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| Ponte JK, DF (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil) |
RAY CUNHA
De vez em quando vou ao Congresso Nacional para fazer
algum freelance. Até certo tempo atrás, passava boa parte do dia, lá, cobrindo
as atividades para jornal ou portal, ou assessorando parlamentares. Para um
escritor, o Congresso é um laboratório, pois abriga uma fauna riquíssima em
tipos, capaz de satisfazer os mais criativos ficcionistas. Foi assim que
conheci um senador inesquecível, que evoca aquele fedor de ácido úrico que, às
vezes, sentimos nas paradas de ônibus.
Era o tipo que
carrega consigo, sempre, uma saca de confete. Seu corpanzil esparramado na
poltrona atrás da sua mesa de trabalho lembrava um animal híbrido, com cabeça
de ratazana e, do pescoço aos pequenos pés, um yorkshire. Quem o via, mesmo uma
única vez, jamais o esquecia, muito menos quem convivia com ele; aí, se
tornavam puxa-sacos, embora cultivassem contra ele o sentimento que oscila da
bajulação ao ódio, movidos pelo interesse, pois só assim era possível conviver
com ele, já que seria impossível sentir amor por uma criatura tão mesquinha e
odiosa.
Nesses casos,
o interesse transforma os interessados em diplomatas, sempre com um facão
mental pronto para o golpe, com a peixeira entrando pela saboneteira e
mergulhando até o coração. Mas, para não exaurir a fonte de corrupção, vão
golpeando aos pouquinhos o objeto do seu ódio contido, procurando tirar alguma
espécie de proveito, alimentando a esperança de vê-lo exangue, pilhado, morto.
Um jogo no esgoto.
O senador era
quase uma unanimidade, incensado pela imprensa setorizada no Congresso
Nacional. Os que transcendiam o olhar de mero jornalista logo percebiam o jogo.
Se os gabinetes dos senadores do baixo clero são conjuntos principescos de
salas, os gabinetes dos incensados pela mídia são mais impressionantes ainda,
caso do senador em questão. Seu gabinete estava sempre de portas abertas para
jornalistas, à disposição para a prestação dos mais variados serviços, de
xeroxes a telefonemas internacionais e passagens aéreas, até presentes em
dinheiro, o que alguns repórteres adoravam, e se entregavam ao jogo com o mesmo
brilho nos olhos dos glutões nos banquetes.
Falar em
glutão, essa era outra das características do senador que o tornavam tão
inesquecível, e ultrajante. Ele praticamente não mastigava. Comia no almoço,
facilmente, um quilo de boia, que ia se acamar numa pança roliça, um tonel,
rijo de tão inflado, o intestino grosso transformado em uma fossa, com,
seguramente, meia centena de quilos de dejetos presos nas dobras da tripa,
somados aos 100 quilos de peso do paquiderme, muitos dos quais armazenados na
barriga, fígado, quadris e coxas.
Outro fator
impressionante era sua história, real ou imaginária, que ele contava para a
plateia amestrada. Afirmava que herdara do seu pai, desempregado crônico, sua
prodigiosa energia sexual e instrumento asinino, e, da mãe, dona de um
mercadinho, o tino para os negócios. O fato é que desenvolveu o desprezo com
que tratava as mulheres observando como seu pai se comportava com sua mãe; ela
passava o dia trabalhando e era trabalhada, assim que se deitava, por um macho
bem-disposto. Ela costumava dormir quase que imediatamente, embora mantivesse a
consciência de que era penetrada ardência no dia seguinte.
– Meus caros,
diletos amigos, chegou a hora de nos assenhorearmos deste fabuloso país, chegou
a hora de ocuparmos nosso bunker, o bunker da elite do sistema, que somos nós.
Precisamos terminar de construir nossa Havana, cercando a Praça dos Três
Poderes com uma verdadeira Muralha da China. Precisamos, juntamente com Lula no
Palácio do Planalto, instalar logo a ditadura totalitária e se espojar em uma
bacanal jamais sonhada, tudo com dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social, e da burra, é claro – ele disse, segundo me foi descrito
pelo seu segurança, que era gente minha.
