sábado, 22 de junho de 2024

O que esperar da Academia Amapaense de Letras (AAL)? Rosas para a madrugada

Ray Cunha e Fernando Canto. Ao fundo, o Marco Zero

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 22 DE JUNHO DE 2024 – Fundada em 21 de junho de 1953, a Academia Amapaense de Letras (AAL) é a maior porta-voz da cultura do estado do Amapá, que teve suas terras avistadas pela primeira vez por um europeu antes da chegada de Pedro Álvares Cabral a Porto Seguro, Bahia, em 22 de abril de 1500. Em 26 de janeiro daquele ano, o navegador e explorador espanhol Vicente Yáñez Pinzón chegou ao Cabo de Santo Agostinho, no litoral de Pernambuco. De lá, prosseguiu para o norte, cruzou a foz do Rio Amazonas até o Rio Oiapoque, percorrendo, assim, todo o litoral do Amapá, que, juntamente com o estado do Pará, do qual foi desmembrado, em 13 de setembro de 1943, integra a Amazônia Ocidental, ou Atlântica. 

Os espanhóis já conheciam o Novo Mundo antes de Cabral, tanto que Cristóvão Colombo chegou à América em 12 de outubro de 1492. O Tratado de Tordesilhas, firmado entre Portugal e Espanha, em 1494, pôs a costa atlântica ao norte da foz do Rio Amazonas sob jurisdição espanhola. O Amapá começou a ser explorado em 1580. Dessa data até 1640, Portugal era governado pela Espanha. 

Além dos espanhóis e portugueses, o Amapá, chamado então de Cabo do Norte, era explorado também por franceses, ingleses e neerlandeses, que extraíam da região madeira, frutos, urucu, óleos vegetais e pescados. Também plantavam cana-de-açúcar e tabaco e criava-se gado. Em 15 de maio de 1895, os franceses invadiram o Amapá, mas, depois de correr sangue, acabaram retrocedendo e a questão foi resolvida diplomaticamente. 

No meu romance JAMBU, um trecho menciona como se forjou a etnia amapaense, a partir do maior ícone do estado, a Fortaleza de São José de Macapá, a capital, situada na esquina do maior rio do planeta, o Amazonas, com a Linha Imaginária do Equador, que secciona a cidade e a separa entre os dois hemisférios: 

Assim, a Fortaleza, maior ícone dos macapaenses, é a tradução perfeita de Macapá. Construída por escravos, negros e índios, sob o obsessivo domínio português, foi o cadinho no qual se forjou a etnia macapaense. Os portugueses cruzaram com os africanos e geraram mulatos, e fornicaram com os índios, formando uma população de mamelucos; os africanos fundaram o distrito de Curiaú e o bairro do Laguinho, misturaram-se com os índios e legaram cafuzos; e mulatos, cafuzos e mamelucos misturaram-se, fechando o círculo, numa diversidade étnica viva nas ruas de Macapá, nas nuanças de peles que vão do alabastro ao ébano, passando pelo bronze e jambo maduro, unidos pelo sotaque caboco: a fusão do português falado em Lisboa, doces palavras tupis, línguas africanas, patoá das Guianas, tudo triturado em corruptela”. 

E foi nesta cidade, que recebe os alísios e ecos do Caribe, que pioneiros fundaram a Academia Amapaense de Letras, em 1953, na data do aniversário de Machado de Assis, 21 de junho. O evento aconteceu na sala de estudos da Biblioteca Clemente Mariani, do Grêmio Literário e Cívico Rui Barbosa, que congregava alunos do Ginásio Amapaense, quando o ginásio funcionava no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. A posse da diretoria ocorreu no Cine Teatro Territorial, anexo ao Grupo Escolar Barão do Rio Branco, em 5 de julho. E só. Não se ouviu mais falar na AAL, até 1988, quando foi realmente ativada. 

Hoje, presidida pelo escritor e compositor Fernando Canto, profundo conhecedor da identidade amapaense, a academia tem nas suas costas a responsabilidade de zelar pela cultura do estado, promovendo a publicação de livros fundamentais para o conhecimento da cultura amapaense, conferências nas universidades e debates, para que o Amapá seja melhor compreendido. Mas, para isso, é necessária independência financeira. Como assim, se a academia não tem sequer sede própria? 

Políticos amapaenses já prometeram terrenos em área central de Macapá e até prédios já prontinhos para os acadêmicos fazerem suas reuniões, palestras, conferências, debates e alugar dependências do prédio próprio, para não dependerem do poder público, mas são só promessas. Até agora, não doaram à academia nem uma choupana no Curiaú. Nas eleições deste ano, para prefeito e vereadores, as promessas vão engrossar, e o caldo vai ficar mais grosso, ainda, em 2026. 

Recapitulemos o caso da Academia Brasileira de Letras (ABL), fundada na cidade do Rio de Janeiro, em 20 de julho de 1897, por Machado de Assis, seu primeiro presidente, Lúcio de Mendonça, Inglês de Sousa, Olavo Bilac, Afonso Celso, Graça Aranha, Medeiros e Albuquerque, Joaquim Nabuco, Teixeira de Melo, Visconde de Taunay e Ruy Barbosa, composta, atualmente, por quarenta membros efetivos e perpétuos, razão pela qual são chamados de imortais, e vinte sócios estrangeiros, com o objetivo de zelar pela língua portuguesa e a literatura brasileira. 

