segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O tempo do coração

Masaharu Taniguchi, no livro Mistérios da vida (Seicho-No-Ie do Brasil, São Paulo, 2003, 303 páginas), afirma que o tempo nada mais é que movimento. Ao declarar isso, o filósofo japonês confirma o que os artistas fazem desde sempre: viajar no tempo, por meio da mente. Woody Allen utiliza esse... truque?, com genialidade, em Meia-noite em Paris (Midnight in Paris, Espanha/Estados Unidos, 2011, 100 minutos).

O cineasta nova-iorquino faz um poema a Paris, exibindo-a sob todas as suas luzes, especialmente a da meia-noite, quando, na Paris de agora, um escritor, personagem central do filme, embarca no túnel do tempo rumo aos anos de 1920, e se encontra com Ernest Hemingway, de Paris é uma festa, Francis Scott Fitzgerald, de Suave é a noite, Pablo Picasso, e turma. De volta a 2011, descobre a intensidade do momento mesmo da vida, pois agora tem certeza de que a verdade está sob a chuva, à meia-noite, em Paris.
A verdade está dentro de nós mesmos. “Aonde quer que a gente vá, levamos sempre conosco nós mesmos” – disse o autor de O sol também se levanta. Com efeito, mudanças de ares não solucionam problema algum, pois se passa no plano físico, embora possam significar uma pista para a resolução do conflito, que ocorre na mente.
Lembro-me que, em 1971, aos 17 anos, em Macapá, minha cidade natal, uma cidadela ribeirinha, eu me sentia acossado pelo preconceito gratuito contra o ser artista. Escafedi-me. Fui de carona para o Rio de Janeiro. Já havia lido Paris é uma festa. Na casa do teatrólogo Paschoal Carlos Magno, em Santa Teresa, Rio, disse a ele que queria ir para Paris. Ele me perguntou para que. Disse-lhe que era para escrever um romance. “Mas você pode escrevê-lo aqui” – disse-me. “Se ao menos ainda estivéssemos no governo de Juscelino Kubitscheck.”
Nunca fui a Paris, nem escrevi romance algum no Rio de Janeiro, mas foi lá que eu renasci, da mesma forma que renasci em Buenos Aires, em Manaus, em Belém do Pará, em Brasília, em Goiânia, em Luziânia. Qualquer cidade é boa para renascermos, basta que descubramos, nela, o portal do tempo, que nos leva ao agora e o agora.
Assim como Woody Allen fez em Meia-noite em Paris, fiz em A Casa Amarela (Editora Cejup, Belém do Pará, 2004, 158 páginas). A turma toda está lá, em Macapá, sob o perfume dos jasmineiros que choram nas noites tórridas, que são todas as noites, exceto as muitas noites em que sentimos cheiro de água, de tanta chuva. Mas, em agosto, o céu de Macapá parece Paris à meia-noite, e a boca do rio Amazonas arranca o cheiro do Atlântico e o leva até os quiosques na frente do Macapá Hotel, misturando-se a Cerpinha enevoada e a boca de mulher.
O tempo cronológico é físico; o tempo mental, ou poético, não existe. Os artistas sabem disso. Por isso, não importa onde estiverem, estarão sempre viajando, às vezes, muito alto, num avião, batendo papo com Antoine de Saint-Exupéry.

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