domingo, 3 de julho de 2022

Memórias: 50 anos de XARDA MISTURADA, que deu início à minha fase on the road

Ray Cunha, pela lente do artista plástico André Cerino  1913

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 3 DE JULHO DE 2022 – XARDA MISTURADA (poemas, Macapá, 1971, 45 páginas), de Joy Edson (José Edson dos Santos), José Montoril e deste que ora escreve, acabou por marcar uma geração. Tínhamos, os três, 17 anos, frequentávamos as casas do poeta e cronista Isnard Brandão Lima Filho, na Rua Mário Cruz, próximo ao Macapá Hotel, da Alcinéa Cavalcante, do pintor Raimundo Peixe, e batia papo com Olivar Cunha, Manoel Bispo e Fernando Canto. 

Não foi fácil arrecadar dinheiro para bancar XARDA MISTURADA, que acabou sendo pago pela mãe do José Montoril. Hoje, folheando o livro, reconheço que jamais entrará na história da literatura do Amapá pelo mérito de seus poemas, embora os versos de Joy Edson já se revelem, então, pedras preciosas. Mas, para mim, significa meu batismo de fogo, o arranque inicial de uma atividade, a criação literária, que sempre foi essencial na minha vida. Não tenho a menor dúvida de que encarnei na geração dos artistas amapaenses dos anos 1960/1970 com a missão de escrever, criar, e é o que faço desde sempre. 

Disse Isnard Brandão Lima Filho, o autor de Rosas Para a Madrugada, na apresentação do livro: “Este prefácio estava em gestação no meu crânio há alguns meses. Numa tarde azul de verão eles chegaram com a bagagem de seus poemas e uma mensagem que me agradou. Eu sempre olho com respeito a Juventude, inclusive a de 70 anos. Olhei-os de repente e abri a mochila dos garotos. Eles estavam muito sérios e calados, esperando o julgamento de um irmão mais velho... 

“Minhas mãos tocaram pérolas e lentejoulas, testaram rubis e palparam diamantes, e meu olhar cigano acendeu de alegria: eu não estava com certeza diante de embromadores, como conheço muitos pela aí, nesses roteiros amargos que Deus, soberano poeta, às vezes oferta aos palhaços mais ricos do Mundo – os artistas! Fumei meu cigarro e olhei para o Alto e numa prece feliz agradeci ao Mestre. 

“Nem sempre se encontra o milagre da Poesia, ainda verde, procurando a Porta Secreta do Triunfo. Surgiu no olhar deles o brilho esperado; prometi a mim mesmo não deixá-los sozinhos. 

“Lembro-me perfeitamente do meu primeiro poema publicado (nem sei se era) e da crítica severa e positiva de meu pai jogando longe o sonho de três dias, muito bem treinado pela métrica que Waldemiro Gomes me ensinara. O tempo passou, deixou sangue e lágrimas nos meus caminhos. Eu fui andando à procura da Poesia, até descobrir que deveria encontrá-la dento de mim... 

“Um dia, doze anos depois, tomando um copo de vinho e prostituído pela vida, chamaram-me poeta... Eu começava a ser marcado de duas maneiras: pelo mundo e pelo pecado de ser artista. 

“Encontrei agora três meninos que prometem vender seu pão e doar seu sangue. XARDA MISTURADA é um livro de poemas e o batismo de fogo, a hora da verdade de Ray, Montoril e Edson iluminando os corredores da estrada dos iluminados. 

“Haverá muito tropeço e pedras pelo caminho; amor e glória, angústia e dor são fatos positivos no futuro. Mas eles hão de olhar de cima os grandes edifícios e sorrir calados para os cadilacs de luxo. Nada se compara, senão Deus, ao milagre argênteo da Grande Corrente Astral, e na Quinta Azul só podem entrar aqueles que trouxeram, ao nascer, a clara marca dos pequenos deuses”. 

No começo do ano seguinte peguei a estrada. Macapá era uma cidadela ribeirinha, mas seu rio, o Amazonas, conduzia ao mundo. Eu levava minha cota do meu batismo de fogo, agora como Ray Cunha, uma profecia do Isnard de que entrarei no mercado livreiro norte-americano. Meu nome é Raimundo, do gótico “sábio protetor”, em homenagem a meu avô paterno, Manoel Raimundo Cunha, e a meu pai, João Raimundo Cunha, além de uma promessa de vovó Rosa Maria Cunha a São Raimundo Nonato, padroeiro das parteiras e obstetras. 

