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Retrato de Ray Cunha: acrílico espatulado sobre tela de Olivar Cunha |
RAY CUNHA
Sou como os jasmineiros, que só sabem exalar perfume. Escrevo
para viver, pois só com as palavras desnudo a luz e voo até o fim do mundo. Por
isso, escrevo granadas intensas como buracos negros e garimpo o verbo como o
primeiro beijo. Escrevo porque escrever traz aos meus sentidos cheiro de
maresia, Dom Pérignon, safra de 1954, o labirinto do púbis no abismo do acme,
mulher nua como rosa vermelha desabrochando.
Aos 71 anos, curto intensamente tudo o que tenho. E tenho
muito. Posso flutuar no éter só com o pensamento, ouvir o som da Terra no
espaço, a madrugada, riso de crianças, Mozart, ler, dormir, meditar, andar à
toa, tomar tacacá, montar a luz, sentir o cheiro da mulher amada. O tempo deixa
de existir, dilui-se, o passado são cinzas atiradas ao vento, e não há amanhã,
só existe agora se eternizando.
Nesta idade já consigo enxergar a nudez das rosas e a me
internar sem bússola no mistério feminino, nunca desvendado, porque eterno.
Descubro tesouros imensos, de valor inestimável, nos sentidos. Desenvolvi a
capacidade de montar a luz, sentir o cheiro do mar, inalar o perfume dos
jasmineiros nas tórridas noites do mundo, em agosto, e em todos os meses.
Aos 71 anos, sou tão bilionário quanto Elon Musk, pois voo
ao plano astral, tenho telas de Olivar Cunha e, quando escrevo um poema, sinto
a sensação do primeiro beijo. Meu coração tem sempre rosas que Isnard Brandão
Lima Filho ofertou para a madrugada. E sou capaz de aliviar dores com agulhas.
Não desejo mais escalar o Pico da Neblina, pilotar um Boeing
777, praticar tiro ao alvo, saltar de paraquedas, internar-me na Amazônia,
beber Cerpinha enevoada no quarto de um hotel, no sétimo andar, e dormir com a
princesa. Tudo o que quero é comparecer ao encontro marcado com a amada,
embriagar-me com o perfume das virgens ruivas, sentir a noite como um navio
iluminado, ouvir o som da madrugada, sentir o sol no rosto, o mar, o Trópico,
diluir-me no azul e reaparecer no acme.
Aos 71, não posso mais amar uma noite toda, nem beber três
dias seguidos, nem ir muito longe, sozinho. Mas sonho sonhos ousados, salto, de
asa delta, da Pedra da Gávea e pouso no Copacabana Palace.
Vem, meu bem, estou à tua espera, vibrando de alegria, pois
te esperar é como a emoção de encontrar a maior pepita de ouro no Morro do
Salamangone, Serra Lombarda, município de Calçoene, no Amapá. É como a
felicidade de abraçar crianças que escaparam de um naufrágio ao largo de
Marajó, ver rosas nuas em toda parte só de te esperar, amor da minha vida.
Esta noite será eterna porque nesta casa só haverá nós dois
e a noite, presente de Deus para ti. Já arrumei tudo, as flores, o vinho e a
comida, camusquim com camarão pitu. Seremos nós dois e os diamantes que
garimpei toda a minha vida e que só encontramos no céu de Macapá, em agosto,
nos anos 1960. Ouviremos La Cumparsita,
Suave é a Noite e Amarcord, e dançaremos lentamente,
nossos lábios se roçando.
Beberei colostro e sentirei o sabor da tua pele e do teu
púbis, de madrugada, a quem ofertarei teus gemidos, que espalharei no jardim da
minha alma, mulher amada. Vem logo, pois a noite já chegou, como um navio, um
continente, uma galáxia. Só nossa!
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