do
Mar, como Copacabana é conhecida, e Angra dos Reis, onde passou parte da
infância, eram os locais mais vivos na sua memória. Se Brasília, para ela,
representava o lugar onde nasceram seu filho e seu império, razão pela qual
sentia gratidão sagrada pela cidade, o Rio de Janeiro e Angra dos Reis
imperavam na sua memória, vivificando-a, não como nostalgia, mas como raízes.
Às vezes, sentia-se junto aos portugueses que desbravaram o Rio e Angra,
afinal, a história do Rio de Janeiro estava ligada à origem da sua família no
Brasil. E já até tivera muitos sonhos com isso, no mínimo estranhos, pois
pareciam tangíveis demais. Porém, isso não era privilégio seu, pois Alex
herdara esse mesmo tipo de mediunidade. O fato é que sonhara várias vezes na
companhia dos seus antepassados, inclusive em plena guerra.
Assim que o dr. Clodovil morreu, Ana Sá assumiu a presidência do
império e o diretor de tecnologia, Alfredo, um velho amigo do dr. Clodovil e
uma espécie de historiador do Grupo Sá Dourado, graduado em física e mestre em
astrofísica, acumulou a diretoria corporativa. Alfredo era carioca, um negro
grande, de mais ou menos 1,90, viúvo; tinha uma filha, casada, que já lhe dera
um netinho e morava na cidade do Rio de Janeiro. O dr. Clodovil e Alfredo se
conheceram ainda na juventude, no Rio, e foram juntos para Brasília. Eram como
irmãos. O dr. Clodovil sempre procurou proteger seu irmão adotivo, porque, para
muita gente, a pele negra é uma doença contagiosa. Alfredo funcionava como o
CEO do Grupo Sá Dourado, o que deixava Ana Sá despreocupada, ocupando-se
basicamente com a filosofia e estratégia do conglomerado das empresas da
família. Tinha duas obsessões. Uma delas era a reabertura de cassinos; a outra,
foguetes. Morava parte do tempo em Brasília por uma questão prática, mas seu
coração estava no Rio de Janeiro, que surgiu da família Sá, de origem
judaico-sefardita, convertida pela Inquisição (e quem ela não convertia?) ao
catolicismo durante a Idade Média, entre 1492 e 1496, trocando seus sobrenomes
judaicos, aramaicos e árabes para o castelhano e o português. A maioria dos
judeus optou por adotar a transliteração de seus sobrenomes, mantendo o radical
da palavra. Também alguns ramos dos ancestrais da família Sá fugiram da Espanha
e se estabeleceram no Marrocos, norte da África. Outros foram para o Oriente
Médio, ou se estabeleceram na Itália – Roma, Veneza e Livorno. Sá significa
grande sala ou hall, a entrada principal de uma casa. Não por acaso, Ana Sá
considerava o Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, o hall do Brasil.
Em 1 de janeiro de 1502, o explorador português Gaspar de Lemos
descobriu a Baía da Guanabara, palavra de origem tupi-guarani, guaná-pará, que
significa “seio do mar”, devido ao formato da baía, rica em peixes, o leite do
mar. A região era ocupada por povos de língua tupi procedentes da Amazônia, um
dos quais os tamoios, conhecidos também como tupinambás. Meio século depois, em
1 de novembro de 1555, franceses, comandados por Nicolas Durand de Villegagnon,
se instalaram na ilha de Sergipe, atual ilha de Villegagnon, na Baía da
Guanabara, e se aliaram aos tupinambás, estabelecendo ali uma colônia.
Mem de Sá, terceiro governador-geral do Brasil, de 1558 a 1572, nasceu
em Coimbra, Portugal, em 1500, e faleceu em Salvador, Bahia, Brasil, em 2 de
março de 1572. Chegou a Salvador em 28 de dezembro de 1557 e tomou posse do
governo em 1558. Em luta contra os brasileiros que queriam a independência
perdeu o filho, Fernão de Sá, na Batalha do Cricaré, na Capitania do Espírito
Santo. Em 1560, os portugueses se aliaram a um grupo indígena rival dos
tupinambás, os temiminós, com os quais atacaram e destruíram a colônia
francesa. Em 1 de março de 1565, tropas portuguesas enviadas por Mem de Sá, sob
o comando do seu sobrinho, Estácio de Sá, instalaram-se entre o Morro Cara de Cão
e o Morro do Pão de Açúcar, embrião da Fortaleza de São João, sítio a que
chamaram cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
São Sebastião, francês nascido em 256, de Narbonne, no sul da França, e
cidadão de Milão, morreu em 286, perseguido pelo imperador romano Diocleciano.
Sebastião, que deriva do grego sebastós, divino, venerável, era um soldado que
se alistou no exército romano por volta de 283. Querido dos imperadores
Diocleciano e Maximiano, que ignoravam tratar-se de um cristão, designaram-no capitão
da sua guarda pessoal, a Guarda Pretoriana. Em 286, devido à conduta branda de
Sebastião para com os prisioneiros cristãos, Diocleciano julgou-o traidor,
ordenando sua execução por meio de flechas. Dado como morto e atirado em um
rio, Sebastião foi resgatado e socorrido por Irene, Santa Irene, e se
apresentou novamente diante de Diocleciano, que ordenou sua morte por
espancamento e seu corpo atirado no esgoto público de Roma. Luciana, Santa
Luciana, resgatou o corpo, limpou-o, e sepultou-o nas catacumbas romanas.
Pois bem, Sebastião era também o rei-menino de Portugal e Algarves. Em
1567, tinha 9 anos, e sua avó, a rainha viúva Catarina da Áustria, foi a
responsável pelo início da construção da cidade do Rio de Janeiro. Estácio de
Sá, assim como São Sebastião, foi alvejado por flechas, no caso de Estácio de
Sá, uma flexa envenenada que lhe vazou um olho, disparada pelos índios tamoios,
aliados dos franceses, no dia 20 de janeiro, e morreu em 20 de fevereiro. Diz a
lenda que o próprio São Sebastião lutou, de espada na mão, ao lado dos
portugueses, contra os franceses, na batalha de Aruçumirim, em 20 de janeiro de
1567, no mesmo dia em que Estácio de Sá foi flechado. A batalha aconteceu onde
hoje é a Glória. Há registro de que 600 tamoios e 5 franceses morreram na
batalha e 10 franceses foram enforcados no dia seguinte, 21 de janeiro. Os
restos mortais de Estácio de Sá repousam na igreja de São Sebastião, na rua
Haddock Lobo, bairro da Tijuca, sob a guarda dos Barbadinhos, a Ordem dos
Frades Menores Capuchinhos, ramo da primeira ordem de São Francisco de Assis.
