RAY CUNHA
BRASÍLIA, 3 DE NOVEMBRO DE 2025 – O poeta Isnard Brandão Lima Filho ofertava rosas para a madrugada, quando, na sua alma, a noite caía, noite de tormenta, trechos tortuosos do caminho, quando a força se esvai e já não suamos água, mas sangue. Só podemos dar o que temos, e era o que tinha o poeta, rosas.
Às vezes, cai a noite na minha alma. Sem astrolábio, navego na escuridão. Não reclamo. Não emito som algum. Apenas espero, como quem olha para uma parede horas a fio. Então, percebo que faz escuro na minha alma. Ah! se uma quantidade absurda de estrelas cintilasse no meu olhar! – penso. Mas quando nos sentimos assim, afogados na noite da vida e no silêncio, não há estrelas.
Porém não há noite que não termine. Massaharu Taniguchi alertou: a hora mais escura antecede a manhã. Sei também que depois da tempestade vem a bonança. De modo que se sobrevivemos ao negror, ao silêncio e à tempestade, se pisamos terra firme ao sol, é porque começa a primavera. Pode ser a última primavera, mas primavera.
Os sobreviventes não têm mais vícios, nem apego, são livres como leões de asas, como a luz, os elétrons, vão aonde querem e nada pode matá-los, nem deixá-los tristes. Poeta, farei como tu, ofertarei rosas para a madrugada, e também o azul, além de uma pedra de rubi que garimpei no meu coração.
A escuridão e o silêncio são os trechos de difícil transposição no caminho, com abismos, desertos, noites eternas. Então, o passado volta para nos resgatar. Perfume de jasmineiros, risos de crianças, cheiro de maresia, o sabor da mulher amada, os livros que lemos e relemos incansavelmente, merengue, mambo, o Concerto Para Piano e Orquestra em Ré Menor, de Mozart.
Há muitas coisas que eu queria fazer e não pude, como, por exemplo, já adulto, bater papo com meu pai em um bar, e sonhar com tudo o que ele me contaria. Também gostaria de bater papo com Ernert Hemingway, bebendo daiquiri. E se pudesse voltar à juventude pediria perdão à cada mulher que fiz chorar, porque eu era uma besta quadrada.
Se ainda fosse possível, eu seria paraquedista, atiraria bem e seria exímio em kendo, escalaria o Pico da Neblina e pescaria no Arquipélago das Cagarras. E uma coisa que certamente faria seria ler muito mais do que já li, pois ler é a viagem mais top.
Pensando bem, quando cai a noite na minha alma, basta beijar a mulher amada, procurar, na minha estante, um desses livros cheios de mistérios e luzes, e tomar cerveja com José Aparecido Ribeiro, em Belo Horizonte, bater perna em Copacabana, tomar tacacá na Avenida Nazaré, em Belém, e visitar a casa de Fernando Canto, em Macapá, para apreciar telas de Olivar Cunha. O melhor de tudo é o encontro com os personagens que nascem de madrugada.
De modo que só cai a noite na alma de um escritor quando ele está impedido de escrever, e um escritor classe A escreve mesmo que esteja preso em uma penitenciária, até doente em uma cama. Escreverá, mesmo assim, enquanto tiver força.
Quando a
noite cai sem estrelas, sem rosas, sem a voz da mulher amada, basta lembrar-se que
as noites, todas elas, são navios feéricos, pois escritores contam sempre com uma
estante, um computador, uma galáxia de imaginação.

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