![]() |
| Capa da edição do Clube de Autores, ilustrada pela acrílica sobre tela Tuiuiú Crucificado, do artista plástico do Amapá, Olivar Cunha |
DA PRAÇA DO BODE, R seguiu para o Miró, onde almoçou, e de lá foi ao Café Picasso, seguindo após para a redação do Observador da Banânia, que ficava também no Bananas 21, complexo de três hotéis, um centro de convenções, teatro, restaurantes, cafés e três torres de escritórios. Ali, situava-se o coração da Banânia, a capital da República das Bananas, e era também o maior ponto de encontro da Ibero-América, e o mais conhecido do planeta das mais bonitas putas do mundo. Missões diplomáticas disputavam eventos no Banânia 21, pois podiam se banquetear de ninfetas ruivas, negras e índias, ainda impúberes.
Aquela quarta-feira ficaria na
história da República das Bananas. Quando R entrou na sua sala encontrou a equipe
editorial da capa do jornal em grande efervescência. As Forças Armadas,
comandadas pelo general Cágado, depuseram naquela manhã, cedo, e engaiolaram, o
ditador Luiz Castro Chávez da Silva, o Bode; a esposa do tirano, uma loira
desbotada e com o rosto todo esticado e imobilizado por botox, ministra da Casa
Civil, Vilma Winchester; e o presidente do Congresso Nacional, Zé Ribamar, mais
conhecido, entre seus detratores, como Jeca. Só que as coisas tiveram um
desenrolar inesperado.
Luiz Silva, o Bode, chegara ao
poder há precisamente uma dúzia de anos, e pelo caminho natural: as urnas. Via
legítima. Não demorou para que convocasse milhões de sindicalistas, seus
apoiadores, para um badernaço histórico nas ruas, e logo depois, com apoio de
um Congresso Nacional atolado até a alma em corrupção, instalou estado de
sítio, que nunca mais acabou, e passou a governar por decreto, ou por bilhete.
Ao fim daqueles doze anos, o Bode já tinha transferido para inúmeros paraísos
fiscais pelo menos metade do PIB da República das Bananas, quando um
acontecimento brutal levou o povo para as ruas, e com apoio da maioria dos
oficiais mais graduados das Forças Armadas, sob o comando do Cágado, um
brilhante general quatro estrelas, derrubou o Bode.
Naquele dia, ao sol escaldante do
início da tarde, o trio foi levada para a Praça do Bode, onde tomou no lombo nu
dez chibatadas; de lá, os larápios foram atendidos no ambulatório da prisão
conhecida por Papo, nos arredores da Banânia, para cumprir prisão perpétua.
O primeiro a ser encaminhado para
o patíbulo foi Jeca. Tinha esse apelido porque, além de cultivar um sotaque
caipira de doer nos ouvidos, usava uns paletós tão mal cortados que lembravam
paraquedas. Tinha 80 anos; começara a roubar para valer há seis décadas, quando
apoiou um dos inúmeros golpes perpetrados naquele antro de corrupção. Antes
disso, batia carteira. Com 40 anos, já era o maior patrimonialista do país,
atrás apenas, e recentemente, do Bode.
Jeca foi praticamente arrastado
até o palanque, onde o amarraram e começaram a lhe cortar a roupa. Estava bem
barbeado e com os bigodes bem feitos, reluzentes de tão negros. Alguém apareceu
com uma tesoura e começaram a cortar sua camisa. Sem a camisa, viu-se que Jeca
estava gordo demais; a banha brilhava ao sol, suarenta e pegajosa. Depois
começaram a cortar suas calças e, enfim, a cueca samba-canção, e tiraram-lhe as
meias e os sapatos. O homem estava nu. “Homem, não! Verme!” – pensou R, no meio
da multidão. Os colhões de Jeca, o todo poderoso presidente do Congresso
Nacional, ladrão de merenda escolar, de material hospitalar, da aposentadoria
de velhinhos, parecia daqueles touros velhos. Zé Ribamar não opôs mais
resistência. Estava completamente humilhado. A primeira lambada, com um chicote
de bater em doido, pegou-o no pescoço. Ele praticamente relinchou. E aí o diabo
comeu o lombo dele durante a eternidade de um minuto. Levaram-no dali para uma
das duas ambulâncias e arrastaram o Bode para o cepo. Vilma Winchester, a ladra
mais corrupta que já aparecera por aquelas bandas, chorava. Seu apelido era
Winchester porque assaltava banco sempre armada de uma Winchester. Ela
desmaiou.