Tomei um barco no trapiche de Macapá e parti rumo a Belém, onde, com ajuda do meu irmão Paulo Cunha e de amigos peguei carona pela Belém-Brasília, ainda em construção, e, literalmente sem lenço e sem documento, fui bater em Brasília, onde consegui, no antigo Ministério da Educação e Cultura (MEC), passagem para o Rio de Janeiro. 

Cheguei ao Rio em um dia de semana, naquele ainda tão vívido 1972. Como disse, eu tinha 17 anos e não portava sequer carteira de identidade, e contava apenas com o terceiro ano do antigo curso ginasial, hoje, ensino fundamental. Cheguei no meio da tarde e na rodoviária pedi informações, tomei um ônibus para o coração do Rio de Janeiro, o cruzamento das avenidas Presidente Vargas e Rio Branco, onde fica a Igreja de São Sebastião. 

Levava comigo o endereço de trabalho de uma amiga do pintor e poeta Manoel Bispo, de Macapá, e a confiança inabalável de um garoto ribeirinho de que a amiga do Manoel Bispo me receberia de braços abertos. Localizei-a quase à saída do trabalho; já na rua ela me olhou e me disse que eu não poderia ficar na casa dela, desejou-me boa sorte e sumiu na multidão.

Eu levava também comigo o endereço de um amigo que conheci no Colégio Amapaense, Sílvio, paulistano que fora para Macapá com o pai, um americano que trabalhava na Indústria e Comércio de Minérios de Ferro e Manganês (Icomi), empresa que, juntamente com a Bethlehem Steel, transportou do município de Serra do Navio, para os Estados Unidos, a jazida do melhor manganês do planeta, a preços vis, e deixou uma imensa cratera no Amapá. 

Na época, o Sílvio morava com os tios na Alameda São Boaventura 208, Fonseca, Niterói. Cheguei lá à noite. O Sílvio, sua tia e seus primos me receberam muito bem. Em novembro daquele ano apresentei-me na Primeira Região Militar do Exército. Eu meço 1,64 metro de altura e creio que pesasse, naquela época, 50 quilos (hoje, peso 64 quilos), e a mudança de clima e a poluição causaram uma coceira no meu corpo todo, de modo que fui dispensado do serviço militar, e vi meu propósito de morar no quartel esfarinhar-se. 

O tio do Sílvio era um oficial da Aeronáutica, negro, coisa rara na Ditadura dos Generais (1964-1985). O tio do Sílvio chegou mais cedo. Eu estava tocando violão na sala. Aprendera-o em Macapá com um amigo de adolescência, Ribamar Teixeira. O tio do Sílvio ordenou que fôssemos todos dormir. Eu dormia em um sofá na varanda. Continuei tocando violão. Então o tio do Sílvio veio do quarto dele e ordenou que eu pegasse minhas coisas e fosse embora. Juntei meus pertences – algumas roupas e exemplares de XARDA MISTURADA – e fui para a rodoviária central de Niterói. 

Foi uma longa noite. Só senti mais frio na estação aeroviária de Buenos Aires, em certa noite que lá passei, e da qual surgiu o poema Noite Horrível, publicado no livro Sob o Céu nas Nuvens (edição do autor, Belém, 1982). 

Só quem passa uma noite dessas é que sente o quanto o sol do alvorecer é vivificante. Nem bem o dia amanheceu, lavei o rosto, tomei café com leite e pão com manteiga e me mandei para a representação do governo do Território Federal do Amapá, no centro do Rio de Janeiro. 

O representante, Couto, era conhecido por ajudar amapaenses. Conversamos. Ele me perguntou se eu conhecia o Itabaraci, que é de uma geração ligeiramente antes da minha, de Macapá (onde hoje vive); contudo, seu pai, Aimore (em tupi, não leva acento agudo na última sílaba) Nunes Batista, era padrinho da minha irmã caçula, Rosa Maria. Disse ao Couto que sim, conhecia o Itabaraci, e ele me deu um conselho. 

