O livro mistura com habilidade romance, a lenda urbana e a
história não oficial baseada em documentos escritos em português arcaico,
aquela história que não entra nos currículos escolares, sabe-se lá por quais
convenientes motivos. Enquanto a escola brasileira se limita a repetir a versão
dos vencedores, Ray Cunha vai fundo nos subterrâneos do Brasil, revelando os
bastidores da nossa formação colonial com um olhar crítico e, por vezes,
desconcertante.
O que A Identidade
Carioca oferece, no entanto, é o contrário do silêncio: é um grito
narrativo. A trama gira em torno da busca por um tesouro jesuíta enterrado – ou
talvez nunca enterrado – no antigo Morro do Castelo, demolido em nome do “progresso”
no início do século XX. Essa destruição física e simbólica do morro é também a
metáfora perfeita da nossa tendência de soterrar a própria memória. Ali, os
jesuítas teriam escondido 67 toneladas de ouro antes de serem expulsos pela
Coroa portuguesa, em 1759, segundo reza a lenda. Ninguém sabe, ninguém viu, mas
Ray Cunha nos faz ver, ainda que seja com os olhos da ficção, qual era, e onde
estava, o tesouro.
A Identidade Carioca
não é um simples enredo de caça ao tesouro, mas de uma reconstrução crítica da
identidade carioca (e, por extensão, brasileira), através de personagens que
transitam entre o passado e o presente, entre o real e o possível. A narrativa
não dá trégua ao leitor preguiçoso; aquele acostumado a resumos provavelmente
não passará do segundo capítulo, e talvez seja melhor assim, porque o livro
exige envolvimento, como toda boa leitura deveria exigir.
A narrativa de Ray Cunha é ágil, mas densa. Leve, mas provocadora.
Cada capítulo traz uma nova camada de revelações, sempre amparadas por dados
históricos pouco ou nunca divulgados, e detalhes urbanos que passam
despercebidos: a influência dos jesuítas na formação do Brasil, os interesses
por trás da demolição do Morro do Castelo, a omissão deliberada de certos
eventos na historiografia oficial. Tudo isso com o ritmo de um romance de
aventura, mas com o peso de 67 toneladas de questões mal resolvidas.
O final surpreendente, como todo bom desfecho de trama bem construída,
amarra o enredo sem recorrer à obviedade. O leitor sai instigado a investigar
mais sobre a cidade que habita. Quantos cariocas sabem que boa parte da sua
história foi literalmente demolida com britadeiras? Quantos brasileiros sabem
que há mais lendas reais em nossas fundações do que em qualquer ficção
estrangeira?
A Identidade Carioca
é, portanto, mais do que um romance: é um manifesto contra o esquecimento
nacional. Um lembrete de que há muito tesouro escondido por aí, nem sempre no
subsolo, mas frequentemente enterrado sob as versões oficiais da nossa
história.
O tesouro está reservado apenas para quem tem coragem de
escavar, pois muitas famílias cariocas estão, literalmente, sentadas sobre ele.
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*Jornalista, editor
do portal Do Plenário, escritor, psicanalista, cientista político, analista
sensorial, enófilo, adesguiano, consultor de conjunturas e cidadão brasileiro
protegido (ou não) pela Constituição Brasileira
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