Na luta pela hegemonia portuguesa, Estácio de Sá contou com as tropas
da capitania de São Vicente e com os Temiminós, da capitania do Espírito Santo,
comandados por Araribóia, que foi recompensado com sesmaria, onde fundou a vila
de São Lourenço dos Índios, que deu origem a Niterói.
Com a derrota dos franceses e tamoios no morro da Glória e na ilha do
Governador, os portugueses, sob o comando de Mem de Sá, mudaram a povoação para
um morro próximo à ilha de Villegagnon, o Morro do Descanso, ou Alto da Sé, ou
Alto de São Sebastião, e, finalmente, Morro do Castelo, local privilegiado para
vigiar a entrada da Baía da Guanabara, e lá construíram a cidade, murada e com
a Fortaleza São Januário. O local contava com a Casa do Governador, a Câmara, a
Cadeia, os Armazéns, o Colégio e as Igreja dos Jesuítas e Igreja de São
Sebastião. Passado um certo tempo, a população da cidade começou a ocupar a
área entre outros três morros: São
Bento, Santo Antônio e Morro da Conceição. O acesso ao Morro do Castelo era
feito pela Ladeira da Misericórdia, primeira via pública da cidade, e depois
também pelas Ladeira do Castelo, Ladeira do Poço do Porteiro e Ladeira do
Seminário. Fora do Morro do Castelo foram erguidos o Colégio dos Padres
Jesuítas da Companhia de Jesus, instalações que depois deram lugar ao Hospital
Militar da Corte, e o Observatório Nacional, pois não demorou para que o Morro
do Castelo ficasse pequeno demais para a expansão da cidade.
O sucessor de Mem de Sá, D. Luís de Vasconcelos, enviado para o Rio em
1570, foi morto por piratas franceses. Assim, o governo ficou sob a
responsabilidade de outro sobrinho de Mem de Sá, Salvador Correia de Sá. Em
1763, o ministro português Marquês de Pombal transferiu a sede da colônia de
Salvador para o Rio de Janeiro, e, em 1808, fugida de Napoleão Bonaparte, a
corte portuguesa segue para o Rio, que se torna, então, capital do Império
Português, a única cidade no mundo a sediar um império europeu fora da Europa.
Do dia para a noite o Rio inchou. O estabelecimento da família real portuguesa
na cidade atraiu, só naquele ano de 1808, 15 mil nobres e gente da alta
sociedade portuguesa. Nesse meio tempo descobriu-se ouro, em abundância, em
Minas Gerais, e o porto mais próximo para o transporte desse ouro para Portugal
era o Rio de Janeiro. Construiu-se, então, uma estrada ligando as minas ao Rio.
Em 1922, o prefeito Carlos Sampaio, pensando em urbanizar a cidade para
a Exposição Internacional do Centenário da Independência, arrasou o Morro do
Castelo, utilizando suas terras para aterrar parte da Urca, da Lagoa Rodrigo de
Freitas, do Jardim Botânico e onde é hoje o Aeroporto Santos Dumont. O Castelo é
o coração do Rio de Janeiro, juntamente com a Avenida Rio Branco e a
Cinelândia. Acredita-se que no local do Morro do Castelo durma um fabuloso
tesouro em uma galeria secreta, escondido pelos Jesuítas. Seriam 67 toneladas
de ouro, além de uma imagem em tamanho natural de Santo Inácio de Loyola, toda
de ouro, com olhos de brilhantes e dentes de pérolas. Não se sabe se o tesouro
é verdadeiro, mas as galerias já foram identificadas. Quem quiser levar a fundo
essa informação deve pesquisar no Arquivo Público e nos arquivos do setor de
engenharia da prefeitura da cidade. Em 1960, o presidente Juscelino Kubitscheck
transfere a capital para Brasília e o Rio é transformado em cidade-estado, com
o nome de Guanabara, até 15 de março de 1975, quando ocorreu a fusão com o
estado do Rio de Janeiro.
Ana Sá achava sua cidade natal a mais bonita do mundo. Vitrine cultural
e maior destino turístico internacional do Brasil, da América Latina e de todo
o Hemisfério Sul, o Rio é a segunda maior metrópole do país, atrás somente de
São Paulo. É a cidade brasileira mais conhecida no exterior, a Cidade
Maravilhosa, um espetáculo, histórico, cultural e geográfico, permanente. O
litoral da cidade do Rio de Janeiro tem 197 quilômetros de extensão e mais de
100 ilhas. A cidade começou com os portugueses expulsando os franceses, mas foi
graças a um francês, Napoleão Bonaparte, que o Rio de Janeiro, e o Brasil, se
desenvolveram. Bonaparte invadiu Portugal, em 1808, mas antes que isso
acontecesse a corte portuguesa se mandou para o Rio de Janeiro. Aí a história
da cidade mudou de rumo, graças à aristocracia portuguesa, que não precisou
mais gastar seu ouro e pedras preciosas, extraídos do sertão brasileiro,
somente em Portugal, pois passou a investir no Rio de Janeiro e no resto do
país.
Mais ao sul do estado do Rio de Janeiro, a região de Angra dos Reis era
habitada pelos tamoios/tupinambás quando a expedição portuguesa comandada por
Gonçalo Coelho chegou à região, em 6 de janeiro de 1502. Como era o dia da
visita dos Três Reis Magos ao menino Jesus batizaram-na de Angra dos Reis. A
primeira expedição de colonização, a mando da Coroa de Portugal, iniciou a
povoação no continente, em 1530, mas só a partir de 1556 é que os
colonizadores, vindos dos Açores, se estabeleceram na enseada, onde, em 1593,
fundaram uma povoação com o nome de Ilha Grande, elevada, em 1608, à categoria
de vila, com a denominação de Vila dos Reis Magos da Ilha Grande, depois Vila
de Angra dos Reis e, finalmente, Angra dos Reis. Entre o fim do século XVIII e
início do século XIX, Angra se transformou em importante porto, na foz do rio
Mambucaba, exportador de café e importador de escravos para o Vale do Paraíba.
Os portugueses começaram cultivando cana-de-açúcar na região, que, aos poucos,
começou a servir como ponto de ligação entre as cidades do Rio de Janeiro e
Santos/SP, e depois como porto de exportação e importação ligado a São Paulo e
Minas Gerais. Angra contava, ainda, com a indústria da pesca e beneficiamento
de baleia.
