sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Abismo de rosas

BRASÍLIA, 23 DE AGOSTO DE 2013 – Não resisti, e lhe disse oi! Ela não respondeu; nem eu esperava que sequer me olhasse. E depois, não era o melhor momento para ela; eu, que gosto de todas as horas do dia e da noite, sempre sinto que aquele é um instante especial, de transição, uma zona indefinível, mais uma sensação, como quando estamos numa sala de espera e de repente sentimos cheiro de maresia, sabor de Dom Pérignon, safra de 1954, e insinua-se a música de Nino Rota, e então percebemos que tudo isso ocorreu à passagem de uma mulher, na eternidade de dez segundos. Assim era o fim da tarde, de quem ainda se podia sentir o calor, agonizante, dando lugar às moléculas da noite e às luzes. Era aquele momento suave como a prece de um rio de planície, lento, a caminho, sem importar-se para onde vai, e que apenas segue. Mulheres, que acabaram de deixar o local de trabalho, passavam pela calçada, frescas e perfumadas, ao encontro do mistério. A propósito, as mulheres são veios prenhes de diamantes vermelhos.

Ali estava eu, hipnotizado. Fora merendar, como gostamos de dizer na minha cidade natal, Macapá, aquela cidade que flutua na margem esquerda do estuário do rio Amazonas, esquina da Linha Imaginária do Equador, onde falta água encanada, não há esgotamento sanitário e as ruas são as mais esburacadas do planeta. Acho o Pão de Açúcar a melhor rede de supermercados do país, e a loja da 516 Sul, a melhor de Brasília. Pois bem, era lá que eu estava. Fora comer croquete de carne. O de lá é saboroso. O pão francês é delicioso também. Em Brasília, costuma-se dizer pão de sal. Prefiro pão francês, pois tenho um relacionamento íntimo com as palavras, e pão francês remete-me a padarias iluminadas na aurora, como navios na ressaca; dá-me a sensação de pão que acabou de ser tirado do forno, a manteiga a derreter-se nele, e a café com leite. E só encontro meu café favorito no Pão de Açúcar: Três Corações, gourmet, e arábica, naturalmente.

Ao vê-la, esqueci completamente o que fora fazer ali. Ela era tão linda que parecia despida, nua, absorta, no pufe diante do toucador, santuário proibido aos homens, porque, por mais que um homem queira apossar-se de uma mulher, ele se perderá num abismo de rosas, e somente ela poderá guiá-lo, com segurança, para ele mesmo. De modo que nós, homens, estamos absolutamente enganados quando somos possuídos pelo pensamento, movediço, de que podemos nos tornar donos de uma mulher. As mulheres são, como as rosas, eternamente livres.

Eu sabia, sempre soube, que ela não me responderia, quando lhe disse oi!, porque elas nem sequer nos percebem; acho que nós, homens, vibramos numa frequência muito bruta para elas, que vivem num mundo sutil, onde apenas alguns artistas, como Mozart, Beethouven, Antoine de Saint-Exupéry, penetram, porque eles sabem com o coração. Mas não resisto quando as vejo; sinto-me leão de asas e experimento voos rasantes nos vales da luz, onde nasce o acme do primeiro beijo.

Tudo ocorreu num segundo infinito. Anoitecia, e as rosas não são as mesmas em todas as horas do dia. Ao alvorecer, e se prenunciar-se um dia de sol, elas são tão lindas como mulher feliz na boate, iluminadas pelo olhar fervoroso do seu homem; haverá algo mais lindo que mulher dançando? Só há as rosas, e aquela era colombiana, vermelha, e nua. Pode parecer estranho, uma obsessão, ou falta de senso, eu me referir a rosas nuas. É que só podemos despir as rosas se as vermos com a necessária pureza, da mesma forma que as mulheres, que só se entregam sem reservas quando sentem que seu homem lhes chega por meio do coração.

As rosas, ao anoitecer, são como minúsculos frascos de essência, que, nas manhãs ensolaradas, impregnam o Cosmo de divino perfume, vibrando numa frequência sutil, no éter. Depois do encontro, e nada é por acaso, pois eu poderia ter tomado outro caminho que não fosse o da floricultura, senti que mergulhava, inexoravelmente, no azul.

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