sábado, 17 de junho de 2023

A mulher amapaense na ficção de Ray Cunha

Ray Cunha e a acrílica em tela TUIUIÚ CRUCIFICADO, de Olivar Cunha

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 17 DE JUNHO DE 2023 – Uma das personagens femininas mais fascinantes que eu já criei é Danielle Silvestre Castro, heroína de JAMBU (Clube de Autores, 190 páginas, 50 reais), romance ensaístico que estarei autografando em Macapá, nesta terça-feira 20, a partir das 18 horas, no Auditório do Senac, na Avenida Henrique Galúcio 1999, Centro, como parte das comemorações dos 70 anos da Academia Amapaense de Letras (AAL), fundada em 21 de junho de 1953. 

Macapaense, cafuza de pele cor de jambo maduro, ruiva e de olhos verdes, Danielle é chefe de cozinha, oceanógrafa e perita em artes marciais. Ela e seu marido, o jornalista, arqueólogo e oceanógrafo João do Bailique, taxidermista do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa), localizado no campus do quilômetro 10 da Rodovia Juscelino Kubitscheck, estão à caça do traficante de crianças e grude de gurijuba Jules Adolphe Lunier, enquanto ele produz uma edição especial sobre a Questão Amazônica da revista Trópico Úmido e ela realizava o Festival de Gastronomia do Pará e Amapá. 

Esta é a sinopse do romance que estarei autografando. Danielle e João do Bailique cruzam com várias personalidades reais, vivas e mortas, como a cofundadora da Academia Amapaense de Letras, a pianista Walkíria Lima, mãe do poeta, também acadêmico, Isnard Brandão Lima Filho; o genial pintor Olivar Cunha; a famosa cantora lírica paraense Carmen Monarcha; o escritor, espião brasileiro em Moscou durante a Guerra Fria, Jorge Bessa, entre muitos outros. 

Reservei um pequeno trecho de JAMBU com Danielle em ação: 

“Um dos peixes mais apreciados da costa do Amapá é a gurijuba; menos pela sua carne e mais pelo grude. A vila do Sucuriju, distrito do município de Amapá, localiza-se no Cabo Norte, à margem direita do rio homônimo, próximo à foz dele, no litoral, distante 220 quilômetros de Macapá. O Sucuriju está à mercê das grandes marés do Atlântico e é completamente percorrido pela pororoca, quando, nas marés cheias, o mar avança nos rios, em ondas de até cinco metros de altura, levando tudo o que encontra pela frente e arrancando árvores do barranco das margens, logo substituídas por filhotes em disputa pelo sol. 

“A vila é toda de palafitas e as ruas são passarelas de madeira. O rio é salobro, por isso os moradores estocam água da chuva para beber. Durante o inverno, as caixas d'água coletivas são abastecidas e na estiagem cada um recebe 30 litros de água por semana. Os habitantes da vila, algumas centenas de famílias, vivem da pesca, principalmente de gurijuba, que desova nas águas mornas dos manguezais, entre a foz do Rio Araguari e a do Rio Cunani, e é pescada do arquipélago do Bailique até o limite com a Guiana Francesa. 

“O povoado surgiu no início do século XX. A partir de uma promessa feita à Nossa Senhora de Nazaré, uma cobra grande abriu a embocadura do Rio Sucuriju, fato celebrado na festa da padroeira, com missas, jogos e bailes. Até a década de 1920, apenas pescadores, sobretudo do arquipélago do Bailique e do lago do Piratuba, andavam por ali, acampavam, dando início ao povoamento, acossado pelo mar e pela Reserva Biológica do Lago Piratuba, região de manguezais e campos alagados, onde vive o pirarucu, capturado com arpão ligado à canoa por uma linha. 

“Como a água dos lagos é escura, os pescadores aguardam as borbulhas que antecedem o pirarucu ao emergir para respirar. Já na pesca da gurijuba, ou bagre do mar, é utilizado o espinhel – centenas de anzóis conectados a uma linha de cerca de dois quilômetros, firmada em âncoras e boias. A bexiga natatória da gurijuba é conhecida como grude, matéria prima no fabrico de cola de precisão, medicamentos, cosméticos e bebidas. Os chineses pagam os melhores preços pelo grude, que apreciam na culinária. Esse peixe é tão procurado que corre o risco de ser extinto. 

“A bexiga natatória é extraída, secada, durante três a quatro dias, ao sol ou na estufa, e vendida, principalmente para China, Japão, Europa e Estados Unidos. Muito parecida com o bagre de água doce, de cabeça grande, barbatanas e um corpo relativamente curto e amarelado, a gurijuba chega a 20 quilos, mas sua carne não é muito apreciada entre os cabocos, embora a cabeça do animal renda um caldo saboroso e nutritivo. O quilo da carne do peixe custa em torno de meio dólar. Mas o grude contém substâncias que, beneficiadas, produzem uma cola de alto teor de adesão, usada na indústria espacial e em cirurgias de alta precisão, pois o corpo humano não a rejeita. 

“Pescadores de Sucuriju, Bailique, Calçoene e Oiapoque vendem o grude para atravessadores em torno de 5 dólares o quilo, revendido por cerca de 20 dólares no Pará e Maranhão, e alcançando 75 dólares no exterior. A exportação de grude chega a mais de 200 toneladas por ano pelos portos do Pará e do Amapá. Os pescadores de Sucuriju vinham entregando o quilo do grude por até 2 dólares, mas quando Danielle criou a cooperativa todo mundo passou a receber 37,5 dólares pelo quilo do grude, causando grande prejuízo aos atravessadores. E isso só foi possível graças aos contatos internacionais de Danielle, especialmente em Hong Kong. 

“O caldeirão vaporizava-se ao sol da tarde, provocando alucinações, quando Danielle avistou o assassino, ao sair de casa para retornar ao Catalina, fundeado no rio Sucuriju; ele avançava na estiva, a uns cem metros de distância da palafita, o rosto coberto por um saco de tarlatana creme, óculos escuros e chapéu de feltro marrom, segurando na mão esquerda, que deu para ver que era branca e peluda, uma pistola com silenciador. Instintivamente, Danielle retornou à casa e correu para a cozinha, pegou uma peixeira, esgueirou-se para o quintal e internou-se na vegetação. 

“Desde que começara a correr ouvira três cusparadas; o chumbo da última passara tão rente ao seu ouvido esquerdo que sentiu uma pontada nos rins. Sabia que era seguida perigosamente de perto e procurava distanciar-se do perseguidor, a fim de surpreendê-lo. Normalmente alagado, o chão apresentava-se quase seco naquela baixa-mar de 30 de junho, facilitando o avanço da mulher, que trajava calças jeans e botas. Atingiu uma pequena clareira e viu um ponto mais elevado, onde emergia majestoso taperebazeiro. Alcançou-o e se posicionou ali. 

“Se o homem parasse no meio da clareira não erraria a peixeira na garganta dele. Era exímia atiradora de faca. Aguardou. Pelo jeito o fantasma estava planejando o mesmo que ela. Então começou a se mover num grande círculo, até alcançar a cooperativa, uma hora depois. A aparição sumira em uma lancha há uma hora, precisamente. Não, ninguém se aproximou do Catalina, afirmou o caboco que ficara de vigia. Quem teria interesse em matá-la? Ou assustá-la?

“Tu não perdes por esperar” – pensou Danielle.

O romance JAMBU será autografado nesta terça-feira em Macapá

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