Contudo, toda essa prosperidade era baseada na escravidão de africanos
e a Inglaterra, já então uma potência industrializada, forçou o Império
Português a abandonar o tráfico de escravos. De 1839 a 1842, a marinha
britânica apreendeu inúmeros navios negreiros, deixando furiosos os grandes
proprietários de escravos e de terras, especialmente os cafeicultores, além dos
traficantes. Com relação aos traficantes, era como se hoje os britânicos
arrasassem os traficantes brasileiros de drogas. Segundo o historiador Caio
Prado Júnior, só em 1848, alcançara-se um total de 22.849 africanos
desembarcados no país. Em setembro de 1850, foi promulgada a Lei Eusébio de
Queirós, proibindo a entrada de africanos escravizados no Brasil. Em 1871, a
Lei do Ventre Livre libertou todas as crianças nascidas de mães escravas a
partir de então. Em 1872, havia cerca de 1.600.000 escravos registrados no
Brasil. Em 1885, a Lei dos Sexagenários tornou livres todos os escravos a
partir dos 60 anos de idade. E em 13 de maio de 1888, foi sancionada a Lei
Áurea, que extinguiu a escravidão no Brasil, assinada pela princesa Isabel de
Bragança, regente do Império Português, pois seu pai, o imperador Pedro II, se
encontrava em viagem ao exterior. Mas, em vez de pagar os negros,
latifundiários optaram por pagar imigrantes europeus para a mão de obra. Os
negros foram entregues à própria sorte, à sanha racista dos brancos.
O povoado de Angra dos Reis foi elevado ao status de freguesia em 1808,
e, em 1835, de cidade. Mas, em 1872, após a ligação ferroviária entre São Paulo
e Rio de Janeiro, o porto entrou em decadência, agravada, em 1888, com a
libertação dos escravos, o que levou à decadência das fazendas de café da
região. Em 1938, foi construída uma estrada de ferro para Minas Gerais e o
porto foi reativado. A instalação do Estaleiro da Verolme, nos anos 1960,
estimulou a economia local, e, nos anos 1980, foram instalados no município a
Usina Nuclear de Furnas, Angra I, e o Terminal da Petrobrás, e, já no século
XXI, Angra II, a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, no distrito de
Mambucaba. Em 1969, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan) tombou o conjunto arquitetônico e paisagístico da vila de Mambucaba,
que significa passagem ou abertura, pois subindo o rio Mambucaba se alcançava a
trilha usada pelos índios para ultrapassar a Serra do Mar. Hoje, além da pesca,
atividades portuárias e a indústria naval, por meio do estaleiro Keppel Fels,
antigo Verolme, a grande atividade econômica de Angra é o turismo,
principalmente na Ilha Grande. Com área de 816,3 quilômetros quadrados,
continental e insular, com 365 ilhas, uma para cada dia do ano, a maior delas a
Ilha Grande, Angra conta com oito baías e duas mil praias em mar azul turquesa
e águas tépidas, areia branca e fina, e sol praticamente o ano todo,
temperatura tropical e sem cataclismos. A comida é saborosa, brasileira, e a
cultura é rica, um cadinho étnico com três elementos: o europeu, o indígena e o
africano. Por estrada, fica a 152 quilômetros, duas horas do Rio de Janeiro.
Entre as lembranças da juventude, uma das que mais estavam conservadas
no consciente de Ana Sá era o rio Carioca, um riacho que nasce na Floresta da
Tijuca, passa pelos bairros de Cosme Velho, Laranjeiras, Catete e deságua na
Baía de Guanabara, na Praia do Flamengo, junto à estação de tratamento de
efluentes. Atualmente, a maior parte de seu curso é subterrânea. O nobre
espanhol Dom Juan Francisco de Aguirre, que esteve no Rio em março de 1782,
registrou que os naturais da cidade passaram a ser apelidados de “cariocas”
devido ao seu deslumbramento com o Aqueduto da Carioca: “Foi esse deslumbre
pelo seu aqueduto que fez com que os naturais desta cidade ficassem conhecidos
como cariocas, nome da fonte de onde vem a água que abastece a região. Logo que
estabelecem contato com um europeu, os cariocas apressam-se em dizer-lhe que
essa água tem o poder de enfeitiçá-lo e de fazê-lo fixar residência na cidade”.
Em 1783, decreto do vice-rei do Brasil, D. Luiz de Vasconcelos, criou
novo gentílico, “mais civilizado”, para os nascidos no Rio de Janeiro:
“fluminense”, do latim “flumen”, que significa “rio”. Em 1834, Ato Adicional à
Constituição de 1824 separava o município do Rio de Janeiro da Província do Rio
de Janeiro, constituindo um Município Neutro, com administração vinculada
diretamente à corte imperial brasileira. Como carioca é um termo indígena, os
membros da Corte torceram o nariz e optaram por se intitularem fluminenses, mas
o povo continuava usando o gentílico carioca.
Após a Proclamação da República do Brasil, em 1889, o Município Neutro
foi transformado em Distrito Federal e a província do Rio de Janeiro no estado
do Rio de Janeiro. Em 1960, com a mudança da capital do país para Brasília, o
antigo Distrito Federal se tornou estado da Guanabara, que adotou então
oficialmente a designação carioca pela primeira vez para seus filhos. Com a
fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975, a opção do
gentílico oficial do novo estado foi fluminense, reduzindo-se carioca a
gentílico municipal. Mas os fluminenses preferem a designação carioca,
especialmente na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Costa Verde e Região
dos Lagos, e, desde 2000, o movimento Somos Todos Cariocas busca o
reconhecimento de carioca como gentílico oficial do estado do Rio de Janeiro, 43.780,172
quilômetros quadrados e litoral de 636 quilômetros de extensão, a paisagem mais
exuberante da Terra.
Assim, era natural que houvesse cassinos no Rio. Ana entendia que a
clandestinidade do jogo se constituía em uma estupidez tão grande quanto o
moralismo pelo moralismo. O controle do jogo pelo estado, e não pelo crime
organizado, gera impostos, ao mesmo tempo em que o estado fiscaliza toda a
indústria do jogo, uma das mais rentáveis que existe em todo o mundo. Sir
Leonard Woolley descobriu, em 1920, dados em forma de pirâmide em túmulos reais
da civilização sumeriana de Ur. Descobriu-se também na tumba do faraó Tutankamon
dados em formatos de hastes com as faces numeradas de 1 a 4. Sumérios e
assírios usavam dados de seis faces, feitos de osso, moldados de modo que
pudessem cair em quatro posições diferentes. No Império Romano, jogavam o
“hazard”, do árabe “al-azar”, que significa “dado”, e em inglês e francês,
“risco” ou “perigo”, introduzido na Europa com a Terceira Cruzada. Jogos de
carta apareceram por volta do século IX, na China, e no século XIV na Europa.
