sábado, 12 de fevereiro de 2011

O suicídio político do Amapá


O Amapá integrou o Pará desde que os portugueses puseram as botinas na Amazônia, até 1943, e foi Território Federal até 1990. Em 1 de janeiro de 1991 tornou-se estado. Enquanto Território Federal, nada mais era do que um remoto protetorado da capital. A partir da sua independência federativa, começou o saque. Foram abertas três vagas para senador e Zé Sarney, desgastado no Maranhão como Hosni Mubarak no Egito, se mandou para o Amapá, que o eternizou na presidência do Senado, casa que ele enlameou, com o beneplácito do ex-presidente Lula.

Maior patrimonialista (que confunde a coisa pública com a privada) brasileiro, resistente como Fidel Castro, camaleônico, untuoso (quem já o viu de perto?), medíocre, Zé Sarney é um presente de grego que nossos valorosos irmãos maranhenses, sem querer, enviaram para o Amapá. Sarney continua pintando e bordando, sempre com apoio total do seu partido, o PMDB, do Partido dos Trabalhadores (vejam, só!) e, claro, de Lula, e agora de Dilma Rousseff.

Blog é pessoal, mas me arredo para dar lugar a dois pesos pesados do jornalismo brasileiro: Augusto Nunes e Roberto Pompeu de Toledo.

O apoio secreto a um assassino da esperança é uma forma silenciosa de suicídio político

AUGUSTO NUNES
Direto ao Ponto/Veja.com

11 de fevereiro de 2011 - Na última página da edição de Veja desta semana (9 de fevereiro), o excelente Roberto Pompeu de Toledo encerrou o texto inspirado em José Sarney com um parágrafo de antologia: “A sina do Maranhão, governado, nos últimos 45 anos, por Sarney, familiares ou prepostos, a não ser por curtos intervalos, continua sendo a da desonestidade, da corrução, da violência, da miséria, do analfabetismo e das altas taxas de mortalidade infantil. Mas Sarney, aos 80 anos, dois a menos que Mubarak, alcançou a plenitude da glória. Na primeira hora da madrugada do último dia 1º de janeiro, foi presença de honra na cerimônia de posse da filha, pela quarta vez, como governadora do Maranhão. Voou em seguida para Brasília, onde, como presidente do Congresso, deu posse à nova presidente da República. E, à noite, ainda viajou com o presidente Lula a São Bernardo, onde figurou como atração especial no comício/show montado para receber de volta o mais ilustre morador da cidade. Haja Sarney! Ele promete, como Mubarak, que este é seu último mandato. Nem precisaria de outros. Este é um país intoxicado de Sarney. Na academia, nos jornais e alhures, discute-se se estaríamos vivendo ainda uma era FHC, graças ao rescaldo de suas reformas, ou uma era Lula. Nada disso. O país vive, há mais de meio século, a era Sarney”.

Com a conivência da maioria dos oposicionistas, essa era abjeta eviscerada por Roberto Pompeu de Toledo foi prorrogada por mais dois anos de Sarney na presidência do Senado. Líderes do PSDB e do DEM alegam que apenas respeitaram o critério da proporcionalidade, que confere à bancada majoritária o direito de indicar o presidente da Mesa Diretora. Nenhum partido, seja qual for o tamanho da representação no Senado, tem o direito de impor uma escolha que agride o Brasil decente.

O critério da proporcionalidade não pode prevalecer sobre critérios morais, nem revogar o sentimento da vergonha. Nenhum oposicionista teria respeitado o critério da proporcionalidade se a votação fosse aberta. Nas conversas com repórteres do site de Veja, todos evitaram mencionar expressamente o nome de Sarney. Não ousariam decliná-lo em voz alta no plenário.

Quando estiverem cauterizadas as feridas morais abertas pela Era da Mediocridade, escrevi em junho de 2009, o Brasil contemplará com desconsolo e desconcerto a paisagem deste começo de século. Como foi possível suportar sem revides as bofetadas desferidas por um José Sarney ─ político sem luz, orador bisonho, poeta menor e escritor medíocre? Como explicar a mansidão da maioria dos insultados pelo coro dos cúmplices contentes?

A ausência no plenário do Senado de representantes do Brasil que presta talvez seja mais perturbadora do que a presença de Sarney no centro da Mesa Diretora. Encerrado o espetáculo do cinismo, ninguém falou em nome dos injuriados. Ninguém contestou a discurseira absurda. Ninguém lastimou a decomposição do Legislativo. Ninguém sentiu vergonha. Os senadores ficaram parecidos com Sarney, que é a cara do Senado destes tempos tristonhos. Mais cedo para uns que para outros, a morte política chegará para todos. Tomara que a instituição sobreviva.