– Vai procurar o Itabaraci; ele mora num apartamento em Copacabana, onde a senhoria, dona Maria Antônia, aluga vagas – disse-me ele, e me deu o endereço: Rua República do Peru 210, Apartamento 204, entre as ruas Tonelero e Barata Ribeiro. Vivi dois anos lá. 

Dona Maria Antônia, paraense, funcionária dos Correios, há muito radicada no Rio, foi uma das mulheres mais bacanas que encontrei. Ela simplesmente me acolheu, e só passei a pagar vaga depois que ela mesma conseguiu emprego para mim, como faz-tudo numa empresa de conserto e venda de peças de eletrodomésticos, primeiramente numa loja em Ipanema e depois em Copacabana. Quanto ao Itabaraci, e seu irmão, o violonista e pianista Aimorezinho, que nessa época tocava na banda do Raul Seixas, trataram-me como a um príncipe. Por isso sou eternamente grato a eles. 

Logo depois, o compositor amapaense Luiz Tadeu Tavares Magalhães, que estava morando no Rio e trabalhava na White Martins, conseguiu para mim uma vaga como contínuo na filial de Jacaré, na Zona Norte. O Tadeu é músico e radialista, e me entrevistara várias vezes, na condição de escritor, em Macapá. 

Em 1971, antes de publicar XARDA MISTURADA, participei de um jornalzinho colegial anarquista, A Rosa, de modo que eu tinha ideia de como fazer um house organ, e foi o que eu fiz, o jornalzinho da filial. Além disso, eu pagava mensalmente uma empresa que fornecia entradas a pelo menos quatro peças teatrais por mês. O gerente da filial, dr. Arlindo, também era cliente da mesma empresa, e andamos nos encontrando nos teatros. Conclusão: ele morava em Ipanema e passou a me dar carona para Copacabana quando saíamos juntos. O jornalzinho e o interesse comum por teatro entre o gerente da filial e eu, além da companhia do Luiz Tadeu, tornavam o ambiente pesado de multinacional em um convívio bastante agradável. 

Às sextas-feiras, principalmente após recebermos o salário, eu saía com o Luiz Tadeu. Às vezes, íamos para a casa do nosso colega de White Martins, Frank Loiola Matos, em Padre Miguel. O fato é que bebíamos muito. Também foi nessa época que conheci o Luiz Loyola, Lula, irmão do Frank, no Curso de Interpretação Teatral no antigo Teatro de Comedia do Estado da Guanabara (Teco), na turma do professor e ator Jorge Paulo. A prova final do curso foi a encenação de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, com músicas de Chico Buarque de Holanda, no extinto Teatro de Arena no Largo da Carioca. Fiz um dos coveiros. 

Nessa mesma época, começamos leituras e laboratório da peça Miolo de Pão, texto de Luiz Loyola e que expressava “a realidade conflitante, festiva e utópica de uma família do subúrbio carioca” – como diz o próprio Loyola. Nós nos reuníamos na casa do Jamil Viana, na Pavuna; na casa da belíssima Beth Bello, na Ilha do Governador; e na Vila Valqueire. 

No quarto do Loiola, BOE (Boite Onda Estudantil), na casa em Padre Miguel, “aconteciam reuniões com muita música, teatro, poesia, happenings, num clima underground e ambiente psicodélico, cheio de posters de vanguarda, caricaturas, painel com capas de LP, objetos antigos, como um armário centenário com um enorme espelho de cristal na frente da porta, que encantava os narcisistas, uma luminária em formato de chapéu mexicano vermelho, iluminada por uma tênue luz azul opaca, lembrando cabarés da Avenida Prado Júnior, no Leme; no chão, havia um espelho retrovisor redondo, de aproximadamente um metro de diâmetro, do serviço de trânsito do Rio, apelidado de “poço” pelo companheiro de trabalho Paulo Cesar Americano do Brasil, da Remington Rand, onde trabalhei com Luiz Tadeu no inicio da década de 70” – lembra Luiz Loyola. 

“Num desses eventos, em uma noite festiva, tive o prazer de receber o amigo Ray Cunha, sutilmente trajando calça jeans do Lixo (boutique cult de Copa), camisa mangas compridas com gola rolé cor roxa e sapatos bicolor vermelho e amarelo... a figura tinha cabelos ruivos black-power no melhor estilo saltimbanco do ator do filme musical Gospell... em sua companhia chegaram Luiz Tadeu e Iara Picanço, depois de uma viagem de trem da Central do Brasil, direto do subúrbio do Lins de Vasconcelos” – recorda Luiz Loyola. 