Quanto à loteria, os primeiros registros são os cartões Keno dos chineses da
Dinastia Han, entre 205 e 187 aC. Já as primeiras loterias europeias também
começaram no Império Romano. O pôquer e a roleta apareceram no século XIX.
O jogo é legal em quase todos os países civilizados do mundo, como
Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia,
Holanda, Inglaterra, Itália, Mônaco, Portugal, Suíça, Uruguai e até na China,
uma ditadura totalitária – a Região Administrativa Especial de Macau, que antes
de passar para mãos chinesas pertencia a Portugal, é o Eldorado dos jogadores,
a Meca do jogo, desbancando Las Vegas como “capital mundial dos cassinos”. Os
mais de 100 cassinos de Las Vegas faturam 8 bilhões de dólares por ano e só uma
de suas maiores redes conta com 50 mil empregados.
No Brasil, os cassinos surgiram com a independência de Portugal,
proclamada em 1822, e durou até 1917, quando foram proibidos pelo presidente
Venceslau Brás. Voltaram a ser legalizados em 1934, por Getúlio Vargas, e
novamente proibidos, em 30 de abril de 1946, pelo presidente Eurico Gaspar
Dutra. Havia então no Brasil uma indústria de 70 cassinos e mais de 40 mil
trabalhadores regularmente empregados, e que foram para o olho da rua. Em 1993,
foram liberadas casas de bingo e máquinas caça-níqueis, que voltaram a ser
proibidas em 2004. O jornalista e presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal
(IJL), Magno José Santos de Sousa, afirma que o Brasil tem uma das legislações
mais atrasadas do mundo relativa ao jogo de azar, e filosofa: a clandestinidade
não anula a prática. O Brasil é um dos países em que mais se joga no mundo,
movimentando, na virada do século, cerca de 5 bilhões de dólares por ano,
clandestinamente. Só o jogo do bicho movimenta 10 bilhões de reais por ano, sem
pagar nenhum centavo de imposto e sem gerar empregos formais. Mas estudo do
Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL)/BNLData indica que o mercado de jogos no
Brasil tem potencial de arrecadar 15 bilhões de dólares por ano, deixando para
o erário 4,2 bilhões de dólares, além de 1,7 bilhão de dólares em outorgas,
licenças e autorizações, isso, sem somar investimentos e geração de empregos na
implementação das casas de apostas. Além disso, seriam gerados mais de 658 mil
empregos diretos e mais de 619 mil empregos indiretos.
“A prática dos jogos de azar é socialmente aceita e está arraigada nos
costumes da sociedade. O jogo do bicho existe há mais de um século (desde
1892), tendo se tornado contravenção em 1941. Ele faz parte da cultura, já se
tornou um folclore na nossa sociedade. A lei penal não tem o poder de revogar a
lei econômica da oferta e da procura. Se a demanda não for suprida pelo mercado
lícito, será suprida pelo mercado ilícito” – disse o sociólogo francês Loïc
Wacquant.
Ana Sá pretendia criar um cassino no seu Hotel Atlântico, em Copacabana,
no Posto 6, onde já funcionava uma casa de shows, cinema de arte, teatro e
galeria de arte, tudo com agenda para o ano todo, e outro cassino em outro
hotel da rede em Angra dos Reis.
Além do turismo, seu outro grande interesse empresarial eram as telecomunicações.
Descendia também, pela parte da mãe, da nobreza portuguesa, a família Castelo
Branco, do Pará, segundo estudos que fizera da sua genealogia. Sua linhagem
paraense vinha de Francisco Caldeira Castelo Branco (1566-1619), capitão-mor
português, fundador, em 12 de janeiro de 1616, da cidade de Santa Maria de
Belém do Grão-Pará, a “capital da Amazônia”. Francisco Caldeira nasceu no
Crato, distrito de Portalegre, Portugal, e se chamava Francisco Caldeira de
Castelo Branco. Teria nascido na localidade de Castelo Branco, em Portugal, ou,
segundo o Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa. O fato é que, de 1612 a 1614, foi capitão-mor
da Capitania do Rio Grande, que abrangia terras do atual estado do Rio Grande
do Norte, além de trechos dos atuais estados do Ceará e da Paraíba. Em 1615,
comandou uma expedição militar para expulsar franceses, holandeses e ingleses
estabelecidos no Grão-Pará. Em 12 de janeiro daquele ano, desembarcou na
enseada da Baía do Guajará, conhecida como Paraná-Guaçu pelos Tupinambás, e,
numa pequena elevação, ergueu um forte de madeira, coberto de palha, que
denominara Presepe (Presépio), mais tarde chamado Forte do Castelo. O entorno
do forte ficou conhecido como Feliz Lusitânia. Em Portugal, deixou como
herdeira Francisca de Castelo Branco, que, em 11 de fevereiro de 1623,
reivindicou terras no Pará.
Naquela noite, Ana Sá recebeu o encarregado de negócios da embaixada
dos Estados Unidos no Brasil, William Popp, e o ministro da Ciência,
Tecnologia, Inovações e Comunicações, tenente-coronel da Força Aérea Brasileira
(FAB), Marcos Pontes, engenheiro e o primeiro astronauta brasileiro,
sul-americano e lusófono; foi ao espaço na Missão Centenário, em referência aos
cem anos do voo de Santos Dumont no avião 14 Bis, em Paris, no dia 23 de outubro
de 1906. A missão foi fruto de um acordo entre a Agência Espacial Brasileira
(AEB) e a Agência Espacial da Federação Russa (Roscosmos), justamente com o
objetivo de enviar o primeiro brasileiro ao espaço, a bordo da nave Soyuz
TMA-8, da Roscosmos, lançada em 30 de março de 2006 no Centro de Lançamento de
Baikonur, no Cazaquistão, com destino à Estação Espacial Internacional (ISS),
levando oito experimentos científicos brasileiros para execução em ambiente de
microgravidade. Retornou em 8 de abril, a bordo da Soyuz TMA-7. De 2011 a 2018,
trabalhou como embaixador da Organização das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Industrial.
Ana Sá estava sondando a instalação de uma base de lançamento de
foguete no cabo Maguari, município de Soure, ilha de Marajó, Pará, onde possuía
um mundo de terras e de búfalos. O cabo Maguari é talvez o melhor ponto do
planeta para o lançamento de foguetes. Situado praticamente na Linha Imaginária
do Equador, afastado de aglomerações humanas e defronte para o oceano Atlântico,
área de escape por excelência em caso de acidente, localiza-se no maior
arquipélago marítimo-fluvial do mundo, o Marajó, formado por cerca de 2.500
ilhas, mas que, na verdade, ninguém sabe quantas são, pois algumas surgem de
repente, ou somem; a maior delas, homônima, mede 42 mil quilômetros quadrados,
quase do tamanho da Suíça, constituindo-se na maior ilha na costa do Brasil e a
maior ilha marítimo-fluvial do planeta. O arquipélago é banhado ao norte e a
oeste pelo delta do rio Amazonas, o maior do mundo; ao sul, pelo rio Pará, que
é um canal formado pelas águas de inúmeros rios, principalmente o Amazonas e o
Tocantins, e que desemboca, a sudeste, na baía de Marajó; e, a leste, pelo
Oceano Atlântico. A cidade de Soure fica a 80 quilômetros de Belém, a capital
do Pará, o estado mais emblemático da Amazônia, pois encerra nele amostras de
todo o Trópico Úmido.