Ele continuou:
– Tudo será
pago: os estacionamentos públicos, a manutenção dos cemitérios, o setor de
saúde, a segurança, a exploração de água, esgoto e luz, alimentos a materiais
em geral utilizados no setor público, principalmente nas escolas e hospitais, e
partilharemos as terras devolutas – o animal híbrido fez uma pausa e olhou para
a plateia. Tinha consciência de que a fala de radialista era sua melhor
ferramenta; mastigava as palavras, burilava-as, tornava-as uma mentira
convincente para ele mesmo. Treinara a exaustão o falar com fluência,
flexionando os verbos e os pronomes corretamente.
À mesa, à
frente e à direita do senador, estava o bilionário mineiro Boca Mole, que
parecia beber as palavras sopradas pelo paquiderme. Boca segurava impecável
lenço de linho branco para limpar a baba que teimava em escapulir entre os
lábios frouxos; às vezes, lambia os beiços arroxeados com uma língua de boi.
Comentava-se que tinha uma ferramenta tão poderosa quanto a língua, e que era
mais perigoso, nesse quesito, do que o senador, pois não deixava escapar nem o
diabo de saia.
Fizera fortuna
durante a construção de Brasília, afinal, sempre estivera certo de que o DF
estava destinado aos mineiros; não fora um mineiro que demarcara o Distrito
Federal e construíra Brasília? E não se tirou sequer um naco de Minas Gerais; o
DF foi arrancado, ou melhor, implantado, em Goiás. O senador seria apenas mais
uma catapulta para seus negócios, rumo a se tornar o homem mais rico do país. Aquele
porco catapultaria seus negócios de tal maneira que lhe dava a perspectiva de
se tornar até o homem mais rico do mundo.
À esquerda do
senador, o rei do transporte público, goiano, fumava um Cohiba. Mandara fazer
implante de cabelos e pintava-os, juntamente com os que lhe restavam, tão
negros que resvalavam para um tom azulado. Os cabelos ralos e manchas escuras
que lhe malhavam o rosto encovado lhe davam aspecto sinistro. Comentava-se que
teria mandado matar o pé de pano que dava à mulher dele o que ele não podia
mais proporcionar a uma potra meio século mais jovem.
Entre os dois,
flutuava a deputada, mineira, dona de uma das maiores empresas de segurança e
limpeza do país. Lembrava Jéssica Rabbit; toda vez que Boca Mole olhava para
ela a baba teimava em sair dos lábios em prolapso. Seguramente, um bom naco do
país pertencia àquele quarteto.
No outro lado
do salão, perto da porta principal, o segurança e motorista do senador, homem
de sua estrita confiança, estava sentado numa poltrona, imóvel como uma
estátua, de óculos escuros e empacotado em um terno preto de nylon. Tinha cerca
de 50 anos e lembrava todinho um búfalo com garras de leão. Estava ali, imóvel
como uma estátua, mas era capaz de ouvir até sussurros e podia enxergar através
das paredes, por meio do faro. Dizia-se descendente de Lampião e havia o boato
de que estripara uma família inteira em Pernambuco, antes de migrar para
Brasília, onde foi acolhido pelo senador.
Chegou a
Brasília no fim dos anos 1980, atraído pelo lote, pão, leite, hospital e escola
que o governador Joaquim Roriz estava oferecendo para migrantes de todo o
Brasil, que formariam seu curral eleitoral ao transformar o Distrito Federal em
Estado. Na época, o senador ainda não era senador; tinha um devezenquandário.
Quando viu Lampião reconheceu de imediato que aquele gigante tinha potencial
para se tornar seu segurança e motorista, e, se precisasse, matador.
Acolheu o
búfalo, que viera com mulher e um casal de crianças, e providenciou-lhe aula de
volante e um curso especial em uma empresa de segurança, onde Lampião se
aprimorou zelosamente em artes marciais e armas brancas – principalmente
katana, pois um de seus instrutores era mestre em espada japonesa –, e de fogo,
além do curso de Direito no Centro Universitário de Brasília (Ceub).
Nessa época, o
sócio do futuro senador no devezenquandário sacou o que estava acontecendo e
publicou uma matéria profética sobre o inchaço que Brasília viria a sofrer. Foi
um tiro no pé; ou melhor, no timo, o que se tornou a marca registrada de
Lampião.
– Para isso,
meus irmãos, para que tomemos conta deste país, para que este país seja
completamente nosso, para que possamos fazer o que quisermos no nosso país,
para que nos tornemos intocáveis no nosso país, precisamos tomar posse, de
fato, dele; e eu sou o homem que vai nos proporcionar essa chegada total ao
poder.
Fez uma pausa,
e continuou.