Os dois parágrafos que encerraram o post com o título Sarney esqueceu que a morte política vive à espreita dos muito vivos podem ser aplicados sem retoques à sessão em que Sarney, neste começo de fevereiro, celebrou outro triunfo e enxergou na própria vida um monumento à ética. Foi a reedição do espetáculo do cinismo encenado há 18 meses, quando tentou dissociar-se do acervo de bandalheiras descoberto nas catacumbas da Casa do Espanto.

Em 2009, a oposição redimiu-se parcialmente com a contraofensiva que por pouco não despejou Sarney do Congresso. Logo se saberá se os partidos que se declaram adversários do governo entenderam que apoiar secretamente um assassino da esperança é só uma forma silenciosa de suicídio político.

Sarney esqueceu que a morte política vive à espreita dos muito vivos

AUGUSTO NUNES
Direto ao Ponto/Veja.com

17 de junho de 2009 - Porque era provido do sentimento da honra, por ser capaz de sentir vergonha, Getúlio Vargas preferiu morrer a sujeitar-se a vinganças ultrajantes. Depois da mais dramática renúncia, o estadista gaúcho sobreviveu politicamente à morte física. Porque acha que nada desonra, por ser incapaz de envergonhar-se, José Sarney preferiu permanecer na presidência do Senado a reconhecer que ofendeu o Brasil que pensa. Depois de confirmar a tese de Jânio Quadros segundo a qual aqui ninguém renuncia sequer ao cargo de síndico, o morubixaba maranhense vai conhecer em vida a morte política.

“Em política só existe a porta de entrada”, repete Sarney a cada entrevista mais extensa. Claro que existem portas de saída ─ só não as enxerga quem imagina que a carteirinha de sócio do clube dos pais da pátria não tem prazo de validade. Há a porta da frente e a dos fundos. Por aquela saiu Getúlio, sobraçando uma comovente carta-testamento. Pela porta dos fundos vai saindo o presidente do Senado, no cangote de um discurso inverossímil.

Foi penoso acompanhar pela TV a performance do artista em seu ocaso. Mãos trêmulas, olhar de medo, a voz indignada contrastando com os desmaios no meio da frase sem pé nem cabeça, o homem que chegou ao Congresso há 50 anos, governou o Maranhão e o Brasil e preside de novo o Senado parecia um coroinha do baixo clero. Enfileirou argumentos indigentes, evocou atos de bravura imaginários, reinventou o passado de governista congênito e caprichou na pose de herói da resistência.

Sempre perseguindo erraticamente pontos finais, Sarney engavetou pecados antigos, subestimou os recentes, informou que os atos secretos não foram secretos e, caprichando na pose de vítima, exigiu respeito. “A crise não é minha, a crise é do Senado”, inocentou-se.

É isso aí, concordaram os presentes, com falatórios na tribuna ou com os gritos do silêncio. Todos fizeram de conta que Sarney não embolsou malandramente o auxílio-moradia, não promoveu a diretor-geral o bandido de estimação Agaciel Maia, não pendurou no cabideiro de empregos do Congresso duas sobrinhas, um neto, o ex-presidente da Assembléia Legislativa do Amapá, 50 parentes pra cá e 50 amigos pra lá. Todos absolveram o patriarca que tentara encobrir com um desfile de negativas a procissão de delinquências comprovadas.

Quando estiverem cauterizadas as feridas morais abertas pela Era da Mediocridade, o Brasil contemplará com desconsolo e desconcerto a paisagem deste começo de século. Como foi possível suportar sem revides as bofetadas desferidas por um político sem luz, orador bisonho, poeta menor e escritor medíocre? Como explicar a mansidão da maioria dos insultados pelo coro dos cúmplices contentes?

A ausência no plenário de representantes do Brasil que presta talvez seja mais perturbadora do que a presença de Sarney no centro da mesa diretora. Encerrado o espetáculo do cinismo, ninguém falou em nome dos injuriados. Ninguém contestou a discurseira absurda. Ninguém lastimou a decomposição do Legislativo. Ninguém sentiu vergonha.

Na quarta-feira, os senadores ficaram parecidos com Sarney, que é a cara do Senado destes tempos tristonhos. Mais cedo para uns que para outros, a morte política chegará para todos. Tomara que a instituição sobreviva.

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