Luiz Castro Chávez da Silva, o
Bode, castrista-bolivariano, era 10 anos mais novo do que Jeca. Era apelidado
de Bode porque usou uma barba igual a do seu ídolo, Fidel Castro, durante muito
tempo, e fedia a 51, uma cachaça importada do vizinho Brasil. Os carrascos
estavam impacientes naquela manhã de 7 de setembro, quente como o inferno, e cortaram
rapidamente a roupa do ex-ditador. “Olha, ele não tem o dedão do pé direito” –
uma criança gritou. De fato, o Bode perdera aquele dedão com um tiro que dera
no próprio pé. Gordo, a banha despencava dele todo, e quando a pauleira
terminou foi carregado, como um porco grande e já pelado, da mesma forma que
Jeca, para a ambulância.
R sentiu-se mal. Fora perseguido
e torturado e não esperava durar muito tempo mais. Conseguira enviar seus dois
filhos e sua esposa para os Estados Unidos, não sem antes que a estuprassem.
Quanto a ele, não conseguira fugir. Sua vida vinha sendo um pesadelo 24 horas
por dia. Uma semana antes, guarda-costas do Bode estupraram e mataram a esposa
de um jornalista desafeto do regime, grávida de gêmeos, e a coisa explodiu na
internet. O Ministério das Comunicações do Bode não conseguiu frear a onda e as
multidões começaram a crescer em todo o país, assim, rapidamente. Então o Bode
ordenou que as Forças Armadas reprimisse o povaréu e foi aí que ele perdeu o
dedão do pé.
Assim que aquele espetáculo
deprimente acabou a multidão foi se dispersando aos poucos e os pombos
começaram a voltar, catando restos de pipoca, milho cozido e assado, e migalhas
de todo tipo de salgadinhos comercializados na feira improvisada.
RF permaneceu no Observador da Banânia durante cerca de seis horas. Quando deixou o Banânia 21 dirigiu-se para o estacionamento público, defronte ao complexo arquitetônico. Observou a presença de militares, aqui e ali, e a maior concentração de putas que pudesse imaginar, lindas, sensuais, como mariposas em torno de uma grande luminária em um dia de canícula. Entrou no seu pequeno Fiat e foi para casa.
Este conto foi publicado no livro TRÓPICO. Segue-se sua tradução para o inglês.
END OF DICTATORSHIP
FROM GOAT SQUARE, R headed to Miró, where he had lunch, and from there went on to Café Picasso, then on to the newsroom of The Observer of Bananía, which was also located in Bananas 21, a complex of three hotels, a convention center, a theater, restaurants, cafés, and three office towers. There lay the heart of Bananía, the capital of the Banana Republic; it was also the greatest meeting point in Ibero-America and the most famous spot on the planet for the most beautiful whores in the world. Diplomatic missions competed to host events at Bananas 21, for there they could feast on redheaded, Black, and Indigenous nymphets, still prepubescent.
That Wednesday would go down in the history of the Banana Republic. When R entered his office he found the editorial team responsible for the front page in a state of great excitement. The Armed Forces, commanded by General Tortoise, had deposed early that morning and caged the dictator Luiz Castro Chávez da Silva, the Goat; the tyrant’s wife, a washed-out blonde with a face entirely stretched and immobilized by Botox, the Chief of Staff, Vilma Winchester; and the president of the National Congress, Zé Ribamar, better known among his detractors as Hick. But things took an unexpected turn.
