sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Potra em vestido de seda

Não estava pensando em coisa alguma. Deixava-me caminhar aos raios de sol nas frestas das árvores, embalado pelo canto dos pássaros e flutuando na sensação do não pensamento quando ela surgiu, de repente, no meu raio de visão. Eu caminhava pela alameda que ladeia ao norte a superquadra 311 Sul. Era uma ensolarada manhã de domingo, ainda cedo. O canto contínuo de um sabiá se sobressaía ao dos outros pássaros, exceto quando casais de joão de barro cantavam subitamente. Ia comprar o Correio Braziliense na banca da 311/212.

Ela se materializou à minha frente. Poderia alcançá-la, se quisesse. Bastaria que apressasse o passo, pois ela caminhava lentamente. Parecia que acertara o passo comigo, distante talvez três metros adiante de mim. A primeira coisa que me chamou a atenção foi seu vestido de seda, longo e estampado de rosas vermelhas sob fundo azul. O vestido era quase justo e as ancas da mulher moviam-se esculpidas sob a seda. Seus tornozelos eram bem torneados e seus pezinhos flutuavam em sandálias Havaiana rosas. Subi com meu olhar o dorso da mulher inesperada e me concentrei nos seus cabelos, que jorravam em aneis negros sobre os estreitos ombros, contrastando, livres, no decote, com a estampa da seda. Sua pele tinha a cor de jambo maduro.

Qual seria seu nome? Onde moraria? Aonde ia? Era a síntese perfeita do Brasil, no seu traje, no seu caminhar, na sua pele, naquele mistério intrínseco à sensualidade. Uma ideia, que me pareceu absurda, me assaltou. Ia chamá-la. Diria a ela que queria apenas vê-la de mais perto. Ela não se furtaria a isso, de se deixar ver de pertinho, num gesto redentor. Não tive, porém, a ousadia de chamá-la. Apressei o passo, então. Estava quase a alcançando quando ela sumiu, assim como surgiu. Só então percebi que meu subconsciente me enganara. Ela existe, sim, mas era uma personagem de ficção.

Entrei na banca, olhei as capas das revistas semanais, folheei a National Geographic de setembro, que traz uma matéria interessante, sobre a calha norte do baixo Amazonas. Comprei o Correio Braziliense e voltei para casa.


Brasília, 15 de setembro de 2009

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