sábado, 7 de outubro de 2023

A Amazônia exporta energia elétrica, mas os consumidores da região pagam a luz mais cara do país ou iluminam suas casas com lamparina

RAY CUNHA

BRASÍLIA, 7 DE OUTUBRO DE 2023 – Realismo mágico, ou realismo fantástico, é uma corrente artística ibero-americana oriunda da literatura fantástica europeia. Sua característica fundamental é que a realidade material se entrelaça com o plano espiritual no cotidiano. No meu romance A CASA AMARELA há uma dependência onde mortos, como Ernest Hemingway e Antoine de Saint-Exupéry, se encontram para bater papo, e uma seringueira manifesta sentimentos humanos, como quando o herói da história é assassinado e a árvore se agita sem vento algum e chora látex. 

No Brasil, se falarmos de celebridades que se utilizaram do realismo mágico, temos os baianos Jorge Amado e Dias Gomes. Na Ibero-América, destacam-se o mexicano Juan Rulfo e o colombiano Gabriel García Márquez, Prêmio Nobel de Literatura, em 1982. O romance Cem anos de solidão, de Gabo, publicado em 1967, é emblemático. Entre escritores amigos meus cito dois: o amazonense Isaías Oliveira, autor de A Dimensão dos Encantados, e o amapaense Fernando Canto, autor dos contos Mama Guga, O Bálsamo e Os Tempos Insanos (ou My friend Mundico). 

A principal característica dos povos amazônicos é sua alma de colonizado, a subserviência aos políticos e empresários, sua superstição. O amazônida é uma espécie de escravo. A Amazônia é o coração das trevas, a África do século XIX, onde as potências hegemônicas perpetram todo tipo de pilhagem, por meio de ONGs, e Brasília também participa do butim, mas legalmente. Para sobreviver ao saque, ao tráfico de mulheres e crianças para escravidão sexual e venda de órgãos, à falta energia elétrica, uma tecnologia básica para o desenvolvimento, o amazônida é a personagem central do realismo mágico. 

Pouca gente sabe que a Amazônia gera 26% da energia elétrica do país, mas pelo menos 1 milhão de amazônidas vivem no escuro e outros 3 milhões estão fora do Sistema Interligado Nacional (SIN), que conecta usinas e consumidores, porque a Amazônia exporta energia elétrica para outras regiões. Populações que vivem próximas de usinas hidrelétricas da região usam lamparina, enquanto a energia gerada vai para o Sudeste. 

E de onde vem o dinheiro para incentivar a instalação de usinas solares e aquelas torres, inúteis, de geração de energia eólica? É o consumir brasileiro, que paga uma das maiores cargas de impostos do planeta e ainda tem que sustentar a vida luxuosa dos donos das empresas de energia elétrica, com aval do Congresso Nacional.  

O marco regulatório da produção e distribuição de energia elétrica no Brasil é diabólico. O governo propagandeia que está fazendo isso e aquilo para baratear a energia elétrica, que está lançando um novo programa de subsídio para a indústria etc. etc., que está levando energia elétrica para aqui e acolá, e envia a conta, todo mês, para o consumidor doméstico, que já paga, religiosamente, Imposto de Renda e praticamente o oxigênio que respira.

O Pará é o segundo maior produtor de energia elétrica do país, atrás apenas de São Paulo. Produz 12,24% da energia nacional e exporta 11% dela, ficando, para os paraenses, 1,24%. É fantástico! 

Mas é o Amapá o estado mais simbólico da desgraceira energética da Amazônia. Os amapaenses vivem o pesadelo do apagão o tempo todo. Haja coração! Só com muito açaí! O Amapá vive no apagão, mas exporta energia, porque a legislação brasileira determina que é assim mesmo. 

Das quatro hidrelétricas no estado somente Coaracy Nunes, do Sistema Eletrobras, fornece energia para a população local. As outras três, Cachoeira Caldeirão, Santo Antônio do Jari e Ferreira Gomes, exportam sua produção para outras regiões do país, porque são concessões privadas integradas ao Sistema Interligado Nacional, que exporta energia.

Então, o Linhão não é para levar energia elétrica para o Amapá, mas para escoar a energia produzida lá. Os amapaenses que se ralem. 

Em novembro de 2020, em plena pandemia do vírus chinês, um incêndio em uma subestação de Macapá mergulhou 13 dos 16 municípios amapaenses, 90% do estado, 700 mil pessoas, nas trevas, durante 22 dias. Muita gente morreu por falta de oxigênio nos hospitais, de calor e em latrocínio, empresários faliram e os hospitais fediam a defunto se deteriorando. Mas o amapaense paga luz mais cara do que um morador de Ipanema ou Leblon, no Rio, ou do Sudoeste, em Brasília. 

Recentemente, em entrevista a um pool de emissoras de rádio do norte do país, o presidente Lula foi informado pelo jornalista Luiz Melo, do Sistema Diário de Comunicação, de Macapá, que o consumidor amapaense paga a maior tarifa energética do país. Ficou com aquela cara de quem não sabe de nada, mas comunicou que está em elaboração um novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), para a produção de energia eólica, solar e de etanol. Porém o marco regulatório manda a conta de qualquer investimento no setor para o consumidor doméstico. 

O marco legal da produção, distribuição e custo para a população de energia elétrica no país é um emaranhado que só tributaristas entendem, feito para beneficiar meia dúzia de bilionários, que, por sua vez, enchem os bolsos de políticos, à custa do povo brasileiro, com aval dos representantes desse povo no Congresso Nacional. 

A deputada Silvia Waiãpi (PL/AP), uma das parlamentares mais atuantes da bancada amazônica no Congresso, se debruçou sobre a legislação do setor elétrico e, até novembro, entrará com um projeto para pôr um fim a essa tragédia, mudando radicalmente a legislação. Será uma queda de braço entre Davi e Golias, mas com a bancada da Amazônia imbuída de defender a Hileia pressionada de perto pelos povos amazônicos quem sabe a situação mude?

Macapá não é Macondo. Não precisa viver cem anos de solidão.

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