segunda-feira, 14 de março de 2022

A trilha mística mais famosa do Brasil. Um paralelo entre Paulo Coelho e José de Anchieta

 

Município de Anchieta, na costa sul do estado do Espírito Santo

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 14 DE MARÇO DE 2022 – A trilha mística mais famosa do Brasil, Os Passos de Anchieta, de 100 quilômetros, no estado do Espírito Santo, é um percurso que costumava ser percorrido por um dos heróis brasileiros mais célebres, o jesuíta José de Anchieta, nos últimos anos da sua vida, quinzenalmente, da Vila de Reritiba, atual cidade de Anchieta, à Vila de Nossa Senhora da Vitória, hoje a capital do Espírito Santo, onde dirigia o Colégio de São Tiago. 

Andarilhos, promesseiros e turistas fazem o percurso em cerca de quatro dias, com caminhadas diárias de seis horas, em média, desde 1998. Número cada vez maior de participantes costuma largar no feriado de Corpus Christi. A caminhada em si é um exercício de autoconhecimento e de criatividade. 

A trama do meu romance HIENA veio inteirinha enquanto eu caminhava no bairro do Cruzeiro Velho, em Brasília, onde morei, e várias tramas já foram montadas enquanto eu caminhava no Parque da Cidade. Caminhadas ativam a glândula pineal, liberam endorfina e levantam o astral. 

Os Caminhos de Santiago de Compostela, na Espanha, já têm até um escritor famoso, o carioca Paulo Coelho, um dos maiores vendedores de livros do planeta, autor de O Diário de um Mago (288 páginas), lançado em 1987, publicado em 150 países e traduzido para 40 idiomas. 

Paulo Coelho fez uma peregrinação de três meses nos Caminhos de Santiago de Compostela. Com a experiência, cria uma parábola sobre a necessidade de encontrar o próprio caminho. Autor de O Alquimista, o livro brasileiro mais lido de todos os tempos, a obra de Paulo Coelho foi publicada em mais de 170 países e traduzida para 80 idiomas, e já vendeu mais de 210 milhões de livros em todo o mundo. 

Os Passos de Anchieta ainda não têm uma celebridade como Paulo Coelho, mas seu patrono é um dos escritores mais extraordinários do Brasil. José de Anchieta nasceu em San Cristóbal de La Laguna, na ilha de Tenerife, no arquipélago das Canárias, Espanha, em 19 de março de 1534, e morreu em Reritiba, atual estado do Espírito Santo, em 9 de junho de 1597. 

Conhecido como o Apóstolo do Brasil. Saiu de casa aos 14 anos de idade, quando se mudou para Coimbra, em Portugal, com o objetivo de estudar filosofia no Real Colégio das Artes e Humanidades, anexo à Universidade de Coimbra. Ingressou na Companhia de Jesus em 1 de maio de 1551 como noviço. 

Na época, o padre Manuel da Nóbrega, Provincial dos Jesuítas no Brasil, solicitou mais missionários para a evangelização no Brasil e entre os que vieram estava José de Anchieta, que, desde jovem, sofria de tuberculose óssea, o que lhe causou uma escoliose, o que foi determinante para que deixasse os estudos e viesse para o Brasil, um paraíso tropical. 

Desembarcou em Salvador, na Capitania da Baía de Todos os Santos, em 13 de julho de 1553, com menos de 20 anos de idade, vindo na armada do segundo governador-geral do Brasil, Dom Duarte da Costa, com mais seis capuchinhos. 

Menos de três meses depois partiu para a Capitania de São Vicente, atual São Paulo, onde conheceu Manuel da Nóbrega e permaneceu por doze anos, abrindo caminho para o sertão, aprendendo tupi e ensinando latim. Foi assim que escreveu a primeira gramática da língua tupi: Arte da Gramática da Língua Mais Falada na Costa do Brasil, publicada em Coimbra, em 1595. 

Lutou contra os franceses estabelecidos na França Antártica, na baía da Guanabara, ao lado Estácio de Sá, que fundou a cidade do Rio de Janeiro, em 1 de março de 1565. Em 1569, funda a povoação de Reritiba, ou Iriritiba, atual Anchieta, no Espírito Santo, e em 1577, é nomeado Provincial da Companhia de Jesus no Brasil, função que exerceu até 1587, quando retirou-se para Reritiba. 

Escreveu, em latim, o primeiro poema épico da América, De gestis Mendi de Saa, Os feitos de Mem de Sá, impresso em Coimbra, em 1563, anterior, portanto, à edição de Os Lusíadas, de Luís de Camões. Seu poema De Beata Virgine Dei Matre Maria, mais conhecido como Poema à Virgem, é composto de 5.786 versos. 

Canonizado em 27 de fevereiro de 2014 pelo papa Francisco, no ano seguinte, moradores de Jabaquara, bairro de Anchieta, começaram a realizar uma romaria anual de 18 quilômetros entre Jabaquara e o Santuário Nacional de São José de Anchieta, sempre no domingo, após a festa de Corpus Christi, finalizando com missa.

É geralmente nessa época do ano que caminhantes, sozinhos ou em grupos, deixam Anchieta rumo a Vitória, cumprindo um roteiro com oásis pelo caminho, ao fim do qual percebem que a jornada apenas começou, e que ela não é, como geralmente pensamos, para o espaço sideral, mas para dentro de nós mesmos. Certamente o mesmo que Paulo coelho encontrou em Santiago de Compostela.

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