Ana pretendia fabricar foguetes, satélites e componentes no Distrito
Industrial de Barcarena, com energia hidroelétrica da usina de Tucuruí,
transportá-los de balsa do Porto de Vila do Conde, o maior do Pará, para Soure,
e lançá-los do cabo Maguari. A primeira série de foguetes já tinha até nome:
Jacuraru. O topônimo do município de Soure tem origem na vila homônima no
distrito de Coimbra, em Portugal, a qual os romanos chamavam de Saurium,
“lagarto”. Os marajoaras apreciam, na panela, jacuraru, uma espécie de camaleão
comum nas ilhas. Agora, começariam a enviar jacuraru para o espaço.
Antes que o próprio homem se aventurasse no espaço sideral, enviou
animais. Segundo registros, os experimentos começaram em 1783, na França. Os
irmãos Montgolfier, que inventaram o balão de ar quente, enviaram uma ovelha,
um pato e um galo para o espaço, a bordo de um balão; os animais regressaram
ilesos à Terra. Em fevereiro de 1947, os americanos embarcaram várias
moscas-das-frutas em um foguete V-2, em voo de poucas horas e que retornou em
segurança à Terra; queriam saber o efeito da radiação em altas altitudes. Em
1949, enviaram o macaco Albert II, seguido de aranhas, ratos e sapos. Mas em
órbita, mesmo, os pioneiros foram os russos, que, em 3 de novembro de 1957,
puseram uma cadela, chamada Laika, a bordo da nave Sputnik; Laika morreu logo
após o início da viagem, de estresse.
Se a Alemanha não fosse derrotada na Segunda Guerra Mundial seria ela a
iniciar a corrida espacial. Quando os aliados venceram a guerra, os Estados Unidos
e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) trataram de capturar a
maioria dos engenheiros alemães do projeto Míssil V-2, que começou em 1943. O
V-2, Vergeltungswaffe 2, Arma de Vingança 2, foi o primeiro míssil terra-terra
a combustível líquido operacional do mundo, contando com controle de voo
automático. Aos Estados Unidos coube a sorte de capturar Wernher Magnus
Maximilian von Braun (1912-1977), polonês de Wirsitz, província de Posen, hoje
chamada Wyrzysk, que já foi parte da Prússia e do Império Alemão. Braun foi o
principal responsável pelo desenvolvimento dos foguetes V-2 na Alemanha Nazista
e pelo Saturno V, que levou as naves Apollo para a Lua.
Mas coube à Rússia pôr o primeiro homem no espaço, Yuri Gagarin
(1934-1968), em voo orbital de 1 hora e 48 minutos, a bordo da nave Vostok 1,
em 12 de abril de 1961. É dele, nesse voo, a célebre frase: “A Terra é azul”, e
também uma frase comunista: “Olhei para todos os lados, mas não vi Deus”,
certamente para agradar a Nikita Khrushchov. O foguete que levou a Vostok 1 foi
o Sputnik, graças ao talento do engenheiro soviético Sergei Korolev, então
engenheiro-chefe do programa espacial soviético; foi ele que conseguiu
convencer Nikita Khrushchov, o então kzar da URSS, a investir no espaço. Ele queria
levar o homem à Lua.
Os americanos deram uma resposta quatro meses depois do lançamento do
Sputnik 1, em 31 de janeiro de 1958, com seu primeiro satélite, o Explorer I,
seguido, tanto pelos Estados Unidos quanto pela União Soviética, por vários
satélites, de comunicação, meteorológicos e espiões, além do envio de sondas
para satélites naturais e planetas do sistema solar, e, finalmente, para o
espaço interestelar. Em julho de 1958, os americanos criaram a National
Aeronautics and Space Administration (Nasa), Administração Nacional da
Aeronáutica e Espaço, a agência espacial dos Estados Unidos, com a missão de
coordenar a exploração do espaço sideral.
A Apollo 11 concretizava um objetivo estabelecido em 25 de maio de 1961
pelo presidente John Kennedy no Congresso dos Estados Unidos: “Antes de esta
década acabar, vamos aterrissar um homem na Lua e retorná-lo em segurança para
a Terra”. A coisa começou com os projetos Mercury, Gemini e Apollo. Para lançar
o foguete Saturno, os americanos construíram o Centro Espacial John Kennedy,
uma base da Força Aérea americana no Cabo Canaveral, ou Cabo Canavial, na
Flórida, onde havia um farol em 1843. Trata-se da região da costa leste
americana mais próxima do Equador e mais distante de cidades. No Natal de 1968,
Frank Borman, James A. Lovell Jr. e William A. Anders entraram em órbita na
Lua, e, em 20 de julho de 1969, Neil Armstrong e Buzz Aldrin alunissaram no
módulo lunar Eagle. Seis horas depois do pouso, já no dia 21, Armstrong
desembarcou, seguido, vinte minutos depois, por Aldrin. Ambos ficaram duas
horas e quinze minutos fora do módulo e coletaram 21,5 quilos de solo lunar. O
astronauta Michael Collins ficou controlando o módulo de comando Columbia na
órbita da Lua durante as 21 horas e meia na ausência de Armstrong e Aldrin. A
alunissagem foi mundialmente transmitida ao vivo pela televisão. Ao pisar na
Lua, Armstrong disse: “É um pequeno passo para um homem, mas um passo gigante
para a humanidade!” A Columbia foi lançada por um foguete Saturno V, no Centro
Espacial John Kennedy, em 16 de julho; era a quinta missão tripulada do
Programa Apollo da Nasa. Amerissaram no Oceano Pacífico em 24 de julho, após
oito dias no espaço e um esforço de 20 bilhões de dólares, envolvendo 20 mil
fábricas de peças e componentes e 300 mil trabalhadores. Foram cinco pousos na
Lua, com o total de doze americanos passeando no satélite, onde fixaram uma
placa: “Aqui, os homens do planeta Terra pisaram pela primeira vez na Lua.
Julho de 1969. Viemos em paz, em nome de toda a humanidade”.
