domingo, 28 de dezembro de 2025

Por que escrevo

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 28 DE DEZEMBRO DE 2025 – Por que escreves? – pergunta-me o jornalista/– Para viver – respondo/Pois só com as palavras desnudo a luz/E voo até o fim do mundo/Por isso, escrevo granadas intensas como buracos negros/E garimpo o verbo como o primeiro beijo/Escrevo porque escrever traz aos meus sentidos/Cheiro de maresia/Dom Pérignon, safra de 1954/O labirinto do púbis no abismo do acme/Mulher nua como rosa vermelha desabrochando 

O poema Rosas para a madrugada, publicado no livro DE TÃO AZUL SANGRA, define por que escrevo. Para viver! Mas o que é a vida, por que morremos, existe vida após a morte? Nada aterroriza mais o ser humano do que a morte. Poucos sentimentos levam ao suicídio: dor, tortura, angústia, loucura, vazio. Acredito que o escritor Ernest Hemingway se matou por causa do vazio, pois já não podia fazer as coisas que tanto amava: não tinha mais memória para criar; não podia mais amar uma mulher horas a fio; e não podia mais beber. Nem viajar. Talvez nem sentisse mais o prazer dos prazeres: ler. 

Há o vazio da matéria. Além de ser impermanente a matéria não tem consciência, ou espírito, e é vazia como o átomo, o Cosmos. Isso é uma prova irrefutável de que a vida não é a matéria, mas apenas se utiliza dela. A vida está, por conseguinte, além da matéria.

Os cientistas geralmente não acreditam na vida após a morte porque não conseguem comprovar isso, mas os clarividentes comprovam. E a sintonia fina é a comprovação definitiva disso.

Se há consciência é necessário que haja também caminhada da consciência. A vida é isso. Quem morre é a matéria. A consciência apenas se utiliza da matéria. Portanto, transcende a matéria. A experiência na matéria é como disse o artista plástico Olivar Cunha: “A vida é um tesão!”

Com efeito, minha vida tem sido um tesão, o motor da minha criação literária. Sempre quis ser escritor. Lembro-me que antes dos meus cinco anos de idade meu irmão mais velho, Paulo Cunha, permitia que eu frequentasse o seu quarto, na Casa Amarela, ao qual chamávamos de Quartinho. Era um pequeno cômodo, atulhado de livros, revistas e gibis. Vendo aquele mundo de fotografias e ilustrações, percebi que para desvendar o significado de tudo aquilo era necessário decodificar as palavras impressas, e foi assim, movido por aquele desejo urgente, e com ajuda da minha mãe, Marina Pereira Silva Cunha, que aprendi a ler.

Aos 14 anos de idade, houve um Big-Bang na minha vida. Comecei a criar um mundo pessoal, por meio de poemas e crônicas, e depois, contos e romances. Este mundo se ampliou e hoje é um universo em expansão, à velocidade superior à da luz. Portanto, a vida não cessa. O que cessa é a matéria.

A velhice é o segundo grande drama humano e o maior problema da velhice é a solidão. Não a solidão de se sentir sozinho, mas a solidão de si mesmo, por não saber quem é, por se desconhecer, por não conhecer seu eu. Durante todo esse tempo, desde que comecei a entender o que estava se passando, aos cinco anos de idade, comecei a investigar a mim mesmo, razão pela qual, hoje, aos 71 anos, sou o senhor da minha vida. E desconfio que essa investigação é que me levou a escrever, pois escrever é como pilotar uma nave espacial quântica e desvendar outros mundos, outras dimensões.

Escrever nos proporciona um momento especial, que é o de estar só com a gente mesmo e descobrir que só dependemos de nós mesmos. Ao longo da vida vamos criando dependência. Da opinião alheia, da vida social, da manada. Ao envelhecermos, ficamos feios, horrorosos, asquerosos. Contudo, se passamos a vida inteira vivendo a nossa própria vida, sem a urgência de agradar, escrevendo o que temos que escrever, fazendo o que precisamos fazer, o que importa o que os outros pensem?

Fui uma criança medrosa, porque os adultos me faziam muito medo, em um tempo, os anos 1950, e em uma cidade remota, Macapá. E fui um adolescente e um jovem estúpido. Também, na minha infância, diverti-me à beça, e na minha juventude amei mulheres lindíssimas. E escrevi pra chuchu. Certa vez o jornalista e escritor manauara Isaías Oliveira me disse que o passado é feito do que há de melhor. Nunca esqueci o ensinamento do meu amigo. As coisas ruins do meu passado, incinerei-as. Dos erros, arrependi-me e não os cometo mais. E procuro transmitir o melhor que já vivi.

Quando somos jovens, temos muita disposição para aprender e gostamos da companhia dos outros, mas à medida que envelhecemos a disposição dá lugar a cansaço, desinteresse pela vida social. É quando, se não houver intimidade com nós mesmos, bate a verdadeira solidão.

A vida é, assim, um mistério. Tentamos desvendar esse mistério. Enquanto tentamos, vivemos. Não existiria átomo, o Universo, matéria, se não houvesse vida, pois a matéria depende da vida. Quem morre é a matéria. A vida é imortal. Quanto aos personagens que crio, vivem no seu próprio mundo; vivem suas vidas. Creio que procuram, como eu, suas próprias identidades.

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