No começo, os acadêmicos se reuniam onde dava, até que, em 1923, a França doou a ela um prédio na Avenida Presidente Wilson, na Esplanada do Castelo, centro Rio de Janeiro, o Petit Trianon, o Pavilhão Francês na Exposição do Centenário da Independência do Brasil. Pronto, agora a academia já tinha a sua sede. Mas continuava de pires na mão. Aí, surgiu um homem que mudou essa situação: Austregésilo de Athayde, que se tornou presidente do silogeu, em 1958, cargo que exerceu durante 34 anos, até sua morte, em 1993. 

Austregésilo de Athayde pediu ao então presidente Juscelino Kubitschek a doação do Pavilhão Inglês, anexo ao Petit Trianon, com a intenção de demoli-lo e construir em seu lugar uma moderna torre. No último ano do seu mandato, 1960, Kubitscheck atende ao pedido e assina o decreto de doação. Contudo, no ano seguinte, o novo presidente da República, Jânio Quadros, revoga a doação feita pelo presidente Bossa Nova. 

A partir daí, Austregésilo de Athayde percorre um longo caminho pelos corredores da Ditadura dos Generais (1964-1985), conversando e trocando correspondência com militares graduados, como o coronel Jarbas Passarinho e o general Lira Tavares. Em abril de 1967, o presidente Castelo Branco assina o decreto de doação do Pavilhão Inglês, mas uma cláusula impedia qualquer modificação no edifício. 

Em agosto de 1969, o presidente Costa e Silva adoece e assume o comando do país uma junta militar, liderada por Lira Tavares. Morre o acadêmico Múcio Leão. Em 30 de dezembro daquele ano, Lira Tavares se candidata à vaga de Múcio Leão, e vence o poeta alagoano Lêdo Ivo. Em 2 de junho de 1970, Lira Tavares toma posse ABL. Em setembro de 1970, o presidente Garrastazu Médici derruba o impedimento de demolição do Pavilhão Inglês, em resolução aprovada pelo Congresso Nacional, em 3 de dezembro daquele ano. 

Em 1974, Austregésilo de Athayde se encontra com o presidente Ernest Geisel, que lhe dá sinal verde para pedir um empréstimo na Caixa Econômica Federal. O empréstimo sai em 15 de maio do ano seguinte. Em 16 de junho, falecia o acadêmico Ivan Lins. O ex-presidente Juscelino Kubitscheck se candidata à vaga, mas os militares não queriam Juscelino na academia. Outro candidato era o escritor baiano Bernardo Élis, que, assim como Juscelino, fora punido pela Revolução de 1964. Mas o que os militares não queriam na academia era Juscelino, que perdeu para Bernardo Élis. 

Em 1975, começam as obras do Edifício Centro Cultural do Brasil, o Palácio Austregésilo de Athayde, projetado pelo arquiteto carioca Maurício Roberto Doria Baptista (1921-1996), formado pela Escola Nacional de Belas Artes (1939-1944). Construído pela Ecisa Engenharia e inaugurado em 1979, o Palácio Austregésilo de Athayde é uma torre de 115 metros, 30 andares, 12 elevadores sociais, ar-condicionado central, 112 vagas de estacionamento, garagem com manobrista, salas de auditório com capacidade de 288 pessoas e brigada de incêndio 24 horas. A ABL ocupa somente algumas das dependências do edifício, que é sede de empresas nacionais e multinacionais. 

Pronto, a ABL nunca mais precisou andar com pires na mãe nos gabinetes de presidente da República, governadores e prefeitos do Rio de Janeiro, e inclusive paga mensalmente aos acadêmicos uma grana que dá para bancar aluguel de um pequeno apartamento, comer e andar durante o mês no Rio. 

É nisso que Fernando Canto tem que focar. Ainda gastará muito solado de sapato e tomará incontáveis chás de cadeira, mas acabará surgindo um empresário, um bilionário (há, no Amapá?), ou um Juscelino Kubitschek amapaense, que compreenda que a Academia Amapaense de Letras é a guardiã da cultura, da identidade amapaense. 

Quanto a mim, tornei-me o primeiro sócio correspondente da AAL, pois moro em Brasília. Os acadêmicos, por unanimidade, reconheceram meu trabalho como escritor e me diplomaram, em cadeira patroneada pelo poeta e cronista Isnard Brandão Lima Filho, pai da minha geração de escritores. Comecei a frequentar a casa dele, na Rua Mário Cruz, em 1968. Ele tinha 27 anos e acabara de publicar ROSAS PARA A MADRUGADA; eu tinha 14 anos. 

No prefácio que ele escreveu para XARDA MISTURADA, de Joy Edson (José Edson dos Santos), José Montoril e eu, diz: “Minhas mãos tocaram pérolas e lentejoulas, testaram rubis e palparam diamantes, e meu olhar cigano acendeu de alegria...” 

Tu é que jorraste tudo isso no meu coração, poeta, pelo que sou grato para sempre. Recebi de ti esse veio maravilhoso e ainda tive o reforço do nosso amigo Edevaldo Leal (jornalista e cronista), que me ensinou a lapidar os diamantes e rubis da Quinta Azul, onde “só podem entrar aqueles que trouxeram, ao nascer, a clara marca dos pequenos deuses”. 

Recebes, Isnard, minhas Rosas Para a Madrugada: 

Por que escreves? – pergunta-me o jornalista

– Para viver – respondo

Pois só com as palavras desnudo a luz

E voo até o fim do mundo

Por isso, escrevo granadas intensas como buracos negros

E garimpo o verbo como o primeiro beijo

Escrevo porque escrever traz aos meus sentidos

Cheiro de maresia

Dom Pérignon, safra de 1954

O labirinto do púbis no abismo do acme

Mulher nua como rosa vermelha desabrochando


Do livro DE TÃO AZUL SANGRA

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