“Numa única visita à casa de Ray Cunha, na Rua República do Peru, em Copacabana, na década de 70, o poeta me recebeu em seu quarto (vaga), onde havia uma cama beliche e o seu estado de saúde era gripal e febril, e driblamos aquele quadro e resolvemos sair pra respirarmos uma brisa do mar caminhando pelo calçadão, depois paramos numa lanchonete e tomamos um delicioso café e suco de laranja com sanduíche, e serpenteando pelas ruas sombrias do bairro, o poeta declamou Essa Copacabana Triste Mulher, do livro Sob o Céu nas Nuvens: “Tua boca é pura flor embelezando-se ao sol de Copacabana/E tua figura é um desenho gostoso esculpido ao sol de Copacabana/E quando Copacabana inteira se prostituir/Os gemidos de amor serão a canção em moda em Copacabana/Então a praia Copa será uma enorme cama.” 

“Não posso deixar de relatar, uma noite quando eu e o poeta chegamos em minha casa em Padre Miguel fomos para a cozinha e nos deliciamos com café com bolo, pães, cuscuz de fubá preparados por minha mãe, dona Maria Amélia (in memorian); foi quando o poeta, degustando uma banana, começou a declamar versos de XARDA MISTURADA, dando um toque tropicalista romântico àquela noite de inverno tímido” – registra meu caríssimo amigo Luiz Loiola. 

Nessa mesma época, Manoel Bispo foi fazer um curso de pintura no Parque Lage, e foi vizinho do Luiz Tadeu, no Lins. Havia fins de semana que o Bispo e eu saíamos para bater perna. Parávamos para ver os pintores que expõem nas ruas da Zona Sul, entrávamos nas galerias, íamos a cinema e conversávamos sobre tudo. Eu ia muito a teatro, cinema de arte, circos como o Moscou e a grandes shows, como o Santana. Ia muito, também, aos programas de auditório da extinta TV Tupi. Varava o Rio noite adentro. Em 1974, já como balconista da filial da White Martins de Jacaré, pedi demissão e voltei para Macapá. 

Em 1982, em Belém, com o matrimônio fracassado, parti novamente para o Rio de Janeiro. Mas era como se eu estivesse sonhando. Lembro-me que fui com o Luiz Tadeu para Pedra de Guaratiba, onde o Luiz Loyola festejou seu aniversário com muita batida do Primo, vinho, cerveja, happenings e a bela voz do Luiz Tadeu. Dessa vez, minha estada no Rio durou pouco tempo. Retornei para Belém e concluí o curso de jornalismo. 

Nos anos 1990, eu estava novamente no Rio quando o pintor Olivar Cunha expôs na Fiesp, em Botafogo, defronte ao Shopping Rio Sul. Ao coquetel de abertura estavam presentes Luiz Tadeu e sua filha e minha querida amiga Luciana Magalhães, e Luiz Loyola. 

Em 1992, fui ao Rio para lançar A Grande Farra (edição do autor, Brasília, 1992, contos). Foi uma estada etílica. 

Em 2000, fui participar da Bienal do Livro, com Trópico Úmido – Três Contos Amazônicos. Num domingo de manhã eu acabara de sair da praia de Ipanema, com Luciana Magalhães, quando houve o primeiro arrastão televisionado – cenas aterrorizantes. Também dessa vez foi como se eu estivesse mergulhado em um sonho etílico. 

Em 2010, passei uma semana com minha gata, Josiane, no Rio. Ela é psicóloga e foi participar do décimo primeiro Congresso Brasileiro de Psicooncologia e do quarto Encontro Internacional de Cuidados Paliativos em Oncologia, de 22 a 25 de setembro, no Centro de Convenções do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), em Botafogo. 

Hospedamo-nos no Hotel Inglês, ao lado do Museu da República, onde Getúlio Vargas se matou, no Flamengo. Jantávamos em um restaurante defronte ao Museu, quase sempre camarão. Todas as comidas daquele restaurante são deliciosas. Aquela parte do Flamengo, até Botafogo, passando pelo Largo do Machado, é a Europa no trópico – fantástico. Durante o dia, enquanto a Josiane estava no CBC, eu incursionava pela Zona Sul, em um resgate memorialístico redentor da cidade que eu tanto amo. Durante aquela semana eu esquadrinhei a Zona Sul, agora com o olhar maduro do homem de 56 anos de idade e que não mergulhava mais em bebedeiras mortais. 