– Mas, para
que nos tornemos – fez outra pausa –, para que nos tornemos onipotentes, sim,
onipotentes, precisamos acabar com ele, vocês sabem quem, e fortalecer o nosso
grande comandante. Para isso, senhores, precisamos depositar, cada um de nós,
um milhão de reais na conta do nosso clube, dinheiro que será usado, desde
agora, para derrubar... vocês sabem quem, para extirpar da Humanidade a ameaça
que paira na Esplanada dos Ministérios, e que deveria ter sido arrastado para o
inferno, mas que sobreviveu graças à incompetência de terceiros.
Fez de novo
uma pausa.
– Também
precisamos, desde agora, planejar a campanha vitoriosa e eleger nosso líder,
além de mim, e o máximo de deputados e senadores. Aqui está o número da conta
em que deverão depositar o dinheiro – o senador passou um papel com as
anotações para cada um deles. E voltou a falar.
– É claro que,
assim como nós, há, no Brasil inteiro, alguns líderes, homens de bem, trabalhando
para recolocarmos nosso grande chefão de volta de onde ele nunca deveria ter
saído; o trabalho principal ficará a cargo da quase uma dúzia de aves de rapina
que pousam na Praça dos Três Poderes. Nessas alturas dos acontecimentos, o
palhaço não será eliminado fisicamente, mas desmoralizado e, mais para a
frente, apodrecerá na prisão. Morrerá pelo desgaste, e levará consigo seus
filhotes para o inferno.
Silêncio.
– E as
forças...? Você sabe... – Jessica Rabbit perguntou.
– Desde 1985
que não querem se meter na vida política do país – o senador respondeu, e,
baixando a voz. – Não podemos perder a oportunidade de aumentar nossa força de
pressão; temos que devolver o Palácio ao molusco, de onde ele nunca deveria ter
saído. Por isso, precisamos ser generosos, porque temos que tomar conta do
Congresso Nacional e de aparelhar todos os poderes do nosso querido Brasil.
Para isso, será necessário muito dinheiro, desde agora. Mas esse dinheiro será
multiplicado e restituído. Porém o melhor de tudo, meus amigos, meus sócios,
membros diletos deste clube exclusivíssimo, é que nós é que faremos e
aplicaremos a lei, e perpetuaremos isso, indefinidamente, por meio dos nossos
descendentes, como em uma dinastia.
Seguiram-se
uns seis segundos de silêncio, rompido por aplausos entusiasmados.
– Criaremos a
Bolsa Futuro, de um terço do salário-mínimo, para meu curral eleitoral. Não
esqueçamos a esperteza de Roriz, que criou, e cultivou, durante seu reinado, um
curral eleitoral fiel, dando lote, pão, leite e restaurante boca-livre; criou o
Legislativo e se perpetuou governador por duas décadas. E não esqueçamos da
Bolsa Família e do aparelhamento do Estado. O Brasil é rico, muito, muito rico,
e homens, e mulheres, como nós, de visão, precisamos tomar conta desta imensa
riqueza.
Mais aplausos,
tão entusiasmados que fez Maurício Virgulino da Silva olhar, rapidamente, para
os homens e a mulher reunidos em torno da imponente mesa.
O senador
havia se levantado para pegar uma garrafa de licor de jenipapo, maturado em
cachaça Havana, ou Anísio Santiago. Jessica Rabbit mexera-se, expondo ainda
mais o colo e as coxas, o que fez Boca Mole se engasgar. Do outro lado, o czar
goiano parecia fazer contas mentalmente; era quase audível o tilintar que saía
da sua boca trancada, quase um bico. Sonhava com o futuro, uma Mônaco no
Planalto, com cassinos cheios de magníficas goianas e mineiras de biquini
servindo champagne e licores mineiros e do Cerrado.
– Governador,
pode contar comigo. Hoje mesmo vou transferir um milhão de reais para a conta –
disse Jéssica Rabbit, com voz dengosa, sonhando em ampliar sua fatia de
segurança privada e a recolha de lixo em todo o país. Comentava-se que ela
matara pessoalmente o velhinho milionário de quem cuidou como enfermeira e
depois como esposa, e de quem herdou uma fábula, a qual multiplicou após se
tornar deputada.
O
murídeo-suíno riu. Rindo, a cara de rato se transformava em um focinho de
hiena.
Boca Mole
lambeu os beiços.
