RAY CUNHA
BRASÍLIA, 17 DE
NOVEMBRO DE 2025 – Naquela época eu trabalhava no jornal Diário do Pará e na revista Enfoque Amazônico. À noite, ia quase
sempre ao bar de um amigo meu, na Avenida Nazaré, próximo à Basílica, onde ele
era sócio e barman. Conheci-o no Cosa Nostra, um dos melhores bares de Belém.
Na primeira vez que estive no Cosa Nostra fui atendido por esse meu amigo e
pedi um daiquiri, descrevendo-o do modo como Ernest Hemingway gostava de
bebê-lo. Ele preparou a bebida tal qual pedi e, naturalmente, entabulamos conversa.
Essa conversa se alongou até 1987, quando eu resolvi morar de novo no Rio de
Janeiro, onde vivi de 1972 a 1974. Acabei ficando em Brasília, trabalhando com
meu grande mestre no jornalismo, Walmir Botelho.
Passei a frequentar o Cosa Nostra. Inclusive estive lá com
Fernando Canto. Acabei entrevistando meu amigo barman para a Enfoque Amazônico. Lembro-me que o
título principal da matéria foi “Tim-tim”. Um dia, ele foi convidado a fundar
um novo bar, em sociedade com mais uma ou duas pessoas, e se mudou para a
Avenida Nazaré.
O bar vivia cheio. Suas portas eram de vidro fumê e o salão,
refrigerado. A fauna que transitava ali era variada. Jornalistas, homens de
negócios, artistas, contrabandistas, vigaristas, prostitutas, todos bem à vontade,
conversavam, telefonavam, bebiam, riam, atentos uns aos outros, disfarçando a
verdadeira missão de cada qual no enfumaçado ambiente.
Eu não pagava nada no bar e não raro saía dali
ziguezagueando, completamente bêbedo. Naquela noite, resolvi me embebedar com
dry martini. Meu amigo reservou uma garrafa de gin inglês e outra de vermute
italiano para meus drinks. Eu havia chegado cedo e no início da madrugada
começara a escorregar para aquele mundo vertiginoso dos bêbedos quando ela
entrou.
Era uma das mulheres mais sensuais que já vi. Entrou e se
dirigiu diretamente para mim, como se tivéssemos marcado um encontro. Veio e se
aboletou no tamborete ao meu lado, sorriu para mim e entabulou conversa. Como
quase não havia movimento, meu amigo barman veio se juntar a nós. Eu já havia
parado de beber, mas depois que ela chegou voltei a beber dry martini. Ela
parecia fresca, mas estava chumbada também, e entornava um dray martini atrás
do outro.
Não me lembro sobre o que conversamos, só me lembro de que
entramos em um táxi e fomos para um dos melhores motéis da cidade. Quando
chegamos, ela estava tão bêbeda que tirou toda sua roupa e se deitou de bruços
na enorme cama. Eu fiquei parado, no meio do quarto, vendo-a se despir e se
deitar. Ela era demais linda! Peguei uma cadeira, pu-la no meio do quarto, sentei-me
e fiquei um tempão observando a garota. Lembrava uma modelo renascentista,
dourada pelo sol da Amazônia. Suas ancas pareciam ter sido cinzeladas. Penso
que ela não teria mais que 17 anos.
Fiquei ali, sentado, lambendo com os olhos o corpo
maravilhoso da jovem adormecida. Ela sonhava. Certamente sonhava com rosas
colombianas, vermelhas.
No dia seguinte, um domingo, eu teria que chegar o mais
tardar às 7 horas no jornal, pois era julho, auge do verão amazônico, e fora
pautado para fazer uma matéria em Salinas, na costa paraense. Assim, acordei
antes das 6 horas e despertei minha bela adormecida. Incrível como ela me olhou
fresca e sorridente, beijou-me, foi ao banheiro, vestiu-se, com a desenvoltura de uma esposa já
bastante familiarizada com o marido, e saímos. Deixei-a na casa dela, no
subúrbio, e fui para o jornal.
Naquela manhã, fiz o desjejum em Salinas, meia dúzia de
ostras cruas, com sal e limão, e Antarctica enevoada. Salinas é uma das mais
belas praias do planeta, escancarada para o Atlântico. O que a torna especial é
que lá podemos comer os mais saborosos peixes do mundo, tomar tacacá e ouvir o
sotaque das belenenses que fervilham nas praias quilométricas.
Eu era setorista no palácio do governo. Dias depois, estava
lá, no batente, quando recebi um telefonema. Era ela. Ligara para o jornal,
obtivera o número do telefone da sala de imprensa do palácio e ligou para mim.
Sua voz era límpida, voz de mulher linda. Ela me disse que iria à sua cidade
natal, no interior do estado – não me lembro mais qual era a cidade –, e que
precisaria de uma certa quantia. A soma era pelo menos quatro vezes o que eu
ganhava por mês nos dois trabalhos. Ela pronunciou o valor como se fosse uma
ninharia. E de certa forma era isso mesmo. Respondi a única coisa que me
ocorreu, que era a verdade: eu não tinha sequer um centavo. Ela riu e disse que
na volta telefonaria para mim novamente.
Não voltou a telefonar e não a vi mais. Muito tempo depois compreendi que sua missão fora a de ajustar minhas antenas, para que eu descobrisse a poesia, única, que é cada mulher. E sei que não foi um sonho, porque seu perfume perdura para sempre na minha memória.

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