Luiz Silva, the Goat, had come to power precisely a dozen years earlier, by the natural route: the ballot box. A legitimate path. It didn’t take long for him to summon millions of unionists, his supporters, for a historic riot in the streets, and soon after, with the backing of a National Congress sunk to its soul in corruption, he imposed a state of siege that never ended and began to govern by decree—or by note. By the end of those twelve years, the Goat had already transferred to countless tax havens at least half of the GDP of the Banana Republic, when a brutal event drove the people into the streets and, with the support of most of the highest-ranking officers of the Armed Forces, under the command of Tortoise, a brilliant four-star general, the Goat was overthrown.
That day, under the scorching early-afternoon sun, the trio was taken to Goat Square, where they received ten lashes on their bare backs; from there, the thieves were treated at the infirmary of the prison known as Chatter, on the outskirts of Bananía, to serve life sentences.
The first to be led to the scaffold was Hick. He had that nickname because, besides cultivating a hillbilly accent painful to the ears, he wore jackets so badly cut they looked like parachutes. He was eighty years old; he had begun stealing in earnest six decades earlier, when he supported one of the countless coups carried out in that den of corruption. Before that, he picked pockets. By forty, he was already the country’s greatest patrimonialist, second only—recently—to the Goat.
Hick was practically dragged to the platform, where they tied him up and began cutting off his clothes. He was clean-shaven, his mustache carefully groomed, gleaming black. Someone appeared with scissors and started cutting his shirt. Without the shirt, it became clear that Hick was far too fat; the lard shone in the sun, sweaty and sticky. Then they began cutting his trousers and, finally, his boxer shorts, and removed his socks and shoes. The man was naked. “Man, no! Vermin!” R thought, in the midst of the crowd. Hick’s balls—the all-powerful president of the National Congress, thief of school lunches, hospital supplies, and old people’s pensions—looked like those of an old bull. Zé Ribamar offered no further resistance. He was utterly humiliated. The first lash, with a whip meant for beating madmen, struck his neck. He practically neighed. And then the devil ate his back for the eternity of a minute. They took him from there to one of the two ambulances and dragged the Goat to the block. Vilma Winchester, the most corrupt thief ever to appear in those parts, was crying. Her nickname was Winchester because she robbed banks always armed with a Winchester rifle. She fainted.
Luiz Castro Chávez da Silva, the Goat—Castroite-Bolivarian—was ten years younger than Hick. He was nicknamed the Goat because he wore a beard like that of his idol, Fidel Castro, for a long time, and reeked of 51, a cachaça imported from neighboring Brazil. The executioners were impatient that morning of September 7, hot as hell, and quickly cut off the former dictator’s clothes. “Look, he doesn’t have the big toe on his right foot!” a child shouted. Indeed, the Goat had lost that toe to a shot he fired into his own foot. Fat, the lard hung off him everywhere, and when the beating ended he was carried, like a big pig already skinned, the same way as Hick, to the ambulance.
R felt ill. He had been persecuted and tortured and did not expect to last much longer. He had managed to send his two children and his wife to the United States—not before she was raped. As for him, he had not managed to escape. His life had been a nightmare twenty-four hours a day. A week earlier, the Goat’s bodyguards raped and killed the wife of a journalist hostile to the regime, pregnant with twins, and the thing exploded on the internet. The Goat’s Ministry of Communications failed to contain the wave, and crowds began to grow across the country, quickly. Then the Goat ordered the Armed Forces to repress the rabble, and that was when he lost his big toe.
As soon as that depressing spectacle ended, the crowd slowly dispersed and the pigeons began to return, pecking at leftovers of popcorn, boiled and roasted corn, and crumbs of all kinds of savory snacks sold at the improvised fair.
RF remained at The Observer of Bananía for about six hours. When he left Bananas 21, he headed for the public parking lot in front of the architectural complex. He noticed the presence of soldiers here and there, and the greatest concentration of whores he could imagine—beautiful, sensual, like moths around a great lamp on a sweltering day. He got into his small Fiat and went home.

Nenhum comentário:
Postar um comentário