quinta-feira, 28 de março de 2024

O maior playboy brasileiro não era carioca nem paulistano, mas paraibano: Assis Chateaubriand

Assis Chateaubriand se diverte com estrelas das suas rádios

RAY CUNHA 

BRASÍLIA, 28 DE MARÇO DE 2024 – Trabalhei três anos redondos no Correio Braziliense, de 1 de abril de 1991 a 3 de abril de 1994, levado pelo secretário de redação, Jota Alcides. Fui redator da Capa, subeditor de Cidades e editor de resenha literária. Como redator da Capa, chegava no meio da tarde e lia cerca de cinco jornalões, para me informar de tudo o que estava acontecendo, participava da reunião de editores no fim da tarde e circulava pela redação, conversando com os editores, de modo que dava para ter uma visão geral do jornal. 

Com essas informações diárias e mais as informações internas da empresa, obtidas em bate-papos, dava para perceber que o Correio Brasiliense era o Diário Oficial do DF. Não saía absolutamente nada contra o então governador Joaquim Roriz. A folha de pagamento estava garantida. O Correio não mudou nada, desde que foi fundado por Assis Chateaubriand, em 21 de abril de 1960. 

Acabei de ler Chatô – O Rei do Brasil (Companhia das Letras, São Paulo, 1994, 732 páginas), de Fernando Morais, 78 anos, paulista, jornalista e escritor, autor O Mago, biografia do escritor Paulo Coelho. Gênio, culto, poliglota, playboy, magnata, Chateaubriand foi um dos jornalistas que deram forma à imprensa brasileira moderna e é o criador do Masp, o Museu de Arte de São Paulo. 

Sua maior qualidade era a falta de medo. No lugar de medo, agia com a frieza do homem de ação. Foi assim que atropelava até presidente da República, qualquer um, inclusive o ditador Getúlio Vargas e os generais. Como jornalista, era capaz de escrever mentira pura, humilhar qualquer um que despertasse sua fúria e chantagear políticos e magnatas com a maior candura. Alguns casos ele resolveu na bala, junto com os jagunços da sua segurança pessoal. 

Construiu um império, os Diários Associados, o maior conglomerado de mídia da América Latina, trouxe a televisão para o Brasil, criou a maior revista semanal de todos os tempos no país, O Cruzeiro, e reuniu em torno de si os maiores jornalistas e escritores da primeira metade do século XX, com salários da altura deles. 

Como playboy, foi um garanhão, conheceu a intimidade de inúmeras mulheres monumentais. Movimentava-se bem em qualquer parte do mundo e sentia-se à vontade diante de qualquer celebridade. Fez o primeiro ministro inglês Winston Churchill vestir-se de cangaceiro e o agraciou com a Ordem do Jagunço, criada por Chateaubriand. Foi senador duas vezes em campanhas fraudulentas e embaixador do Brasil na Inglaterra apenas para se divertir. E, claro, tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras (ABL). 

Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, o Chatô, era paraibano de Umbuzeiro, onde nasceu em 4 de outubro de 1892. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife, estreou no jornalismo aos quinze anos, na Gazeta do Norte, no Jornal Pequeno e no Diário de Pernambuco. Em 1917, já morando no Rio de Janeiro, colaborou com o Correio da Manhã. Em 1920, foi correspondente do La Nacion, de Buenos Aires. 

Em 1924, compra O Jornal, no qual substitui artigos monótonos por reportagens interessantes. O jornal faz sucesso. Compra o Diário de Pernambuco, o jornal mais antigo da América Latina, o Jornal do Commercio, o mais antigo do Rio de Janeiro, e o Diário da Noite, de São Paulo. Seguem-se dezenas de jornais e rádios em todo o Brasil. Chateaubriand, temido pelos políticos, começa a dar as cartas. Nada é impossível para ele. 

Os empresários que não anunciassem nos seus veículos eram insultados em editoriais e chantageados com mentiras, mas publicava até poemas dos que anunciavam. Isso me fez lembrar um episódio no Correio Braziliense. Certo dia, Jota Alcides me procurou para eu publicar um poema de, salvo engano, uma parenta do então presidente dos Associados do DF, o jornalista Paulo Cabral. Vetei. Eu publicava resenhas, não poemas. Ficou por isso mesmo. 

Fui demitido do Correio Braziliense porque o então diretor de redação, o jornalista e escritor mineiro Luiz Adolfo Pinheiro, foi demitido para entrar, no seu lugar, o jornalista pernambucano Ricardo Noblat, que fez campanha para o petista Cristovam Buarque, eleito governador, em 1994. Jota Alcides fora levado para o Correio por Luiz Adolfo Pinheiro e eu por Jota Alcides. Noblat não queria ninguém ligado aos dois e assim fui demitido também. 

O industrial Francisco Matarazzo foi um dos empresários mais insultados e ameaçou enfrentar Chateaubriand à moda napolitana: “pé no peito e navalha na garganta”. Chateaubriand escreveu: “Responderei com métodos paraibanos, usando a peixeira para cortar mais embaixo”. 

Em 1960, Chateaubriand é atingido por duas tromboses. Uma delas o deixa paralisado do pescoço para baixo; a outra, atinge seu império. Chateaubriand viveu uma vida de luxo e sonegava impostos. Mesmo tetraplégico, deu um jeito de viver e continuar escrevendo artigos, por meio de uma engenhoca comandada pelo seu cérebro extraordinário e um dedo que ele conseguia mexer, durante oito anos. Além de escrever, o que mais gostava de fazer era transar, de modo que também continuou recebendo mulheres na intimidade.

Em 4 de abril de 1968, em São Paulo, Chateaubriand sofreu um colapso cardíaco fulminante. Deixou os Diários Associados para um grupo de 22 funcionários, que, à medida que vão morrendo, passam sua vaga para outro funcionário. O império de Chateaubriand começou a ruir simultaneamente ao surgimento de outro império, o de Roberto Marinho, o Grupo Globo, que segue passos semelhantes aos de Chateaubriand, mamando na teta da burra, encobrindo corrupção e mentindo.

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