– Assim como
nossa estimada, nossa querida colega, nossa Jéssica Rabbit, vou também
depositar, hoje mesmo, um milhão de reais na conta. E pode contar comigo para o
que der e vier – disse Boca, lambendo os beiços novamente.
Jéssica Rabbit
se mexeu na cadeira e lançou o olhar dengoso para Boca. Dessa vez a baba
escorreu, mas Boca limpou-a logo.
O escaveirado czar
goiano disse, embora com dificuldade, que também disporia de um milhão de
reais.
– E o projeto
de lei em tramitação no Congresso legalizando o jogo de azar tem chance de ser
aprovado? – perguntou.
– Está
tramitando, mas no momento todo mundo no Congresso está unido para darmos fim
ao Messias – disse o senador, degustando as palavras. – Acho que assim que
dermos cabo dele voltaremos a mexer com o projeto de lei da jogatina.
– Já pensaram
Brasília transformada numa Mônaco, numa Las Vegas do Hemisfério Sul, e nós
controlando tudo? Não vai ter banco que suporte guardar toda a grana que
ganharmos! – o czar exclamou, entusiasmado.
Jéssica Rabbit
olhou cobiçosa para o zumbi.
– Ah! Eu sonho
com isso! Sonho com a segurança dos cassinos! Vou mandar uma equipe inteira
para Las Vegas para aprender como se faz segurança de cassino! – disse Rabbit,
também entusiasmada, fazendo caras e bocas e se mexendo como uma cobra; Boca
Mole não perdia nada.
– E eu vou
comandar a construção do trem-bala Brasília-Goiânia; vamos fazer desse polo
Brasília-Goiânia o mais sensacional do país! – exclamou o czar. Estava tão
emocionado que viram um pouquinho de rubor no seu rosto amarelo e
encarquilhado. – E também tem uma coisa muito importante, que é o asfaltamento
da cidade. Comecei a produzir um asfalto de primeira categoria em Goiás –
ouvia-se o tilintar de moeda sempre que ele falava.
– E será uma
Las Vegas com cultura – interrompeu-o Boca Mole. – Vamos restaurar o Teatro
Nacional e trazer para cá as maiores celebridades do mundo, e também vou ganhar
a licitação para recuperar o Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Quero
ainda o estádio Mané Garrincha para promover os maiores jogos do mundo,
principalmente quando a jogatina estiver a todo gás.
– Vou
facilitar tudo; é claro que teremos uma taxa... – disse o senador.
– É claro! Vamos
fazer do Brasil o maior rendez vous do planeta – disse Boca Mole, dando uma
gargalhada que contagiou os outros três, e até Lampião, que havia escutado as
palavras de Boca Mole; sua boca era mole, mas o tom de voz, alto.
Jessica Rabbit
ficou sonhadora. Imaginava-se em uma Brasília ainda mais fantasiosa do que já
é. Descruzou e cruzou as pernas e Boca Mole engasgou-se, com a impressão de ter
visto a liga das meias dela. Fizera tudo o que julgava possível para obter os
favores de Rabbit, e ela, pelo que lhe chegava aos ouvidos, esfregava-se até
nas paredes, mas o evitava. Seria por sua boca mole? Ora, mas a boca mole era o
resultado de trabalhar tão bem com a língua de boi; isso, de certa forma,
acabou desencadeando aquela produção desenfreada de saliva.
O senador
serviu mais uma rodada de licor de jenipapo. Ele mesmo preparava a bebida.
Gostava também de cozinhar, e era bom de cozinha. Vendo o alegre grupo, o
senador sonhava: “Afinal, Lula não se tornou presidente? Como eu não poderia sucedê-lo?
Ora, sou mestre em Política Internacional! Só terei que conquistar o eleitorado
de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Região Sul. O Nordeste será fácil,
e a Amazônia é canja! E já sei como vou ganhar São Paulo: é só prometer aos
paulistanos que a cidade deles não irá mais para o fundo, no verão, e, aos
capiaus do interior, bolsas-família, escola, universidade e até bolsa-puteiro,
se for preciso; aos capiaus mineiros basta prometer bolsa-queijo; aos cariocas,
e fluminenses, prometerei bolsa-feijoada e bolsa-samba (sorriu), e aos caipiras
do Sul, bolsa-linguiça, charque, chimarrão, carne, chucrute, e tudo o que é
porcaria da Europa”.
– Governador!
– disse Jéssica Rabbit, acordando o yorkshire. – Quero aproveitar para lhe
pedir, usando sua influência, que refresquem lá no meu hotel. As meninas não
estão podendo trabalhar direito; afinal, elas atendem senadores e deputados.
