sábado, 18 de outubro de 2025

Ai de ti, Brasília!

A Praça dos Três Poderes é a embaixada do Brasil em Brasília

RAY CUNHA

1. Ai de ti, Brasília, pois é chegada a véspera de teu dia, o dia que abalará as tuas entranhas.

2. Ai de ti, Brasília, a ilha da fantasia, a Praça dos Três Poderes; cingiram tua fronte com uma coroa de ilusões e ficaste bêbeda de vão poder.

3. O Lago Paranoá inundará a Praça dos Três Poderes, e tu, bêbeda, não percebes os sinais; estás perdida e cega no meio das iniquidades do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.

4. Sem a Praça dos Três Poderes o Brasil será comandado pelo Primeiro Comando da Capital, pois foste iníqua perante a nação e o Lago Paranoá mandará sobre ti um turbilhão de água. E também as galerias de esgoto se revoltarão e despejarão sua imundície na cara dos ladravazes que se homiziam no Congresso Nacional.

5. Grandes são teus monumentos de concreto, e eles se postam diante do povo, dos turistas, impressionantes, qual muralha desafiando os submarinos e porta-aviões americanos; mas o que são muralhas perante o poder de fogo da Pax Americana?

6. Tubarões que andam em carros oficiais nas tuas ruas serão varridos pela vasa fétida do Paranoá; e o Umbral lançará ondas pútridas sobre ti, Brasília, em um referver de chorume, qual um bando de hienas em pânico, até morder a cara dos bandidos de colarinho branco; e todos os monumentos ruirão.

7. E os jacarés-açus, sucuris e todos os répteis, insetos e batráquios venenosos, habitarão os teus porões; as jararacas tomarão conta das lojas dos shoppings; as sucuris se entocarão em tuas galerias; escorpiões tomarão conta das tuas calçadas esburacadas, bombardeadas, mal cuidadas, desde sempre, e os banheiros públicos, pestilentos.

8. Tudo isso pela tua iniquidade, pela tua ganância, pelos assassinos da Praça dos Três Poderes. O Lago Paranoá, que vem refrescando a tua secura insaciável choverá sobre ti uma muralha de água.

9. Ai daqueles que roubam os aposentados do INSS e desprezam o riso das crianças, inclusive as crianças que ainda estão no útero da mãe; ai dos que roubam, estupram e matam, os que escravizam e torturam, os ditadores, os que desdenham do Senhor, pois o Senhor é a Lei.

10. Ai daqueles que passam nos carros negros, oficiais, antecedidos por batedores, pois ficarão apavorados quando chegar a hora da provação.

11. Nos eventos oficiais no Setor Hoteleiro Sul, as prostitutas se assanham como formigueiro atacado.

12. Uivai, canalhas, e clamai, prostitutas, porque Donald Trump está vindo.

13. Ai de ti, Brasília, porque os animais mais peçonhentos estarão nos poços de teus elevadores e minas terrestres no caminho do capo de tutti capi.

14. Brasília, o país todo, serão, então, libertados.

15. Por que rezais em público, políticos? Acaso, eu não conheço a multidão de vossos pecados, os crimes hediondos que habitam vossas mentes?

16. Antes que te percas, Praça dos Três Poderes, ficarás demente e enlouquecerás, e só então conhecerás o inferno. Os brasilienses crescerão sobre os palácios dos três poderes como uma explosão, engrossada por brasileiros de todos os Estados, jogando pedra na cara dos ditadores, e, finalmente, Tio Sam lavará os teus pecados com lança-chamas.

17. E tu, Ornstein, ouve a minha ordem: reserva para Jair Messias Bolsonaro o teu palácio, porque, ali, ele habitará.

18. E no Coco Bambu os carcarás comerão cabeças de políticos e Caetano Veloso e Fafá de Belém cantarão para zumbis.

19. Pois grande foi a tua vaidade, Brasília, a Brasília da Praça dos Três Poderes, por isso, fundas são as tuas desgraças. O Planalto, a Praça dos Três Poderes e toda a Esplanada ficarão em chamas. E não viste o sinal. Pois o fogo e a água te consumirão. Consumirão a tua soberba, a tua arrogância extrema.

20. A rapina dos políticos e a ostentação das suas prostitutas já consumiram diamantes coagulados das lágrimas de mil meninas miseráveis – tudo passará e vocês não vão levar nada para o além, mas somente suas emoções lamacentas.

21. Assim, as sucuris de doze metros e os jacarés-açus de seis metros e mil quilos de peso estarão atentos para recepcioná-los, embora alguns desses bichos morrerão por tomarem bebidas falsificadas e comerem comida estragada em teus bares e restaurantes.

22. Pinta-te como puta e coloca todas as tuas bijuterias, aviva o verniz de tuas unhas postiças, longas como garras, e grasna as músicas horrorosas desta época medíocre, curte com intensidade o prazer, que é sempre ilusório, nunca é alcançado. É tarde para a prece. Nem batom te libertará.

23. Haverá maior símbolo de liberdade do que batom vermelho escrito na Justiça? É como desvendar-lhe os olhos do espírito e libertar o mundo de toda maldade. Condenada a não veres teus filhos crescerem, agora, és heroína, Débora, e grilhão algum, ninguém te deterá no interminável espaço, nada cessará a luz que disseminas no éter. Batom é como pétalas de rosas rubras que nascem nos jardins até o fim do Universo, que Deus disseminou como perfume azul. Batom, mesmo que escrito no duro granito, como pode ameaçar o Estado de direito, se batom é preciso, viver não é preciso?

24. A fúria de Donald Trump reconhecerá imediatamente teu corpo obeso e cheio de máculas, e o destruirá. Canta a tua última canção imunda, Praça dos Três Poderes! 

Brasília/DF, outubro, 2025

Esta crônica é baseada em Ai de ti, Copacabana!, de Rubem Braga

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