quarta-feira, 16 de julho de 2025

Sou um outsider, um estranho no ninho. Aos 17 anos, saí do rebanho e peguei o rio e a estrada

Sou como aquele cavalo com remota possibilidade de vencer

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 16 DE JULHO DE 2025 – Comecei a escrever, frequentar rodas de intelectuais e intelectoides em bares, beber, fumar e frequentar a casa do poeta e cronista Isnard Brandão Lima Filho, pai da minha geração de escritores, aos 14 anos de idade, em Macapá/AP. Hoje, aos 70 anos, dessas atividades só continuo a escrever. Vivi em Macapá até os 17 anos, quando parei no quarto ano ginasial – hoje, ensino fundamental –, peguei o rio e a estrada e fui parar no Rio de Janeiro/RJ. Quatro anos depois, aos 21 anos de idade, em Manaus/AM, comecei a sobreviver como jornalista. Hoje, moro em Brasília.

Devido a este blog, tenho alguns leitores em Macapá, muitos dos quais antigos conhecidos meus, a maioria deles de Esquerda, fãs de Fidel Castro e de Lula da Silva. Eles sabem que sou de Direita e alguns me cobram isso, como se eu estivesse traindo seu ídolo, Fidel Castro. Por conta disso, como escritor, a academia (universidade) e as instituições de cultura do Amapá simplesmente me ignoram. Só sou sócio correspondente em Brasília da Academia Amapaense de Letras por conta do ex-presidente da AAL, Fernando Canto. Respeitado e influente, Fernando Canto pôs meu nome em votação e fui eleito, por unanimidade, o primeiro sócio correspondente da instituição.

Em Brasília, um dos mais queridos amigos meus, com quem passava horas conversando, me demitiu por e-mail, porque, na época, acho que 2019, escrevi que Lula fora enjaulado.

Tudo bem. Gosto de ser outsider, um estranho no ninho, sair do rebanho. Caminhar fora do rebanho é seguir o próprio caminho e não apenas seguir a multidão, pensar por si mesmo e não seguir as opiniões alheias, procurar viver com sabedoria e justiça e não seguir cegamente o pastor, como aconselha a Bíblia. Caminhar fora do rebanho é a busca por uma perspectiva individual, ser fiel a si mesmo, ainda que seja preciso remar contra a corrente.

Para o filósofo Friedrich Nietzsche, caminhar fora do rebanho significa desapegar-se da moralidade convencional e da obediência cega a normas sociais, religiosas ou culturais. Uma busca da individualidade, da autoconsciência e da criação dos próprios valores. Para Nietzsche, o indivíduo deve tomar consciência do que é e questionar os valores impostos, buscando seu próprio caminho. O Super-Homem (Übermensch) representa o homem livre dos valores do rebanho, onde não há individualidade nem criatividade, nem espírito crítico, o que leva à mediocridade.

Tenho sido um estranho no ninho. Sei disso. Não que queira mal a alguém. Não. É porque me sinto bem comigo mesmo. Gosto da companhia dos outros. Sou daqueles que quando encontra alguém com interesses semelhantes aos meus converso durante horas. Desde cedo percebi que sou outsider, ou seja, um indivíduo que não pertence a um determinado grupo; no turfe, trata-se de um cavalo com remota possibilidade de vencer. É o meu caso. É claro que todos nós, escritores, desejamos, ardentemente, pagar as contas com dinheiro proveniente da venda de nossos livros, mas se tornar um escritor conhecido é como jogar no outsider.

Porém, curto minha vida do modo como dá. Mas sou feliz, porque sou fiel a mim mesmo. Minha igreja sou eu; oficio a missa, como a hóstia e bebo o vinho.

Isso eu sempre fiz. Curto adoidado. Também levo a vida com estoicismo. Nunca reclamo. Se alguém me ouvir gemer é porque estou à morte. Em 13 de novembro de 2019, sofri um infarto, mas consegui chegar andando no hospital e logo depois desmaiei. Também peguei o vírus chinês, várias vezes. Vivo tão loucamente, desde que nasci, em 7 de agosto de 1954, que não sei como ainda estou vivo. Aos 14 anos, chegava a desmaiar de tanta cachaça. Só não morri bêbedo porque há anjos que me salvam.

É claro, se me salvam é porque há uma razão para isso. Nada é por acaso. Hoje, como disse, não bebo mais; nem Cerpinha enevoada no sétimo andar de um hotel cinco estrelas.

Mas adoro ler. Desde os cinco anos de idade. Recentemente, li O Outsider – Minha Vida na Intriga, de Frederick Forsyth, que fez todo tipo de coisa que achou importante para ele mesmo, e sempre teve apoio do seu pai. Meu pai era ainda mais outsider do que eu, mas recebi dele coragem, aquele tipo de coragem que chega a ser ingênua; disciplina para trabalhar e responsabilidade para procurar, de alguma forma, defender os mais fracos. Meu pai também lia muito.

Na estrada, encontrei muita gente interessante. Quando somos jovens – jovens são sempre belos e imortais – todos querem ajudar, especialmente as mulheres. Assim, fui amado por deusas. Também encontrei homens que me apontaram algumas portas, que me ensinaram alguns truques e me ajudaram a entender uma coisa: ser outsider é chegar ao poder de oficiar a própria missa.

O outsider que vive em mim sente o perfume dos jasmineiros chorando nas tórridas noites de Macapá, ouve sons que vêm do Caribe e vislumbra uma negra de olhos verdes sob um vestido de seda branca – elas surgem assim, para mim, e tudo o que tenho a fazer é pô-las nas minhas histórias.

Às vezes, percebo vultos se movendo perto de mim; sei que são mortos; estão aqui para me ajudarem, para me apontarem a direção a tomar, o rumo que devo seguir, orientam-me na minha nova profissão de terapeuta, monge taoísta, iniciado em Medicina Tradicional Chinesa. Quanto ao jornalismo, faço como todo mundo; hoje, a comunicação social é pessoal e global ao mesmo tempo.

Forsyth viveu da intriga internacional. Foi jornalista até descobrir que tinha nas mãos material de primeira categoria para criar suas histórias, e foi o que fez. Britânico, cedo aprendeu também francês e alemão, e depois espanhol e russo, esteve em muitos lugares interessantes e conheceu muita gente influente. Isso fez dele um outsider de sucesso. Todos nós somos o que somos e temos o que conseguimos obter. Quanto a mim, recebi dos deuses as antenas que me conectam com o astral.

Posso ser o cavalo no qual ninguém aposte, que participa da corrida para fazer número, que está destinado a produzir sêmen ou virar charque, mas ainda estou no páreo, e no meu próprio caminho.

2 comentários:

  1. Caro Ray . Sempre que posso leio seus textos.Na maioria das vezes gosto. Particularmente hoje sua frase " ser outsider é chegar ao poder de oficiar a própria missa" me agradou muito. Não concordo que você seja um outsider. Você pensa com independência o que te dá uma dimensão muito maior. Visitei Cuba a convite deles. Fui comunista e voltei anticomunista. Tenho orgulho de termos a mesma nosso inicio no Amapá.

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