– Pode deixar,
minha filha! O meu hotel, o do Setor Hoteleiro Sul, também está sofrendo esse
ataque.
Jessica Rabbit
se mexeu na cadeira de tal maneira que Boca Mole melou a cueca. Não resistiu e
pôs sua mão sobre a mão de Jéssica.
– Você está
certa, princesa, não estão deixando a gente trabalhar; parece que mobilizaram
toda a fiscalização em cima de mim também – disse Boca.
– Tive que
aumentar, substancialmente, a propina destinada a vários setores da
administração pública da área federal – Zumbi se meteu na conversa. Referia-se
ao jogo de azar que explorava principalmente em Goiânia.
Jéssica deixou
a mão de Boca Mole sobre a dela; com a outra mão, o asno limpou um ponto de
baba no canto da boca. A deputada distrital mexeu-se, virando-se para um e para
outro, exibindo parte generosa do colo. Boca Mole tirou a mão de sobre a dela,
arrumou-se melhor na poltrona, passou o lenço nos beiços e guardou-o. Se não
soubesse o que é autodisciplina não seria um dos homens mais ricos do país, e,
depois, poderia ter quem ele quisesse; podia pagar por qualquer um; afinal,
todo mundo tem um preço. Apesar de que Jéssica Rabbit tirava-o do prumo.
Misturem Brigitte Bardot e Marilyn Monroe e terão Jéssica Rabbit, na cabeça do
bilionário; melhor ainda, era a própria Jéssica Rabbit, a do desenho.
O telefone
celular do senador começou a vibrar. Ele pediu que continuassem à vontade
enquanto atendia à chamada, explicando que aguardava por ela. Atendeu-a indo
até uma poltrona no amplo salão, ricamente decorado. Conversou durante uns dois
minutos e retornou à mesa.
– Mais uma
rodada de licor de jenipapo? – perguntou. Os três olharam-se. Eram 13 horas em
ponto.
– Eu já estou
é com fome – disse Boca Mole, com água na boca.
– Por que não
almoçamos aqui? – Patarrão convidou.
– Estão me
esperando em casa – disse Boca Mole.
– Preciso
almoçar em casa também – disse Jéssica Rabitt.
Zumbi pareceu
avaliar um pouco. Não perdia uma boca livre.
– Não! Eu,
realmente, preciso ir! – disse, quase em um lamento.
– Então está
tudo certo! Estamos entendidos! – disse o senador.
– Sim! Hoje à
tarde o dinheiro estará na conta que você me deu! – disse Boca Mole.
– É, hoje à
tarde todos nós vamos fazer a transferência! – disse Jéssica Rabbit,
levantando-se. Realmente, era de parar o trânsito.
Todos se
levantaram, inclusive Lampião, e Patarrão conduziu os visitantes até a porta.
Quando saíam,
Jessica atrasou-se e puxou o senador de lado.
– Descobri um
mimo para você que vai deixar você babando – cochichou no ouvido do porco. –
Você terá a vitela mais linda que existe para realizar seus sonhos mais
ousados.
O senador
salivou.
Sozinho,
agora, ligou para a pessoa com quem havia falado instantes atrás. Era sua
mulher, que lhe fazia marcação cerrada; tornara-se paranoica e Jéssica Rabbit
era seu maior pesadelo. Desenvolvera olfato quase canino e cheirava as roupas
do seu fogoso marido, principalmente a cueca, em busca de indícios que pudessem
justificar sua paranoia, mas era ela a investigada, pois o senador procurava se
antecipar a cada passo da sua esposa, criando, para isso, um verdadeiro
departamento de inteligência dentro da sua própria casa. Ouviu a voz. Uma
sombra de desgosto perpassou-lhe o focinho. A megera, como ele a chamava
mentalmente, era seu alicerce e terror. Herdeira de uma das maiores fortunas do
país, conheceram-se quando ela começou a tomar aulas de voo com o porco, que
era o instrutor; não demorou para que começassem a transar a bordo do
monomotor. Casaram-se e ela começou a bancar o futuro senador, de quem se
tornara acionista majoritária em quase todos os investimentos do marido.
Engordara muito depois que casou e isso a tornou ainda mais alarmada.
O senador entrou
no seu carrão às 13h15. Minutos depois, cruzava o Lago pela Ponte JK, na
límpida tarde brasiliense.