Como a Linha do Equador é o local de rotação mais veloz da Terra, o
Jacuraru teria tudo para ampliar a fortuna dos Sá Dourado, assim como o PIB
francês é ampliado por três foguetes lançados na base espacial em Kourou, no
meio da selva, no Departamento Ultramarino francês, a Guiana Francesa: Ariane,
Soyuz e Vega. O maior deles, o Ariane 5, foi criado em 1996, levando para o
espaço alguns dos maiores satélites de telecomunicações e meteorologia do
planeta. O projeto do Ariane 6, foguete de 62 metros de altura, desenvolvido
para lançar espaçonaves ainda maiores do que as transportadas pelo Ariane 5,
tem orçamento de 2,4 bilhões de euros, dinheiro dos países da Agência Espacial
Europeia (ESA); mais barato e eficiente do que o Ariane 5. Cada lançamento do
Ariane custa em torno de 100 milhões de dólares.
Mas uma nova geração de foguetes reduziu os custos. A SpaceX, Space
Exploration Technologies, do bilionário Elon Musk, pode fazer a mesma coisa que
o Ariane 5 dezenas de milhões de dólares mais barato. Os dois primeiros
foguetes da empresa são os Falcon 1 e Falcon 9, homenagem à Millennium Falcon,
de Star Wars, e sua primeira nave
espacial é a Dragon, em homenagem ao filme Puff
the Magic Dragon, tudo isso concretizado em apenas sete anos. Em setembro
de 2008, o Falcon 1 fez história: tornou-se o primeiro foguete privado a
colocar um satélite na órbita terrestre, e, em 25 de maio de 2012, a Dragon
ancorou na Estação Espacial Internacional, tornando-se a primeira empresa
privada a fazer isso.
O Brasil possui duas bases de foguetes: o Centro de Lançamento da
Barreira do Inferno, em Natal/RN, e o Centro de Lançamento de Alcântara/MA,
ambos na Região Nordeste. A Agência Espacial Brasileira (AEB) coordena o
programa espacial desde 1994, pesquisando e desenvolvendo tecnologias para a
produção de foguetes e satélites, mas o programa enfrenta um gargalo: tanto o
centro de lançamento de foguetes do Rio Grande do Norte quanto o do Maranhão
vêm sendo estrangulados; o do Rio Grande do Norte por especulação imobiliária e
o do Maranhão por questões fundiárias, referentes a demarcações de terras
quilombolas. Em 2011, o site WikiLeaks revelou um telegrama do Departamento de
Estado americano para sua embaixada em Brasília, enviado em janeiro de 2009,
com o seguinte teor: “Não apoiamos o programa nativo dos veículos de lançamento
espacial do Brasil. Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não
se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara,
contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de
foguetes ao Brasil”.
Enquanto Ana Sá focava a Base do Camaleão, Alex se interessava mais por
ETs e objetos voadores não identificados (Ovnis), ou Ufos, na sigla em inglês.
Até hoje, não há evidência científica para embasar a ideia da existência de uma
raça extraterrestre e uma corrente de cientistas relaciona Ovnis a fenômenos
atmosféricos ou a histeria. Mas para Alex a existência de incontáveis raças no
Universo era ponto pacífico, pois essa certeza vinha de incansável pesquisa e,
sobretudo, relatos de médiuns, além da ufologia casuística, largamente conhecida.
A expressão disco-voador, por exemplo, vem do inglês flying saucer, pires
voador, utilizada pela primeira vez pelo jornal Y East Oregonian, na edição de 25 de junho de 1947, durante entrevista
com o piloto civil Kenneth Arnold, que acabara de passar pela experiência de
ver nove objetos voadores em forma de pires, muito brilhantes, quando
sobrevoava o Monte Rainier, nos Estados Unidos. Ele comparou os objetos a pires
quicando sobre a água. O fato é que naves espaciais sempre foram avistadas e
registradas em toda a história da humanidade. No Brasil, o mais importante
registro da existência de Ovnis e ETs é a Operação Prato, conhecida
popularmente como Chupa-Chupa, ocorrida na costa do Pará, com epicentro na ilha
de Colares, estendendo-se a Belém e ao Marajó. Realizada oficialmente pela
Força Aérea Brasileira (FAB), entre outubro e dezembro de 1977, acredita-se que
continuou, secretamente, durante o ano de 1978, segundo indicam documentos oficiais.
O interesse de Alex, no entanto, era sobre a ufologia do ponto de vista
espiritualista. No imaginário da maioria dos seres humanos os alienígenas são
inimigos, mas, na teoria do astrofísico e médium brasileiro Laércio Fonseca, os
seres extraterrestres são espíritos como os seres humanos; obedecem a um
comando planetário e se locomovem pelo cosmos em velocidade quântica,
manipulando diversos estados da matéria. Segundo o que Laércio Fonseca chama de
Projeto Terra, a Humanidade começou a ser planejada por instâncias superiores
há cerca de 4,5 bilhões de anos, e os seres humanos começaram a encarnar
aproximadamente há 100 mil anos, vindos de outros projetos, dotados de livre
arbítrio para agirem conforme suas consciências durante a experiência da jornada
na matéria, rumo à consciência cósmica. A questão é que a ciência jamais
conseguiu encontrar o espírito, voltando-se então para o átomo, o espaço, as
estrelas, acreditando que toda a realidade está à sua volta. Nessa busca,
acabou surgindo a competição e com ela o poder.
Que poder? Seria a capacidade do arbítrio, do mando, do autoritarismo,
da soberania, do império? Na sua jornada na Terra, desde que começou a
encarnar, o homem anda atrás de poder, de monopólio, principalmente econômico e
militar; anda atrás de obter a dependência do outro. Thomas Hobbes organizou a
ideia do poder ao analisar que a organização do Estado e dos poderes é um
contrato social, ou constitucional, que substitui o estado de natureza; neste,
domina a força física e a lei do mais forte, que Hobbes denomina de Mundo Cão
ou Caos Social. E o poder dos corruptos, do crime organizado? E qual seria o
poder máximo? O amor? Será o amor um poder, ou um estado de espírito? Qual
seria o poder exercido pelos seres extraterrestres? – Alex perguntava-se,
lembrando Laércio Fonseca: “É muito simples para um ET materializar-se entre
nós, assim como o é para um espírito, mas isso contraria as normas do Projeto
Terra; é o homem quem deve elevar sua consciência e deixar as trevas para
alcançar essa realidade, não o contrário”. Isso não seria ir para dentro de si
mesmo?