Perambulei por muitas ruas da Zona Sul, observei a arquitetura, a Lagoa Rodrigo de Freitas à noite, bati perna em Copacabana, Ipanema, Leblon, Barra da Tijuca, Flamengo, Botafogo, centro do Rio, e retornei ao Pão de Açúcar, com minha amada. Lá de cima sabemos de pronto por que o Rio é a Cidade Maravilhosa. Há cidades que aonde quer que eu vá estarei sempre nelas, porque elas, como o Rio de Janeiro, vivem para sempre no relicário do meu coração. 

Em 1975, fui a Manaus para conhecer meus parentes paternos. No mesmo dia da minha chegada fui dar uma volta e entrei no primeiro jornal que encontrei, Jornal do Commercio, então na Avenida Eduardo Ribeiro, onde, e nada é por acaso, havia uma vaga para repórter policial. Comecei no dia seguinte. Rotineiramente, cobria o Tribunal de Justiça e as delegacias de polícia, principalmente a central, um casarão no centro da cidade, do qual guardei na memória o fedor de urina e de tortura. Ali, perpetrava-se todo tipo de barbaridade. Depois trabalhei em A Notícia e, finalmente, em A Crítica.

Em 1978, fui para Rio Branco, trabalhar no jornal Gazeta do Acre, comandado pelo Elson Martins, um dos textos mais brilhantes da Amazônia, editor também do Varadouro, o mais famoso jornal de resistência à ditadura produzido na Hileia. Tive, assim, rapidíssima passagem pelo Varadouro, em março de 1979, escrevendo, em jornalismo literário, a matéria Roteiro da prostituição, publicada, com chamada de capa, na edição 14 do Varadouro.

Em 1987, graduei-me em Jornalismo pela Universidade Federal do Pará e resolvi retornar ao Rio, mas, em Brasília, Walmir Botelho, então diretor de redação do Correio do Brasil, me convidou para trabalhar com ele como redator da capa do jornal. Aceitei, casei-me com a gata Josiane Souza Moreira Cunha, nasceu minha princesinha Iasmim Moreira Cunha e até hoje moro em Brasília.

Aqui e ali vou a Macapá, onde tenho encontro marcado com Fernando Canto. A última vez que estive lá, de 11 a 16 de janeiro passado, foi uma grande farra. Estivemos juntos quase o tempo todo, vagabundando por toda a orla, até o Curiaú, e parando em restaurantes e bares da cidade. Encontrei com o Manoel Bispo e bati um longo papo ao telefone com a Alcinéa Maria Cavalcante, musa da minha geração e a grande dama da poesia macapaense.

A realidade é infinita como a própria vida. Cada qual tem a sua própria realidade, assim como cada circunstância e cada local e horário tem realidade específica, de modo que a realidade é um labirinto infinito em sucessão e variação. A sensação de que só há uma realidade é que só nos encontramos em um determinado ponto desse labirinto e em determinado momento, de modo que aquele ponto e aquele momento criam a ilusão de que só há aquela realidade.

De certa forma, isso se parece com a observação do filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), de que só é possível chegar ao entendimento ao superar as próprias circunstâncias, que estão, por sua vez, em permanente processo de mudança: “O homem é o homem e a sua circunstância”. Acho que, em suma, esta foi a conversa que tive com Fernando Canto, durante os quatro dias em que estive em Macapá, ora a bordo do carrão tipo James Bond do Fernando, ora em bares, ora ao telefone.

Fui à Macapá para ver minha irmã Linda, que está bem. Fernando Canto e eu batemos muito papo durante esses poucos dias. Senti-me personagem de ficção, o Mundico dos Tempos Insanos, conto que eu acho o melhor do Fernando, publicado inicialmente no livro O Bálsamo e Outros Contos Insanos, pela Editora da Universidade Federal do Pará, em 1995. Na companhia do Fernando sinto a velha sensação de aventura, de novas possibilidades, de coisa nova, uma estrada que se estende a perder de vista, um eterno batismo de fogo, XARDA MISTURADA para sempre.

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