quinta-feira, 18 de abril de 2019

O homem que abriu o portal das estrelas



BRASÍLIA, 18 DE ABRIL – Descobri que meu negócio para o resto da vida era ser escritor na década de 1960, em um portal na casa da minha infância, na Rua Iracema Carvão Nunes, ao lado do Colégio Amapaense. O Quartinho era do meu irmão Paulo Cunha. Em 1960, eu tinha 6 anos e ele, 18. Para mim, ele era o cara mais bonito de Macapá. Pugilista, campeão de natação, líder estudantil no Grêmio Literário Ruy Barbosa, do Colégio Amapaense, poeta, e belo. O interessante é que o Quartinho era um portal que se abria para o Cosmos. Foi quando comecei a frequentá-lo que descobri que era possível viajar por todo o planeta e até nas galáxias. O Paulo já era leitor compulsivo e no Quartinho havia todo tipo de gibi, revistas mensais (as semanais ainda não existiam no Brasil) brasileiras e americanas, e livros, ensaios e ficção, brasileiros e estrangeiros. Jamais deixei essa nave; vivo nela. Graças ao Paulo, que aniversaria hoje.

Em 1972, aos 17 anos, saí pela primeira vez de Macapá. Fui a Belém. A Cidade das Mangueiras me fascinou. Naquela época, o Paulo estava morando em Belém, em um hotel no centro da cidade, onde ocupava um quarto de tamanho razoável. As paredes do quarto eram estantes do chão ao teto, com tudo que se possa imaginar em termos de literatura. De novo embarquei numa viagem permanente.

Xarda Misturada foi meu batismo de fogo como escritor, como observou o poeta Isnard Brandão Lima Filho; o livro que publicamos, Joy Edson (José Edson dos Santos), José Montoril e eu, foi lançado em dezembro de 1971, com meus poemas de adolescente, minhas primeiras escavações nos veios do coração. Eu começara a escrever aos 13 anos, pequenas pepitas, pedrinhas, que eu ia lapidando por meio de árduo trabalho, às vezes escondido, porque não me rendia nenhum dinheiro, e aos olhos da sociedade macapaense parecia trabalho perdido, vadiagem, vagabundagem. Mas, para mim, até hoje, escrever é o combustível que me leva às galáxias.

Em 1975, em plena fase Na Estrada, que durou de 1972 até 1982, visitei o Paulo e família em Santarém, onde ele passara a morar em casa própria. Agora, a biblioteca dele ocupava toda uma sala. A sensação era sempre a mesma, quando, aos 12, 13 anos, descobri, nas estantes dele, Hemingway, Fitzgerald, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha, Antoine de Saint-Exupéry, uma turma da pesada, a história da Humanidade e atlas que me levavam aonde quer que eu quisesse ir.

Um dia ele me salvou a vida. Entalei-me com batata doce e estava morrendo sufocado quando me deu um soco nas costas e um bolo saltou da minha boca na parede.

Lutando boxe, nadando, na companhia das gatas que ele namorava, escrevendo poemas, declamando-os, era sempre um modelo para mim. E jamais disse algo que me ferisse, e sei que sempre me protegeu, como fazem os irmãos mais velhos.

Convivemos durante todos os anos da década de 1960, quando cada qual tomou seu rumo. Ele vive hoje em Belém, com sua família – a esposa Sônia e os filhos Paulinho e Alice –, e conserva o mesmo charme, a leveza do pugilista que foi na juventude, e aquela marca nos olhos, de quem viaja pelas galáxias.

Quanto a mim, permaneço no comando da minha nave, em velocidades cada vez mais incalculáveis, movido pelo combustível que todas as pessoas que me amam despejaram no tanque do meu coração, combustível azul como o céu de julho, ao anoitecer, em Macapá. Tão azul como um salto quântico.

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