Mas uma coisa lhe parecia clara: os ETs não pousarão em uma praça e se
apresentarão aos humanos; levarão muito tempo para se apresentarem, embora Alex
acreditasse que eles estão entre nós, disfarçados de nós, desde sempre. Ora,
não havia uma alma sequer na Terra e hoje estamos caminhando para os 8 bilhões.
Logo, todos viemos de fora, de outro plano, e, segundo cálculos de Laércio
Fonseca, pelo menos 5 bilhões de almas estão hoje na primeira encarnação na
Terra. Diante disso, o plano físico parece o mais primitivo de todos os planos,
o que significa dizer que a raça humana não conquistará o espaço fora do
sistema solar com naves movidas pela tecnologia que conhecemos; só conhecerá o
nosso sistema solar, como também outras galáxias, fora da matéria tal qual a
conhecemos, condensada pela vida, nos seres biológicos, e pela força
eletromagnética nos seres inanimados.
E como o plano espiritual se revelará à toda a Humanidade? Há um
caminho: por meio dos nossos irmãos de planos superiores. O que requer um nível
de preparação interior elevado, um estado amoroso – Alex ponderava. “Paz
interior, harmonia com a natureza e coração aberto para as estrelas são as
condições para um verdadeiro encontro. Quando uma pessoa muito importante está
para nos visitar em nossas casas, nossa primeira atitude é a de limparmos tudo,
enfeitarmos com flores, com perfumes, prepararmos o melhor jantar e darmos ao
nosso ilustre visitante aquilo que possuímos de melhor. Assim também deve ser
com nosso interior, quando um visitante ilustre está para chegar em nosso
mundo. Portanto, vamos manter nosso edifício interno preparado para essa
visita” – diz Laércio Fonseca, no seu livro Projeto Terra.
Alex pensava nisso enquanto olhava para a fauna que desfilava à sua
frente quando foi apresentado a Bob Herman, assessor de William Popp. Acabaram
engatando uma conversa em inglês. Herman era surpreendente. Lembrava um Baby
Herman negro, nascido na Louisiana, formado em Literatura Americana e
especializado em Literatura Ibero-Americana. E Alex era leitor voraz; tomou
gosto por literatura com seu avô, Dorinato Kubitschek Dourado, que tinha na
figura de João Guimarães Rosa o escritor máximo brasileiro. Com efeito, Guimarães
Rosa criou uma das personagens de ficção femininas mais extraordinárias de toda
a literatura brasileira, e mundial: Reinaldo, ou Diadorim, ou Maria Deodorina
da Fé Bittencourt Marins, mulher travestida de homem, capaz de fazer quase
qualquer coisa que um homem faz. Quando a TV Globo transpôs Grande Sertão:
Veredas para a telinha, quem encarnou Diadorim foi Bruna Lombardi, uma das
mais belas atrizes brasileiras, entre tantas e tantas beldades. Porém, quando
se tratava de mulher, Alex estava mais para Capitu do que para mulheres
ambíguas.
– Gosto muito de Machado de Assis – disse Bob, puxando papo exatamente
para um terreno familiar a Alex.
– Trata-se do escritor mais emblemático do Brasil, por ser muito
conhecido e mulato. Na escola, tanto no ensino fundamental como no médio, os
professores costumam apresentar uma foto dele feita talvez com o propósito de
disfarçá-lo, de maquiá-lo como branco, uma tentativa de esconder que a
mestiçagem é base da etnia brasileira; somos, como você certamente sabe, um
caldeirão étnico misturando três elementos: o europeu, o ameríndio e o
africano. O resultado é o povo mais maravilhoso que há na face da Terra, um
povo que não discrimina a cor da pele nem religiões. Há uma discriminação, mas
superficial, aquela que é mais um impulso do que um abismo como na Inglaterra,
por exemplo, e, por extensão, como nos Estados Unidos – Alex despejou.
Harold Bloom ouvia atentamente. Pensou um pouco e disse:
– Machado de Assis é o maior escritor negro de todos os tempos,
certamente.
– Creio que sim. Maior do que os escritores negros americanos, porque
Machado é o maior do Brasil, que, por sua vez, tem uma importância fundamental
no concerto das nações. Somos importantes por quê? O nosso sincretismo, nosso
potencial em produzir alimentos e nosso continente tropical nos fazem o país do
Cruzeiro, a potencial pátria de uma nova humanidade. Machado também é
emblemático porque nasceu no morro; era pobre, é claro. Estudou em escolas
públicas, jamais frequentou universidade e foi funcionário público a vida toda.
Mas, mesmo assim, fundou a Academia Brasileira de Letras. Os brasileiros gostam
de academias. Acho que em cada uma das 5.570 cidades brasileiras há uma
academia de letras; e seus membros se sentem tão importantes quanto Machado.
Não sei o que os portugueses, que são os criadores do Brasil, acham de Machado;
talvez achem que é mais um negro tentando dizer alguma coisa da senzala. Só não
é conhecido mundialmente porque era brasileiro e escrevia em português. Se
tivesse nascido, hoje, estaria ferrado. Entre os brasileiros de hoje, e não sei
se sempre foi assim, fazer sucesso é uma ofensa pessoal. Não sei de onde vem
essa inveja, mas é assim. Jorge Amado só fez sucesso porque foi ajudado pelo
Partido Comunista, que é uma espécie de igreja: de um lado, os cardeais; do
outro lado, a miudeza dos corruptos e a multidão de ingênuos. Amado era
cardeal. Creio que o ponto mais alto de Machado é Dom Casmurro, romance que tem como sinopse o ciúme. Ou fofoca?
Ciúme é um elemento muito forte na cultura brasileira. O que é ciúme? É
possessividade, uma pessoa dona do outro; e é assim que é, todo mundo é dono do
outro, aqui no Brasil. Contudo, Machado cria, em Dom Casmurro, senão a
personagem feminina mais sensual de toda a literatura brasileira, o que eu
identifico como a mulher carioca. O fato é que Capitu é uma personagem
deliciosa, o embrião da carioca moderna, que mora ou frequenta Copacabana,
Ipanema e o Baixo Leblon, é malemolente e tem olhos de ressaca do mar. Para
muitos, Capitu simplesmente metia chifre no marido, com o melhor amigo dele, ou
amigo da onça, como se dizia nos anos sessenta do século passado. Para outros
tantos, Capitu era apenas objeto de fofoca, e seu marido, Bentinho, paranoico.
A questão é que o brasileiro, como de resto o machão ibero-americano, se pela
de medo de imaginar sua santa esposa sendo trabalhada por terceiros. Mas
fale-me de Faulkner, o grande escritor americano – Alex pediu.
