segunda-feira, 11 de junho de 2012

Brasília, agora


BRASÍLIA, 11 de junho de 2012 - A praça de alimentação do Conjunto Nacional, shopping ao lado da Rodoviária do Plano Piloto, é enorme. À noite, uma de suas extremidades se transforma na Praça do Pau Mole. Reconheço o palavrão e peço desculpas, mas é esse nome mesmo. Seus frequentadores são velhos libertinos que já sem o viço da juventude perambulam por lá, como almas penadas, atrás de potrancas e potros que os ajudem a alimentar a esperança, agônica, de alcançar o acme.
Há também outra sorte de frequentador: viúvas da Ditadura dos Generais. São oficiais, e até suboficiais, de pijama, chorando o leite derramado, a farra de militares e policiais que durou 21 anos. Reconheço que o Golpe Militar de 1964 foi necessário para extirpar o mesmo tipo de ditadura que destruiu Cuba e agora destrói a Venezuela, mas os militares ficaram tempo demais, destruíram a educação pública e fizeram uma ocupação equivocada da Amazônia, até Ulysses Guimarães comandar a Revolução de 1985. O estrago estava feito. Quis-se consertar tudo com a Constituição de 1988. Utopia.  Contudo, hoje, vige a democracia, que é como um pugilista no ringue, agora lutando contra um boneco com cara de pau, narigudo e sem um dedo.
Outro dia, encontrei um conhecido meu, que nos anos 90 era um empresário de sucesso, hoje na bancarrota. Gosto dele, e para entabular conversa perguntei-lhe como iam as coisas. Desencantado, e mesmo sem esperança, disse-me que as pessoas já não leem mais e que Brasília cresceu muito e desordenadamente.
A propósito dessa questão de ler, tenho encontrado muita gente preocupada em que o livro desapareça, e também tenho visto na mídia bastante espaço dedicado ao “desaparecimento” do livro. Ora, a geração de hoje lê diretamente ao computador domiciliar ou portátil. E vai chegar um tempo em que o livro de papel desparecerá mesmo, assim como os papiros. Quanto a mim, que estou com 57 anos, tenho uma pilha tão grandes de livros para ler e outra bem maior para ler de novo que se pudesse me dedicar desde agora 12 horas por dia somente lendo ainda ficaria uma infinidade de livros que eu gostaria muito de ler.
Conheço outro empresário que é dono de jornal. Já faz alguns anos, ele me convidou para dirigir a redação do seu semanário, que se chamava Jornal Brasília Agora. Assim que assumi, convenci-o a tirar o “jornal” redundante e a deixar Brasília Agora, que é, na minha opinião, o melhor título de semanário da capital da República, depois de Correio Braziliense, que é diário, foi o primeiro jornal brasileiro e é um dos 15 maiores do país.
Expliquei a ele que daria início a uma linha editorial paralela à Brasília, agora: uma cidade grande, que deixou de ser quintal de São Paulo, com vida cultural e noturna intensa, grandes museus, e que aos poucos vai deixando o jeito jeca das cidades do interior do continente tupiniquim. De modo que me reuni com a equipe (pequeníssima, mas competente) e instituí outra mudança: um caderno com a programação cultural da cidade.
A meio do caminho, mexi na diagramação do jornal, que é pré-diagramado. O dono, diagramador, ficou uma fera. Telefonou-me e despejou sua fúria no meu ouvido. As palavras fustigavam mais de 30 anos de experiência, como repórter, redator e editor. Porém ele tinha razão. Apenas não sou o tipo de editor que faz o que o dono quer, mas o que, como profissional, acho que devo fazer. Entretanto, eu estava determinado a, mais adiante, acabar com a pré-diagramação do jornal, pois parecia sempre a mesma edição, semana após semana. Mas antes disso, para conter despesas, fui demitido.
Engessamento é precisamente o problema de Brasília, que, apesar de Patrimônio Cultural da Humanidade, vai, aos poucos, como água minando, crescendo e se modernizando. Engessar Brasília foi um erro, mas agora não se pode mais chorar o leite derramado. Se Brasília tivesse um sistema de transporte público de Primeiro Mundo, tudo bem, mas do jeito que é, como a maioria das cidades do país, engessar uma área grande e importantíssima como o Plano Piloto é falta de senso; de planejamento, no mínimo. Tem muita gente que ainda tenta ver o desenho de um avião nas luzes do Plano Piloto.
Brasília não é mais da turma do pau mole. É pós-moderna. Como de resto acontece nas zonas metropolitanas do país, nada funciona direito no Distrito Federal, e só de se ver a violência na televisão a pessoa fica apavorada. Há fim de semana, no DF, que matam 15. Isso, porém, é reflexo dos dirigentes. Desde 2003, o Brasil vem descendo uma ladeira, e agora o freio está gasto. O único governante de Brasília que parecia estar pondo a cidade em ordem, José Roberto Arruda, foi preso por chefiar uma roubalheira amazônica. Agora, temos Agnelo Queiroz, ex-comunista e atualmente petista (tudo farinha do mesmo saco). Recebeu o apelido de Agnulo. Se administrou algo, desde quando assumiu, em 2011, foi sua casa, que não é pública e que portanto está fora de questão.
Mas o país vem sendo passado a limpo. Não há mentira que dure para sempre e os ditadores sempre caem, ou mortos a balaço ou bomba, ou por doença. O Mensalão será julgado, mesmo, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e o povão, mesmo aqueles que recebem para se embalar na rede e inchar os tornozelos, já começa a ficar desconfiado com esse negócio de que até quem não lê pode chegar a presidente da República, ao ver sua prole crescendo como porquinhos. Brasília, agora, deixou de ser, definitivamente, a do pau mole.

Um comentário:

  1. Ray, meu amigo, como é bom ler o que você escreve. Nada de novidade porque já lhe disse isso várias vezes. Sou, como sempre fui, sua admiradora. Vale sempre e muito, manter essa fidelidade a si mesmo.Ontem assisti a uma entrevista do mineiro Fernando Morais,e ele, sempre com aquele jeito jornalista de ser, foi falando de seu trabalho e de seus biografados. Perguntado qual o seu melhor livro, o escritor escolheu o que fala apenas de suas reportagens. É isso: o verdadeiro jornalista tem que ser independente, como vc e ele, o mineiro/reporter/biógrafo, bom papo, boa gente. Abraço da Gracia.

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