– William Faulkner usava a técnica do fluxo de consciência, também
utilizada por James Joyce, Marcel Proust, Thomas Mann, Virginia Woolf. Foi ele
que narrou, como nenhum outro escritor, a decadência do sul dos Estados Unidos,
criando inclusive um condado imaginário, Yoknapatawpha. Ele também criava
múltiplos pontos de vista simultaneamente e utilizava mudanças bruscas de tempo
narrativo. Foi genial, genial! Hoje, meu país é muito diferente do país de
Faulkner, que nasceu trinta anos após o Sul ter sido derrotado pelo Norte. O
Sul, então, vivia sob a supremacia dos brancos de origem inglesa, protestantes,
puritanos e coloniais. Antes de se tornar um dos maiores escritores de todos os
tempos, foi um faz-tudo. Como era baixinho, media 1,65 metro, foi recusado pelo
serviço militar americano, e, assim, se alistou na Força Aérea canadense.
Depois, passou um ano na Universidade do Mississippi, em Oxford, onde estudou
inglês, francês e espanhol. De lá, foi trabalhar em uma livraria em Nova York,
mas logo voltou para Oxford, onde trabalhou como carpinteiro, pintor de parede
e agente dos Correios. Seu primeiro livro foi de poemas, The Marble Faun, publicado em 1924. No ano seguinte, foi para Nova
Orleans, onde conheceu e foi influenciado por Sherwood Anderson, escreveu
artigos para jornais e revistas e publicou seu primeiro romance, Paga de Soldado, em 1926. Deixou Nova
Orleans em 1929 e se estabeleceu em Oxford, onde se casou com Estela Oldham e
publicou Sartoris, o primeiro romance
passado em Yoknapatawpha. Aí, vieram alguns livros que granjeariam respeito da
crítica, mas só começou mesmo a vender bem com Santuário, de 1931; porém, quando estava precisando muito de
dinheiro conseguia grana em Hollywood, como roteirista. Acho que ele chegou ao
seu maior apuro com O Som e a Fúria,
de 1929, a história dos Compson, decadente família do Mississippi. Faulkner
disse que esse romance surgiu a partir da imagem de uma garotinha, Candance,
Caddy, com a calcinha suja de lama, trepada numa árvore, descrevendo para seus
irmãos pequenos e para os empregados domésticos negros o funeral da sua avó. A
trajetória de Caddy é contada por meio do ponto de vista de seus irmãos, como
Benjamin, Ben ou Benjy, que é idiota. “Uma história contada por um idiota,
cheia de som e fúria”, do monólogo de Macbeth, de William Shakespeare, em um
fluxo contínuo de passado e presente, com o ar gasto de tanto carregar sons.
Quanto à fúria, é a da derrocada. O próprio cansaço. Quando a personagem Dilsey
assume a narrativa ela diz que os brancos se cansam facilmente, enquanto ela
tinha que fazer todo o trabalho pesado e envelhecia. Mas ela sabia que todos
são iguais. Ela diz, abrir aspas: “Os brancos morrem também. A tua avó morreu
que nem qualquer negro”. Fechar aspas. Porém o que mais me impressiona na obra
de Faulkner é a transcrição para o papel do fluxo de pensamento. Ele faz isso
em longos parágrafos, longos períodos, com pontuação irregular. É o tal fluxo
de consciência de Proust e Joyce, o que exige, no mínimo, cumplicidade do
leitor, além de muita concentração e mais ainda interesse, se não o leitor não
irá adiante – disse Bob, ao longo de uma dose dupla de bourbon.
– No Brasil, temos um escritor desse nível, Dalcídio Jurandir, que, por
acaso, e não existe acaso, nasceu em Ponta de Pedras, na ilha de Marajó. Ele é
pouco conhecido, porque os paraenses, que é também o povo da ilha de Marajó,
não são bons para aplaudir e vender seus próprios escritores, pelo que já
observei. No seu livro mais emblemático, Chove
Nos Campos de Cachoeira, publicado em 1941, Dalcídio cria personagens de
carne, osso e alma. O personagem central do romance, o menino Alfredo, sonha em
sair do Marajó e morar em Belém, sonho que ele reparte com um caroço de tucumã,
que é um coquinho da Amazônia. Em contraste com Alfredo, seu irmão, Eutanázio,
de 40 anos, é destituído de sonhos; não tem sequer um objetivo, nem sentido na
própria vida. Vive em um mundo absurdo. Para completar sua miséria, a jovem
Irene o despreza. E assim como fazia Faulkner, as personagens de ficção de
Dalcídio povoam seus livros como fantasmas, ora em um, ora em outro, em épocas
diferentes, às vezes com o mesmo nome. Enquanto Faulkner recria o sul dos
Estados Unidos mergulhado em sangue coagulado, espirrado da negrura do
preconceito, Dalcídio apresenta uma Amazônia suja de lama, caboclos, ou
cabocos, com a alma amortecida por cachaça, da mesma forma que seu doce
linguajar silencia no amortecimento da língua pelo espilantol, o princípio
ativo do jambu, a emblemática erva do tacacá, que é uma comida de origem
indígena. Mas a lama pode surpreender, pois dela pode sair o Saurium.
Ficaram em silêncio durante alguns segundos. Bob tomou mais um gole de
bourbon. Parecia empolgado com o conhecimento literário de Alex.
– Preciso ler esse Dalcídio – disse.
– Foram publicados 15 romances dele; creio que conseguirei pelo menos
metade, em Belém, onde uma editora, Cejup, deve ter acervo dele em estoque,
pois editou a obra de Dalcídio, senão toda, mas quase toda.
– Maravilha!
– Como nunca entraram no mercado para valer, os livros de Dalcídio são
raros, e desconhecidos, é claro. Ele é o tipo de escritor que deveria ser
editado e distribuído em edições comentadas, mas, como eu disse, os paraenses
não são bons para vender arte. Creio que haja vários trabalhos acadêmicos sobre
Dalcídio, mas não chegam às livrarias. Aliás, pouco da produção acadêmica do
Brasil, quanto mais da Amazônia, chega ao mercado. Dalcídio está naquele grupo
de escritores clássicos, como William Shakespeare, Miguel de Cervantes
Saavedra, Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, e todo esse pessoal que escreve em
vernáculo; esse pessoal, como você disse, deve ser lido em edições comentadas,
a menos que o leitor os conheça muito, ou se identifique muito com eles.
A conversa acabou bruscamente, pois William Popp chamou Bob.
– Vou providenciar para que os livros cheguem às suas mãos – disse
Alex, meio gritando enquanto Bob se afastava, e se preparando para dar o fora
também. Ele não pretendia ficar mais na festa porque aquela segunda-feira
começara atípica, fazendo-o voltar a pensar em um assunto que surgiu na sua
vida devido a uma adolescente georgiana escravizada pela máfia russa.